Em 1951 as principais manchetes foram estas:

Antes e depois de software e hardware

Suor, agora sem sangue e lágrimas

Herói de guerra veste o pijama

Átomos exibem seu lado pacífico

Espiões ladinos ou bodes expiatórios?

Qual e o valor de milhões de vidas?
Espanto no Brasil: racistas, nós?

Salinger inventa a adolescência

Irã lança desafio ao Ocidente
Todo mundo tenta, mas só ele é penta

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1951

Antes e depois de software e hardware

Tudo começou durante a Segunda Guerra Mundial, quando, visitando uma área de combate, um oficial americano chegou a conclusão de que deveria haver forma mais cientifica de se fazer o trabalho. Até então, as trajetórias de tiro das baterias eram calculadas a mão em pleno campo de batalha, com papel e lápis; e, se muitos rapazes eram bons de mira, a maioria deixava a desejar em termos de matemática. Em outras palavras, não havia nada de cirúrgico naqueles bombardeios, e o oficial—cujo nome foi injustamente esquecido pela História—voltou para casa com aqueles papeis na mão e uma idéia na cabeça. Por que não criar uma maquina capaz de fazer os cálculos?

O Alto Comando aprovou a idéia e, ato continuo, John Mauchly (1907-1980) e J. Presper Eckert (1919-1995), dois pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, puseram mãos a obra. Três anos depois, em 13 de fevereiro de 1946, o mundo era apresentado ao Eniac (de Electronic Numerical Integrator Analyzer and Computer) cujo desenvolvimento custará a mirabolante quantia de US$ 450 mil—em dinheiro de hoje, uns US$ 300 milhões.

A primeira providência da grande máquina, ao ser ligada, foi derrubar a rede de energia da Filadélfia, num apagón verdadeiramente histórico. Pudera não: ela consumia 160 quilowatts, o bastante para iluminar uma pequena cidade. Tudo, alias, era superlativo em relação ao Eniac—exceto a funcionalidade. Com 1.500 reles, 18 mil válvulas e umas 70 mil resistências, ele passava mais tempo parado para troca de peças do que calculando.

A guerra, como sabemos, terminou alguns meses depois dessa estreia a media luz. O Eniac não chegou a prestar serviço bélico mas, ainda assim, foi considerado um grande sucesso, pois conseguia fazer cinco mil somas e 3,5 mil multiplicações por segundo. Ninguém, no Exército, chegava perto disso. Foi aposentado com honras em 1952 quando, tendo queimado mais de 20 mil válvulas ao longo de sua vida (quase) útil, foi transferido para o Museu do Computador, em Boston.

Mais tarde, visitando este museu para as comemorações de 40 anos do Eniac, J. Presper Eckert observou que os aniversários da maquina e das Nações Unidas coincidiam.

—Só tem um porém—disse ele.—Acho que nós fizemos muito mais do que a ONU...

Em 1951, Eckert e Mauchly já estavam em outra, e lançavam o Univac (Universal Automatic Computer). Capaz de ler 7.200 caracteres por segundo, aceitando letras e números com igual facilidade e trabalhando com mídia magnética em vez de cartões perfurados, o Univac era infinitamente superior ao Eniac, sobretudo pelo detalhe representado pela primeira palavra de sua sigla: universal. Enquanto as instruções do Eniac faziam parte da máquina, que precisava ser reprogramada a cada nova operação, o Univac foi o primeiro computador do mundo a aceitar diferentes instruções, de acordo com a tarefa desejada.

Este conceito—que pode ser resumido, de forma um tanto simplista, à hoje óbvia constatação de que hardware é hardware, e software é software—foi idéia do matemático húngaro J. von Neumann (1903-1957), que juntara-se a equipe do Eniac ainda em 1944, mas ficara desapontado com seus resultados. Em 1945, von Neumann desenvolveu o Edvac (Electronic Discrete Variable Automatic Computer), cuja memória podia guardar tanto dados quanto programas, e cujo trabalho podia ser interrompido a qualquer momento para ser retomado depois. Mas esta era uma maquina pequena, que só entrou para a História (e, ainda assim, como notinha de pé de página) por ter sido um protótipo para a arquitetura que, mais tarde, foi adotada no Univac e em todas as gerações subsequentes de computadores.

Na época do nascimento do Eniac e, naturalmente, nos anos posteriores ao seu lançamento, vários outros computadores mais ou menos obscuros foram criados. Na Inglaterra, por exemplo, funcionava, desde 1943, uma máquina secreta chamada Colossus, feita para decifrar os códigos das mensagens alemãs.

Um dos principais envolvidos no seu projeto foi o matemático Alan Turing (1912-1954), que mais tarde esteve nos EUA dando uma mãozinha a turma da Pensilvânia. É difícil calcular o impacto que o Colossus poderia ter tido no desenvolvimento da computação, já que o Governo inglês só revelou sua existência em 1976. Aquela altura, Turing já estava morto há tempos: acusado de homossexualismo, preferiu matar-se a enfrentar o processo.

Ainda na Inglaterra, em circunstancias menos dramáticas mas não menos pitorescas, um time de cientistas da Universidade de Cambridge desenvolveu, em 1951, o primeiro computador de uso comercial do mundo. O Leo (Lyons Electronic Office), assim chamado em homenagem à J. Lyons & Co., empresa que o encomendou, era, essencialmente, um burocrata eletrônico. Mas o que comercializava essa casa britânica de tão extraordinária visão? Não adivinharam? Chá, é lógico!

Nenhuma dessas máquinas nasceu, ça va sans dire, de geração espontânea. Há pelo menos 300 anos—ou cinco mil, se considerarmos o ábaco uma espécie de computador—a Humanidade brincava com a idéia de criar uma máquina que resolvesse a sua vida matemática. O francês Blaise Pascal, cujo pai tinha a ingrata profissão de arrecadar impostos, inventou, em 1642, uma maquineta para ajudá-lo nas contas. Em 1970, Pascal virou linguagem de programação, numa poética homenagem do suíço Niklaus Wirth, que deu seu nome a excelente linguagem de quarta geração que desenvolveu.

Em 1694, Leibniz, matemático e filósofo alemão, fez o primeiro Upgrade na máquina de Pascal, permitindo-lhe, além de somar, também multiplicar. Em 1820, a bola voltou para a França, onde Charles Colmar inventou, finalmente!, uma máquina capaz de executar as quatro operações. Junto com Pascal e Leibniz, ele e considerado um dos pais da computação mecânica. Mas a computação automática, tal como a conhecemos, começou para valer na Inglaterra, quando Charles Babbage, no auge da irritação com a quantidade de erros de cálculo da Real Sociedade de Astronomia, pronunciou uma frase histórica:

—Meu Deus, quem dera que esses cálculos tivessem sido feitos a vapor!

Dai para a criação do seu Analytical engine foi um pulo—de 20 anos. Mais uma vez a computação inglesa provava a sua indiscutível superioridade sobre a americana no quesito elenco: a assistente de Babbage, Augusta Ada King, condessa de Lovelace, era filha de Byron, o poeta. Lady Lovelace era também a única pessoa que entendia a engenhoca, sendo capaz de Ihe dar instruções. Foi, portanto, a primeira programadora da História, e teve destino semelhante ao de Pascal. Em 1980 o Departamento de Defesa dos EUA deu seu nome, Ada, a uma linguagem de programação.

Mas, ao contrario de Pascal, a linguagem, que é elegante e altamente respeitada nos círculos da Alta Micraria, Ada e exatamente o que se poderia esperar de uma linguagem desenvolvida por um grupo de trabalho (e, ainda por cima, por decreto: seu uso é obrigatório nos projetos de software do Pentágono). É pesada, difícil de usar e, segundo hackers de verdade, hilariante em relação a segurança.

As origens bélicas e misteriosas dos primeiros computadores da era moderna foram responsáveis pela imagem sinistra e ameaçadora que eles projetaram por tanto tempo. Não faltaram profetas do apocalipse para prever que o mundo seria em breve dominado pelos cérebros eletrônicos e pela inteligência artificial. E, cá entre nós, cada vez mais me pergunto se eles não estariam certos—embora não no mesmo sentido.

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Suor, agora sem sangue e lágrimas

Para muita gente, foi um pedido de desculpas de todo um pais a seu maior estadista. Em 26 de outubro de 1951, aos 77 anos, Winston Churchill tornou-se pela segunda vez primeiro ministro da Grã-Bretanha, seis anos depois de sua surpreendente derrota nas urnas para os trabalhistas, quando acabara de liderar o pais rumo a vitória na Segunda Guerra Mundial. A derrota do Parti do Conservador em 1945 fora interpretada como um sinal claro de que Churchill era visto pela população como o líder ideal em situações de emergência, mas não em tempos de paz, especialmente quando se tratava de reerguer uma economia profundamente debilitada pelo esforço de guerra.

O fator decisivo para a derrota dos trabalhistas em 1951 foi o colapso do Partido Liberal, que perdeu dois milhões de votos em relação as eleições anteriores. Os eleitores liberais, como se viu, migraram em bloco para o Partido Conservador, de Churchill, que acabou obtendo uma vitória apertada.

A segunda administração de Churchill foi marcada por seu estilo particular de dar preferência a assuntos de política externa e de defesa sobre as questões internas do pais. Poucos meses depois de assumir, anunciou para o mundo que a Grã-Bretanha estava prestes a ter sua bomba atômica. Foi também um defensor da união européia e um estimulador do estreitamento de laços entre os países da Comunidade Britânica e os Estados Unidos.

O segundo período como primeiro-ministro foi de altos e baixos para esse ex-jornalista— autor de um único romance na juventude, "Savrola", sobre o qual não gostava de falar— que conseguira a proeza de ser responsável pelo maior fiasco militar da Primeira Guerra, caindo na armadilha dos turcos em Dardanelos, e também pela resistência heróica que ofereceu aos alemães na Segunda Guerra, quando tudo parecia perdido, no inicio dos anos 40.

Menos de dois anos depois de assumir, em junho de 1953, um grave derrame quase o matou. Em dezembro do mesmo ano, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura por seus vastos trabalhos de história do século XX, principalmente "A crise mundial" e "Memórias da Segunda Guerra Mundial", ambos em vários volumes. A Academia Sueca o saudou como "um César que esgrime o estilo de um Cícero".

Sir Winston Leonard Spencer Churchill, filho de um lorde inglês e uma americana, não concluiu seu segundo mandato. Com a saúde debilitada, abdicou do cargo em 1955 em favor do então ministro das Relações Exteriores, Anthony Eden. Ainda teria, porém, mais dez anos de vida e continuou escrevendo. Morreu em 24 de janeiro de 1965, aos 90 anos.

Liddell Hart, um dos biógrafos de Churchill, afirmou que se, no inicio dos anos 40, o país fosse governado por alguém em seu juízo perfeito, estaria perdido. Fatalmente, segundo ele, tal pessoa se renderia a evidencia de que nada poderia deter o avanço alemão. Mas aos 65 anos, aquele homem gordo, com cara de buldogue, gago, estressado, bom bebedor e fumante compulsivo de charutos, não podia ser considerado um homem em seu juízo perfeito. Com uma coragem lendária e discursos que entraram para a História, Churchill comandou com sucesso uma resistência que se julgava impossível, passando por cima de seu feroz anticomunismo para aliar-se a União Soviética contra o inimigo comum.

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Herói de guerra veste o pijama

Herói de duas guerras mundiais, o general americano Douglas MacArthur participava ativamente de seu terceiro conflito quando foi afastado do Exército pelo presidente Harry Truman. Comandando as forcas das Nações Unidas na Guerra da Coréia, MacArthur queria bombardear a região chinesa da Manchúria, de onde partia efetivo apoio para o inimigo, o Exército norte coreano. Apesar da imensa popularidade do general, que liderou a reconquista do Pacífico aos japoneses na Segunda Grande Guerra, Truman assinou a decisão no dia 11 de abril de 1951 e ordenou que MacArthur retornasse imediatamente aos Estados Unidos. O medo de uma guerra nuclear falou mais alto: os soviéticos, aliados da China. tinham explodido sua primeira bomba atômica dois anos antes.

Mesmo considerado arrogante e egoísta o gênio militar de MacArthur era reconhecido até pelos inimigos. O ex-aluno brilhante da Academia de West Point, ferido duas vezes na Primeira Guerra Mundial, perdeu menos de 30 mil soldados na reconquista do Pacifico. "Eu não farei com sacrifício o que posso conseguir pela estratégia", afirmou. E foi com a pura estratégia militar que ele conseguiu inverter a situação na Guerra da Coréia. Após conter o avanço do inimigo em direção a Pusan, comandou um arriscado desembarque anfíbio por trás da defesa do Exército norte coreano, que foi obrigado a recuar ate a fronteira com a Manchúria. O Exército chinês interveio e obrigou os soldados de MacArthur a recuarem até o paralelo 38, ou seja, a fronteira entre as duas Coréias. O general americano contra-atacou e a situação chegou ao impasse político que conduziria a seu afastamento.

O Partido Republicano, que tentou lançar MacArthur candidato a presidência por três vezes, era favorável ao bombardeio. Mas Truman afirmou que o papel americano no Pacifico era de prevenção, não de extensão de um conflito. Ate o fim da guerra, em 1953, as forcas das Nações Unidas, que acabaram não atacando a China, foram comandadas pelo moderado general Matthew B. Ridgeway.

Ao retornar aos Estados Unidos, de onde saíra dez anos antes, o "César do Pacifico", como Douglas MacArthur ficou conhecido, foi aclamado pelo povo e depôs numa sessão do Congresso seu polêmico comportamento a frente do Exército pode ser explicado por uma frase que disse a um oficial quando ainda era cadete: "O que faz você famoso são as ordens que você desobedece."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Átomos exibem seu lado pacífico

Em 1951, seis anos após a destruição de Hiroshima e Nagasaki por bombas atômicas, cientistas americanos conseguiram usar pela primeira vez a energia nuclear para a geração de eletricidade. Em Arco, no estado de Idaho, foi construída uma usina elétrica pelos Laboratórios Argonne, sob supervisão da Comissão de Energia Atômica, com um reator experimental que daria o modelo para todas as futuras usinas nucleares: o calor do núcleo fervia água para produzir vapor, que movia uma turbina. O reator gerava eletricidade suficiente apenas para alimentar o sistema de iluminação do complexo.

Apesar dessa baixa potência, o reator produzia combustível adicional resolvendo assim o problema até então existente de escassez de material físsil para os reatores. O urânio 235 e um subproduto de sua fissão, o plutônio 239, eram raros. O reator de Arco foi o primeiro a produzir mais plutônio do que o urânio que queimava. Em 1954, a União Soviética construiu a primeira usina civil de geração de eletricidade, uma pequena instalação de 5 megawatts. Em 195fi, a Grã-Bretanha desenvolveu um reator de 40 megawatts. Dai disseminou-se aos poucos pelo mundo o uso da tecnologia atômica em usinas elétricas.

A nova tecnologia transformou em realidade o sonho de se obter energia abundante e barata sem depender dos combustíveis fósseis—finitos, como se sabe. O abastecimento mundial de eletricidade por usinas nucleares iria defrontar-se, no entanto, com uma serie de problemas que impediriam a concretização do plano. De construção e manutenção muito caras, as usinas também apresentam sérios perigos para o meio ambiente, com a permanente ameaça de vazamentos radioativos e a possibilidade de desastres causados pelos rejeitos tóxicos, cujo armazenamento chegou ao fim do século como uma questão não solucionada, desafiando os cientistas.

Uma onda antinuclear desencadearia movimentos de protesto em diversos países contra a instalação de novas usinas e pela desativação das existentes. Embora a energia liberada por uma reação atômica controlada—equivalente a potência das pequenas bombas produzidas nos anos 40—seja suficiente para abastecer de eletricidade por um mês comunidades de dezenas de milhares de habitantes, os imensos riscos ambientais colocam em xeque as usinas nucleares.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Espiões ladinos ou bodes expiatórios?

Parecia ter chegado ao fim, em 199fi uma das maiores polêmicas do pós-guerra: Julius e Ethel Rosenberg, de Nova York, únicos cidadãos americanos condenados a morte por conspiração, executados na cadeira elétrica em 1953, trabalharam mesmo para a URSS. A revelação foi feita pelo general da reserva da KGB (o serviço secreto soviético) Mikhail Dokutchaiev. Segundo ele, o casal passou "material sobre aspectos essenciais das pesquisas nucleares" americanas. Em 1997, porém, outro agente reformado da KGB, o coronel Alexander Feklisov, afirmou ter sido o principal contato com Julius e ter recebido dele importantes segredos militares—poucos, porém, relacionados a bomba. Quanto a Ethel, Feklisov disse: "Ela era completamente inocente."

Se uma parte das duvidas foi esclarecida, resta muito por explicar. A história começou do outro do lado do Atlântico, em Londres, em fevereiro de 1950, quando foi preso o físico Klaus Fuchs, alemão naturalizado inglês que participou da construção da bomba americana. Espião confesso, Fuchs foi condenado a 14 anos de prisão. Preso, seu contato nos EUA, Harry Gold, acusou David Greenglass, ex-sargento que trabalhara como motorista no campo de provas de Los Alamos. Greenglass, um estelionatário, era irmão de Ethel—e denunciou a irmã e o cunhado em troca de uma redução de sua pena para 15 anos de prisão.

O clima era de caça as bruxas. Em 1949, a URSS tinha explodido sua primeira bomba e a China se tornara comunista. Um ano depois, começava a Guerra da Coréia e o machartismo se espalhava pelos EUA. Julius e Ethel, judeus pacatos, pais de dois meninos e abertamente comunistas, sempre alegaram inocência no julgamento, iniciado em 1951. Algumas das "provas" contra eles foram desenhos feitos por Greenglass, que seriam copias de planos secretos. Os desenhos não foram vistos pelos jurados—o juiz alegou razoes de segurança nacional—mas provocaram risadas nos principais cientistas do projeto atômico americano, entre eles Openheimer. O físico argumentou que não havia segredo na bomba A, bastando que um pais dispusesse de recursos financeiros e de cientistas capazes.

Para que não pairassem suspeitas de anti-semitismo, escolheu-se um juiz judeu, Irving Kaufman, que, na sentença, qualificou o crime como "pior do que assassinato". A execução foi marcada para 19 de junho de 1953. Ate o fim manteve-se um telefone por perto, caso os Rosenberg quisessem acusar alguém em troca da comutação da pena. Ele nunca foi usado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Qual e o valor de milhões de vidas?

Pode-se imaginar uma indenização adequada para um conjunto de crimes como o do Holocausto, que ceifou seis milhões de vidas? Existe perdão para o nazismo? Essas complicadas questões vieram a tona quando se revelou que, no final de 1951, Israel e Alemanha Ocidental haviam começado a entabular negociações—que a eram para ser secretas—em torno desses tópicos. O objetivo: arbitrar uma reparação em dinheiro pelo massacre de judeus na Segunda Guerra Mundial.

Os dois lados tinham interesse num acordo. Israel existia há três anos e, envolvido em conflitos com seus vizinhos árabes e recebendo refugiados aos magotes, precisava desesperadamente de recursos financeiros. Já a Alemanha Ocidental, velha de apenas dois anos, queria a todo custo se livrar, aos olhos do mundo, do estigma de pais de monstros.

As negociações oficiais começaram em marco de 1952 na cidade holandesa de Wassenaar (a Alemanha Oriental não participou delas, negando qualquer responsabilidade pelos crimes nazistas). De todos os lados, a direita e a esquerda, levantaram-se vozes para condenar a insólita aproximação. Enquanto os conservadores alemães preferiam dar apoio aos árabes, os esquerdistas acusavam Israel de ser um Estado-títere dos americanos. Importantes lideres judeus também se revoltaram, dizendo que os alemães não poderiam comprar seu perdão por quantia nenhuma.

Israel, sob a liderança do presidente Chaim Weizman, não falou em perdão mas estipulou uma indenização: US$ 1 bilhão, mais US$ 500 milhões para organizações judaicas de suporte as vitimas do Holocausto em outros países. Depois da aprovação do chanceler alemão Konrad Adenauer e do chefe do governo israelense David Ben Gurion, o acordo foi assinado em setembro de 1952, e Israel acabou levando US$ 820 milhões, em dinheiro vivo e mercadorias, com o pagamento parcelado estendendo se ate 1965. As organizações coube uma quantia mais modesta: US$ 107 milhões.

Quando a ultima parcela da indenização foi paga, em 1965, outro passo importante acabara de ser dado: em março daquele ano, Israel e Alemanha Ocidental estabeleceram relações diplomáticas integrais. Mais uma vez houve protestos. Num discurso emocionado no parlamento, Menahem Begin futuro primeiro-ministro de Israel, pediu a seus colegas que não aprovassem a aproximação com a Alemanha, pediu que eles não fossem "amigáveis com a geração alemã da destruição". Begin perdeu —o que, naturalmente, não significava que as feridas da Segunda Guerra estivessem cicatrizadas. Até o fim do século, o debate sobre a responsabilidade do povo alemão nas atrocidades cometidas por seus lideres continua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Espanto no Brasil: racistas, nós?

Em julho de 1951, o Congresso brasileiro aprovou a Lei 1.390, que transformava em contravenção penal qualquer pratica resultante de preconceito de raça ou cor. Batizada de Lei Afonso Arinos em homenagem a seu autor, vice-líder da bancada da conservadora União Democrática Nacional (UDN) na Câmara, foi ela, mais do que qualquer outro ato de sua longa trajetória política, que tornou nacionalmente famoso o nome do escritor Afonso Arinos de Melo Franco. Sua eficácia, porém, permanece sob questão: quando o autor morreu, em 1990, aos 85 anos, não havia registro de uma única prisão feita com base na lei, que previa penas de até um ano de reclusão a quem impedisse o acesso de negros a restaurantes, hotéis e lojas, Forcas Armadas, escolas e empregos em geral.

A tarefa não era mesmo fácil. Quando um anuncio de emprego exige boa aparência, sabe-se que isso quer dizer pele ciara, mas o candidato preterido não tem como provar a discriminação. Um mérito, porem, ninguém tira da Lei Afonso Arinos: com a ampla divulgação que recebeu, ela ajudou a solapar o famoso mito da "democracia racial brasileira", segundo o qual o pais—diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo—desconhece o racismo. É, naturalmente, uma mentira. Sabe-se que em nenhum outro lugar do mundo os edifícios residenciais tem elevador de serviço, por exemplo.

Curiosamente, a inspiração para a lei do racismo foi fornecida a Afonso Arinos pela discriminação sofrida em 1950, no Rio de Janeiro, por uma negra americana. A bailarina Katherine Dunham, em excursão, foi impedida de se hospedar no Hotel Serrador. A imprensa brasileira não deu importância ao caso, mas a repercussão no exterior foi muito negativa. Dunham era famosa na época. Não deixa de ser sintomático que o velado racismo brasileiro tenha precisado fazer uma vítima estrangeira e rica para que fosse traduzida em medida legal a diretriz meramente ética da Constituição que fala em igualdade de direitos.

Só em 1988 a criação de Afonso Arinos seria substituída por um texto mais duro, de autoria do deputado negro Carlos Albertos Oliveira, o Caó (PDT-RJ). A Lei 7.716 transformou em crime o que era apenas contravenção penal, ampliando as penas para até cinco anos de prisão. No entanto, manteve, em linhas gerais, os mesmos tipos de crime previstos por Afonso Arinos. Quando a nova lei completou dez anos, mantinha-se a tradição de baixo grau de eficácia: contavam-se as condenações nos dedos de uma mão. "Seria ingenuidade imaginar que no Brasil, onde vigorou a escravidão por três séculos, não haveria resistência a uma lei dessa natureza", disse Caó na ocasião. Em 1997, foi a vez de o deputado Paulo Paim (PT-RS), também negro, ampliar o alcance da lei anti-racismo, incluindo entre as práticas passíveis de punição o xingamento e a ofensa baseados em origem e cor de pele.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Salinger inventa a adolescência

Holden Caulfield, o adolescente que e narrador e personagem principal de "O apanhador no campo de centeio", diz a certa altura que queria ser surdo-mudo, pois "desse modo não precisava ter nenhuma conversa imbecil e inútil com ninguém". De certa forma, o autor da história, que se tornou um clássico desde seu lançamento, em 1951, tomou para si o desejo do personagem. Em 1953, Jerome David Salinger renunciou as glórias literárias e a vida agitada em Nova York para se recolher a uma casa no topo de uma isolada montanha em Cornish, no estado americano de New Hampshire. Por algum tempo continuou escrevendo, mas, desde o inicio dos anos 60, nem isso. Até a publicação de suas cartas por um biógrafo ele conseguiu sustar na justiça. Os que insistem em procura-lo encontram uma muralha de pedra e a ma vontade dos vizinhos. É claro que, diante disso, a lenda de J.D. Salinger só fez crescer.

Holden Caulfield se tornou ídolo da geração de jovens rebeldes da era pré-rock'n'roll. Conta-se, inclusive, que o jovem Robert Zimmerman, futuro Bob Dylan, fugiu de casa meia dúzia de vezes inspirado nele. Como disse um dos críticos conservadores que tentaram destruir "O apanhador no campo de centeio" logo na época de seu lançamento, "um livro assim pode multiplicar esse tipo (de comportamento)". Holden não chega a ser exatamente um delinqüente juvenil, mas passa raspando.

Expulso da escola por mau comportamento e indeciso entre a volta para casa e o desejo de aventura, resolve passar dois dias em Nova York. Introspectivo, imaturo para o sexo, aceita timidamente a dura realidade da cidade desconhecida, com seus rufiões e prostitutas. Vê o irmão, um escritor de Hollywood, como ídolo. Tem no monólogo e nos diálogos vazios e inconseqüentes o reflexo de seu desequilíbrio emocional, entre a perda da inocência e a vontade de desafiar as certezas do mundo dos adultos, "todos um bando de enganadores desgraçados".

O retrato que Salinger pinta da adolescência e vivo, cruel, enternecedor, desconcertante, poético—tudo ao mesmo tempo. Ninguém diria que, ao escrever o livro, ele estava bem longe de ser um teenager voluntarioso e ingênuo: aos 32 anos, já tinha participado como soldado do desembarque das tropas aliadas na Normandia, no Dia D, e acumulara uma razoável experiência como colaborador da revista "New Yorker". Mas foi como se estivesse estreando ali: o livro vendeu 15 milhões de exemplares em apenas dois anos e tornou Salinger uma estrela.

Antes de se recolher ao mutismo, J.D. Salinger publicou mais três títulos apenas. Uma coletânea de contos chamada "Nove histórias" e duas duplas de novelas—"Franny e Zooey" e "Para cima com a viga, mocada & Seymour, uma introdução"—completaram, em 1963, sua obra autorizada. O século termina com os fãs na expectativa da concretização de um velho boato: Salinger afinal estaria para lançar um novo livro. O titulo seria, inclusive, "Hapworth 16, 1924". Quem sabe?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Irã lança desafio ao Ocidente

A primeira grande crise do petróleo, em 1951, foi protagonizada pela nacionalização da Companhia Petrolífera Anglo-lraniana (Anglo-lranian Oil Co.) pelo primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh ("o julgado e considerado digno", em persa), um nacionalista de oratória brilhante. A disputa pelas reservas de petróleo na antiga Pérsia datava de um acordo de concessão estabelecido em 1901 entre o governo local e o inglês William Knox D'Arcy. Com a descoberta de petróleo no Sudoeste do país, a exploração foi intensificada sob a direção da Companhia Petrolífera Anglo-Persa, constituída em 1909.

Em 1914 a Grã-Bretanha aumentou seus investimentos na região, tendo 51% das ações e uma série de regalias legais. Em 1932, o xá Reza Pahlevi anulou os privilégios, exigindo maior participação nos lucros. As negociações foram infrutíferas e Pahlevi cancelou a concessão, restabelecendo-a em 1933, sob novos termos, mais vantajosos para o Irã—nome que o país adotou a partir de 1934.

Com a Segunda Guerra, e sob a concordância dos Estados Unidos, o Irã, que permanecera neutro, foi invadido por Grã-Bretanha e União Soviética. O ataque, que provocou a renuncia do xá e sua substituição por seu filho, Mohammed Reza Pahlevi, despertou uma reação da população contra a hegemonia britânica, desembocando na ascensão no Majlis (Parlamento) do latifundiário Mohammed Mossadegh.

Com o fim da guerra, o Irã foi cortejado com propostas de novas parcerias por Estados Unidos, Holanda e União Soviética. O Governo britânico retomou as conversações e propôs uma divisão meio a meio dos lucros. O então primeiro-ministro, general Ali Razmara, aceitou a proposta, mas não chegou a anunciar o pacto—foi assassinado antes. Pressionado, o xá nomeou o nacionalista Mohammed Mossadegh, ao mesmo tempo que o Majlis nacionalizava a industria petrolífera, em maio de 1951, contra os interesses estrangeiros.

Mossadegh tinha apoio popular e político, inclusive do Tudeh, o partido de esquerda, mas enfrentou um violento boicote internacional: sem comprador para o seu petróleo e com a economia abalada, foi destituído por um golpe articulado entre a CIA e inimigos internos. Em 1953, o xá Reza Pahlevi nomeou o general Zahedi para o lugar de Mossadegh, que se recusou a deixar o poder. Os conflitos internos se sucederam, com parte do Exército a favor de Mossadegh. O xá refugiou-se em Roma. Em agosto, Mossadegh capitulou sob pressão dos oficiais que apoiavam Zahedi. Condenado, ficou preso por três anos e viveu no ostracismo ate morrer, em 1967. De volta ao Irã, o xá restabeleceu os acordos com as potências estrangeiras, incluindo então um novo parceiro: os Estados Unidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1951

Todo mundo tenta, mas só ele é penta

Em junho de 1991, Ayrton Senna, Emerson Fittipaldi, Alain Prost e Stirling Moss, nomes lendários do automobilismo, foram convidados para uma festa em Buenos Aires. O motivo era a comemoração dos 80 anos de uma lenda ainda maior do que eles, o argentino Juan Manuel Fangio (1911-1995), único piloto cinco vezes campeão do mundo: 1951, 1954, 1955, 1956 e 1957. Fangio e considerado por unanimidade o maior piloto de todos os tempos.

A perspectiva histórica ajuda a apreciar a grandeza do argentino. E verdade que o Campeonato Mundial de Fórmula 1—que começara a ser disputado em 1950, quando foi vencido pelo italiano Giuseppe Farina—tinha apenas sete provas por temporada. Além disso as "baratinhas" da época eram, comparadas aos monopostos do fim do século, pouco mais do que calhambeques. Mas o currículo de Fangio é inquestionável: largou na primeira fila em 94% das provas; conquistou a pole position em 55%; venceu 47% dos GPs que disputou: foi vice-campeão em 1950 e 53 (em 1952 não correu). Foi vencedor em diversas equipes: Alfa Romeo, Maserati, Ferrari e Mercedes. Ah, sim: quando foi campeão pela primeira vez já estava com 39 anos.

Não era à toa que Fangio tinha imensa admiração por Ayrton Senna, dono de um estilo ultra-agressivo semelhante ao seu e que considerava o único capaz de bater seu recorde de cinco títulos. Quando Senna morreu, em 1994, tinha três títulos. Esconderam a noticia do adoentado Fangio: o médico recomendou a família que o preservasse do choque. Ele tinha cinco pontes de sanefa, mas brincava: "Só troquei as válvulas, o motor esta bom".

Natural de Balcarce, Fangio queria mesmo era jogar futebol. Aos 23 anos, porém, começou a disputar corridas de automóveis e, aos 29, venceu a primeira: o rali Buenos Aires-Lima-Buenos Aires. Aos estrear na F-1, já sabia tudo. Em Nurburgring, na Alemanha, descobriu como fazer, sem perder velocidade, uma curva que começava em subida e terminava em descida. No local, havia três ciprestes: o segredo—revelou ele —era começar a curva apontando para o primeiro, virar diante do segundo e terminar usando o terceiro como referencia. Foi preciso cortar as arvores, pois outros pilotos tentaram imitá-lo e se envolveram em acidentes. Sua receita para vencer era simples: "A melhor maneira é ficar em primeiro o mais devagar possível."

Em 1958, já consagrado, estava em Havana quando foi seqüestrado por guerrilheiros que queriam atenção para a revolução cubana. Ficou em cativeiro 26 horas, o suficiente para se tornar amigo de seus captores. Quando foi libertado, levava um bilhete em que os lideres revolucionários pediam desculpas a ele e a todo o povo argentino.

Fangio era modesto. "Fui um simples corredor de automóveis, nada fiz pela Humanidade", disse certa vez. Mantinha uma tartaruga de ferro sobre a mesa de seu quarto e explicava: "Eu gosto das tartarugas porque elas sempre chegam. E, bem, porque vivem muitos anos". Depois de viver 84 anos, Juan Manuel Fangio sucumbiu a uma pneumonia e a insuficiência renal que o afligia há anos.

Fonte: O Globo - Texto integral