Em 1953 as principais manchetes foram estas:

O que fazer enquanto Godot não chega?

Apaga-se o 'sol brilhante' da URSS

Civis escaparam por um triz

Um moderno conto de fadas

Tragédia de quatro milhões de mortos

O teto do mundo fica mais baixo
Dupla hélice faz a vida levantar vôo

O gênio que viu a coisa e o contrário

As muitas cores da literatura negra
Os transviados chegam de moto

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1953

O que fazer enquanto Godot não chega?

Ao contrário de seu mestre James Joyce, de quem foi uma espécie de secretario particular na Paris dos anos 20, o irlandês Samuel Beckett não era um arquiteto da língua inglesa. Na verdade, desafeto das firulas, preferia escrever em francês para não sucumbir as tentações estilísticas da língua-mãe. Também não se preocupava em azeitar inicio, meio e fim de suas pecas como uma sucessão de acontecimentos lógicos destina dos ao suspense ou a emoção, muito menos era um mestre de um gênero especifico como a comedia ou o drama. Beckett, na verdade, se tornou um dos maiores dramaturgos de todos os tempos porque ninguém, neste século, soube tão bem quanto ele abordar no teatro um tema básico, mas não exatamente simples: o desconforto do homem diante da própria existência.

E o olhar de Beckett sobre esse tema—que Ihe valeu em 1969 o Nobel de Literatura, prêmio que recusou e cujo dinheiro destinou a indigentes—impressionou uma platéia pela primeira vez em 5 de janeiro de 1953, no alter nativo Theatre de Babylone, em Paris. Os espectadores de "Esperando Godot" saíram do teatro naquela noite fria certos de que tinham visto algo diferente. E bom. Muito diferente e muito bom.

Beckett já havia escrito romances e ensaios quando, entre outubro de 1948 e janeiro de 1949, estreou como dramaturgo criando em francês "En attendant Godot". A peca foi publicada em 1952 e encenada no ano seguinte, mas essas datas talvez importem pouco, já que Beckett não estava procurando retratar uma época ou um grupo social, mas o grupo a que todos estamos condenados a viver pelo infinito que durarmos: a Humanidade.

"Neste tempo, neste lugar, toda a Humanidade se resume a nós dois, quer isso nos agrade ou não. Aproveitemos isso, antes que seja tarde. Representemos, dignamente, uma vez que seja, a raça a qual um destino injusto nos confiou", diz Vladimir ao companheiro Estragon num dos momentos mais brilhantes de 'Esperando Godot".

E verdade que Beckett escreveu a peça pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, diante de um mundo aliviado pela derrota do nazismo, mas preso as poucas opções de uma Guerra Fria e ainda chorando os seus milhões de mortos. Mas o que os dois vagabundos que protagonizam "Godot" esperam não e uma saída para essa encruzilhada histórica. Vladimir e Estragon aguardam uma saída para o fato de estarem vivos. Beckett admitia que "uma solução podia ser a morte", mas, quando os dois personagens tentam cometer suicídio, a corda em que deveriam se pendurar arrebenta pateticamente.

Beckett insistia em dizer que a peca não era sobre o desespero, mas sobre a esperança, já que Vladimir e Estragon estão esperando algo. esse alguém que sempre vira amanha—mas nunca vem—chamado Godot. A presença de God ("Deus" em inglês) no nome sugere uma associação natural entre Godot e uma forca divina, mas Beckett despachava os que buscavam um significado com uma frase curta: "Se eu soubesse o que era teria dito na peca." Quando ha evocações cristas na peca, elas surgem ate para fazer rir, como no momento em que Vladimir diz a Estragon que ele não pode andar descalço se esta sentindo dores no pe. "Cristo andou", responde Estragon. "Mas la era quentinho e seco", insiste Vladimir. "E eles crucificavam depressa", encerra a partida Estragon.

Apesar da famosa frase inicial ("Nada a fazer") e de outra sentença pouco alegre de Estragon ("Nada acontece, ninguém vem, ninguém vai, e terrível!"), "Esperando Godot" e uma peca repleta de jogos, dos quais os dois personagens se valem para passar o tempo debaixo daquela seca arvore de lugar nenhum. Cenas cômicas, farsescas e de vaudeville se juntam a alguns momentos dramáticos e ate melodramáticos na construção desse enredo da expectativa. As cruéis cenas de dependência reciproca entre os outros dois personagens, Pozzo e Lucky, também servem para Estragon e Vladimir driblarem o tédio e a angústia da espera.

Beckett admitia nunca ter se sentido muito confortável depois de deixar o útero materno em 13 de abril de 1906, em Foxrock. subúrbio de Dublin, fruto de uma família protestante. Isto fica claro em duas belas falas de "Godot": "As mulheres dão a luz deitadas sobre túmulos" e "Do fundo da cova, indolentemente, o coveiro aplica seu fórceps". Mas classificar Beckett como um autor niilista ou pessimista por causa disso e reduzi-lo a uma família de adjetivos que não dão conta dos temas sobre os quais escrevia.

Em primeiro lugar, porque Beckett não acreditava em padres: "Os valores morais não são acessíveis. E não podemos defini-los. Seria necessário definir um juízo de valor. o que e impossível." Consequentemente, Beckett não gostava que o classificassem como um autor de teatro de absurdo: "A negação não é possível. Tampouco a afirmação. E absurdo dizer que algo e absurdo".

Quando "Godot" estreou, três das mais famosas pecas do romeno radicado na Franca Eugene Ionesco ("A cantora careca". de 1950: "A lição", de 1951; e "As cadeiras", de 1952), pai do chamado teatro do absurdo, já tinham sido encenadas, provocando suas merecidas doses de espanto e admiração. "Godot" não é uma continuação delas, porque não infiltra numa cena realista elementos e diálogos estranhos, mas, ao contrario, alinhava falas quase plausíveis numa cena quase implausível. Em vez da realidade que esta ali do lado de fora do teatro o foco do autor recai sobre a realidade que esta aqui, do lado de dentro do homem.

Depois de "Godot", Beckett foi radicalizando cada vez mais seu teatro, criando, por exemplo, em "Fim de jogo" (1957), um personagem paralítico e cego e outro impossibilitado de se sentar e indicando no monólogo "Não eu" (1972) que apenas a boca do ator fosse iluminada enquanto ele fala. Mas Beckett persistia acreditando na possibilidade de se falar sobre o mundo, mesmo que fosse para se certificar de que e totalmente impossível compreende-lo.

Afinal, a sua convicção de que era mais importante fazer perguntas do que obter respostas tinha raízes, entre tantos outros motivos, num capitulo de sua vida que poderia ter sido o ultimo: um dia, andando em Paris ele se recusou a dar dinheiro para um mendigo que o abordara. e este Ihe enfiou uma faca no peito. Beckett foi socorrido por uma transeunte Suzanne Deschevaux-Dumesnil. que viria a ser sua mulher ate a morte do escritor, aos 83 anos, em 22 de dezembro de 1989. Ao visitar na prisão o mendigo que o atacara, perguntou a ele por que fizera aquilo.

—Meu senhor, não tenho a menor idéia— respondeu a melhor encarnação do teatro de Beckett, um misto de Estragon e Vladimir que sabia a seu modo, ou ao modo do homem que quase matou, que o casamento plenamente feliz entre ação e razão só acontecera quando Godot chegar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

Apaga-se o 'sol brilhante' da URSS

Stálin conseguiu deixar sua marca num século que conta com assassinos do porte de Hitler e Pol Pot. Assim, quando ele morreu, em 5 de março de 1953, quatro dias depois de sofrer um derrame cerebral, muitos soviéticos festejaram a partida do responsável pela execução de 15 milhões de pessoas. Enquanto isso, outra boa parte lamentava a perda daquele que a propaganda oficial chamava de "sol brilhante", "sustentáculo de vida", "grande mestre e amigo", "guia genial e infalível" e, conforme ratificou certa vez um alto dignitário da igreja Ortodoxa Russa, "Nosso Pai".

Exageros a parte, parece que tudo de ruim que contam sobre o ditador soviético tem fundamento. O próprio Lenin, mentor da revolução e antecessor de Stálin no poder, não confiava muito nele, considerando-o "ambicioso e desleal". Mas não se pode omitir a credito de Josef Vissarionovich Dzhugashivili—o Stálin ("de aço", em russo) só foi incorporado em 1913—nascido na Geórgia em 21 de dezembro de 1879, o fato de ter industrializado a nação, chefiado as Forcas Armadas na Segunda Guerra e posto a URSS na Era Nuclear.

Dois meses antes de morrer, Stálin ordenou a prisão de nove médicos do Kremlin, a maioria judeus, sob a acusação de terem matado por envenenamento varias personalidades políticas e militares. A "Conspiração dos Médicos" deu a impressão de que o chefe preparava novo expurgo, com prisões, exílios, execuções. Por isso, não são raros os que acham que o derrame foi providencial demais.

Com Stálin morria a era da centralização, caracterizada pelo culto a sua personalidade. A primeira reação do Partido Comunista foi voltar as diretrizes traçadas por Lenin. Também começou uma guerra de foice e martelo pelo poder, que a principio ficou com uma troika, um triunvirato formado por Georgi Malenkov, presidente do Conselho de Ministros e herdeiro dileto de Stálin; Lavrenti Beria, poderoso chefe da policia secreta, e Vyacheslav Molotov, novamente ministro das Relações Exteriores. No entanto, o primeiro-secretário do Comitê Central do partido, Nikita Kruchov, corria por fora. Logo ele se aliaria a Malenkov para prender e executar Beria por cumplicidade com o terrorismo stalinista. Três anos depois, o próprio Stálin seria atacado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

Civis escaparam por um triz

Apenas um ano depois dos americanos, os soviéticos detonaram sua bomba de hidrogênio. A região escolhida foi a distante planície do Casaquistão, que, por incrível que pareça, esteve bem perto de não ser evacuada antes da explosão. "Os exercícios militares sempre causam vitimas", disse com singeleza o marechal Alexandre Sasilevsk, expressando a opinião dos militares soviéticos.

Por fim, prevaleceu o bom senso dos cientistas responsáveis pelo projeto e a bomba H soviética foi jogada de um avião sobre uma região inteiramente deserta. em agosto de 1953. Mais uma vez a corrida armamentista da Guerra Fria ficava em pé de igualdade. Concebida pelo físico Andrei Sakharov e apelidada de "bolo de camadas". devido a superposição de elementos leves e pesados em seu núcleo, a bomba H soviética teve uma concepção original diferente da americana—e, aparentemente, mais eficaz.

A famosa tese de que a bomba H soviética também teria se originado das informações do espião alemão Klaus Fuchs, que forneceu a Moscou dados sobre a bomba atômica americana, caiu por terra quando o professor irlandês David Holloway, após pesquisar os arquivos do projeto após a queda do regime soviético, em 1991, escreveu o livro "Stálin e a bomba". O argumento de Holloway apenas confirma a idéia, já defendida por muitos cientistas, de que a bomba soviética era bem diferente da americana, correspondendo ao trabalho de uma ciência física extremamente avançada, que tinha a frente, alem de Sakharov, Igor Kurchatov e luli Khariton. Sakharov acabaria se tornando um dissidente do regime por criticar o uso bélico do potencial nuclear —da mesma forma que havia feito o americano J.R. Oppenheimer, por isso também considerado subversivo.

O projeto nuclear soviético havia sido iniciado antes da Segunda Guerra Mundial, tinha sido lançado interrompido em 1941, com a invasão nazista, e retomado dois anos depois quando Stálin foi informado de que americanos e alemães estavam desenvolvendo uma arma inconcebivelmente destrutiva. Supervisionada pelo temido chefe da policia secreta de Stálin, Lavrenti Beria, a equipe trabalhou em centros de pesquisa isolados—o mais importante deles era o Arzamas-16, cerca de 400 quilômetros a Sudeste de Moscou.

Enquanto os cientistas, alem dos bons salários, gozavam de confortos como carro com motorista e acesso aos melhores hospitais e escolas para suas famílias, 90% dos 400 mil envolvidos no programa eram prisioneiros que trabalhavam como escravos, principalmente na escavação de minas de urânio. Algumas dezenas de milhares morreram em virtude da exposição a radiação. Quando se sabe que se cogitou de expor milhares de civis aos efeitos da primeira explosão, no Casaquistão, esse descaso nada tem de surpreendente.

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

Um moderno conto de fadas

Foi uma festa para 1.700 convidados, mas apareceram uns três mil. Na tarde de 12 de setembro de 1953, casaram-se na igreja de Saint Mary, em Newport, Rhode Island, um jovem político em ascensão e uma bela repórter fotográfica, ambos de famílias tradicionais do Leste americano. John Kennedy e Jacqueline Bouvier foram casados por um cardeal com a benção do Papa Pio Xll. O casal já fazia sucesso apesar de não se enquadrar no modelo wasp (white, anglo-saxon and protestant, branco, anglo-saxão e protestante) da classe dominante. Faltava-lhes o ultimo requisito.

John Fitzgerald Kennedy nasceu em berço de muitos milhões de dólares no dia 29 de maio de 1917, em Brookline, cidadezinha perto de Boston. Seu pai, Joseph, era importante empresário e financista e chegou a ser embaixador na Grã-Bretanha. O avo materno John Fitzgerald, foi prefeito de Boston; o paterno, Patrick Kennedy, era um dos caciques da política de Massachusetts. Estava pronto o cenário que garantiria o futuro aos filhos de Joseph e Rose. John, o segundo, se formou em Harvard com uma tese—"Por que a Inglaterra não viu?"—sobre o crescimento do fascismo na Europa. O tenente John F. Kennedy saiu da Guerra do Pacifico condecorado. Menos sorte teve o primogênito da família Joseph Jr., morto em combate.

Em 1946, John se elegeu deputado federal pelo Partido Democrata, com excelente votação em um dos distritos mais pobres de Boston. Era o deputado mais jovem de Washington. Um ano antes de casar-se, tornou-se senador por Massachusetts, vencendo o veterano e até então imbatível Henry Cabot Lodge.

Jacqueline Lee Bouvier também nasceu rica, em Long Island, Nova York em 28 de julho de 1929, numa família católica e republicana. Desfrutou enquanto pode a fortuna que o pai, o boêmio investidor John "Black Jack" Bouvier, viu minguar na Grande Depressão. Freqüentou os melhores colégios e falava com perfeição francês, italiano e espanhol. Como fotógrafa do "Washington Times Herald", conheceu Kennedy numa entrevista e apostou com amigos que o conquistaria. Começava ali um moderno conto de fadas que o mundo acompanharia ate o final infeliz, em 1963 quando Kennedy então presidente dos Estados Unidos, foi assassinado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

Tragédia de quatro milhões de mortos

A Guerra da Coréia, iniciada em 25 de junho de 1950, terminou em 27 de julho de 1953. Foram pouco mais de três anos de combates, envolvendo, de um lado, tropas norte coreanas e chinesas, e, do outro, forcas sul-coreanas e das Nações Unidas, principalmente dos Estados Unidos. O curioso e que o armistício de Panmunjom pôs fim a uma guerra que nunca foi oficialmente declarada, mas custou a vida de quatro milhões de pessoas e esquentou os ânimos em tempos de Guerra Fria.

As negociações de paz tinham começado em 1951. Em novembro daquele ano, as duas partes concordaram em estabelecer uma linha desmilitarizada. Os comunistas queriam que ela fosse demarcada pelo paralelo 38, a antiga fronteira entre as duas Coréias, estabelecida num acordo de 1943. A ONU, porem, insistia em que a linha demarcatória fosse determinada pelas posições ocupadas pelos exércitos no momento do cessar-fogo—o que aumentaria o território sul coreano.

Restava, ainda, outro grande problema: o destino dos soldados capturados pelas forcas das Nações Unidas. Segundo a ONU, apenas seis mil dos 20 mil prisioneiros chineses e 76 mil dos 112 mil norte-coreanos queriam ser repatriados. Os comunistas afirmavam que seus homens estavam sofrendo coações. Essa questão era crucial para a ONU, que obteria uma grande vitória política se pudesse proclamar que um grande numero de comunistas não queria voltar a seus países de origem. Enquanto se discutia em Panmunjom, os combates continuavam, com as forcas estacionadas nas posições de novembro de 1951.

Foram fatos ocorridos fora da península coreana que apressaram a assinatura do armistício. Nos Estados Unidos Dwight Eisenhower. eleito em novembro de 1952 pelo Partido Republicano, prometera acabar com a guerra rapidamente e de forma honrosa. Para isso, em janeiro de 1953, advertiu que se não um houvesse um acordo em Panmunjom, os Estados Unidos usariam armas atômicas. Outro fator foi a morte de Josef Stálin em 5 de marco de 1953, que mergulhou a URSS num período de incertezas internas e fez a balança internacional pesar momentaneamente para o lado das potências capitalistas.

Em junho de 1953, decidiu-se que os prisioneiros não-repatriados seriam entregues a uma comissão de países neutros e posteriormente enviados para o pais que escolhessem. No mês seguinte, o armistício foi assinado e no dia 27 as armas silenciaram. Estabeleceu-se uma zona neutra de quatro quilômetros separando os exércitos do Sul e do Norte Quanto a polemica em torno da linha de fronteira, prevaleceu a posição dos aliados e a Coréia do Sul acrescentou um pequeno pedaço de terra a seu território.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

O teto do mundo fica mais baixo

A época era de glória para a Comunidade Britânica. No dia da coroação de Elizabeth II, 2 de junho de 1953, divulgou-se a façanha sensacional de um neozelandês: a conquista do Monte Everest, na fronteira do Nepal com o Tibete. As 11h30m do dia 29 de maio, o explorador e montanhista Edmund Hillary atingira o pico da mais alta montanha do mundo, a 8.848 metros, acompanhando pelo guia nepalês Tenzing Norkay A ate então inacessível Chomolungma—"deusa-mãe do universo"— nome dado ao Everest pelos habitantes da região, estava afinal dominada. Por via das duvidas, Norkay fez uma oferenda de chocolates e biscoitos para os deuses do lugar. Hillary deixou um crucifixo.

Muitos tentaram chegar ao "teto do mundo" desde que Sir George Everest, topógrafo de sua majestade, a rainha Vitória, da Inglaterra, Ihe emprestou o nome em 1865, depois de estudos que ajudaram a estabelecer a altura exata do pico. A maioria desistiu, alguns sucumbiram na escalada. Dois desapareceram em 1924; um deles, George Leigh Mallory, e o autor de uma frase que tenta explicar por que os homens se esforçam alem do limite para subir o Everest: "E porque ele esta la." O inglês Michael Wilson morreu de exaustão em 1934.

Edmund Percival Hillary nasceu em Auckland, em 20 de julho de 1919. Na juventude era apicultor. Aos 20 anos, passou a se interessar por montanhismo e já então afirmava com convicção que um dia iria escalar o Everest. Serviu na Forca Aérea Neozelandesa na Segunda Guerra e ficou gravemente queimado num acidente. As cicatrizes, porem, não o fizeram desistir do sonho.

Com o acesso a cordilheira do Himalaia reaberto em 1950, após anos de conflito entre o Nepal e o Tibete (então dominado pela China), começaram a ser organizadas expedições de vários países. Hillary entrou na que foi patrocinada pela Real Sociedade Geográfica, de Londres, sob o comando do coronel John Hunt. O planejamento era altamente científico. e o equipamento, moderno—calcados e roupas com isolamento térmico, sistemas de oxigênio, rádios portáteis etc. Durante meses, oito acampamentos foram montados ao longo da rota escolhida para a escalada. Parecia que as chances de sucesso eram grandes. Bastava um pouco de sorte.

Em 7 de junho, Hillary e Hunt foram feitos cavaleiros pela rainha Elizabeth; Tenzing Norkay, guia sem o qual o neozelandês não teria êxito, continuou guiando aventureiros morro acima. No fim dos anos 50, Sir Edmund Hillary voltou ao Nepal para, numa atitude de gratidão, ajudar a construir escolas e hospitais para o povo das montanhas. Em 1960, começou a procurar o abominável homem das neves, criatura lendária que viveria no Himalaia. Dessa vez, porem, fracassou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

Dupla hélice faz a vida levantar vôo

O DNA (sigla em inglês para acido desoxirribonucléico), a maior molécula existente, foi descoberto em fins da década de 1870. Em 1871, o bioquímico suíço Friedrich Miescher constatou que o DNA e a principal substancia do núcleo das células. Pouco depois, propôs-se a hipótese de que o acido seria o responsável pela transmissão dos caracteres hereditários. Em 1944, o americano de origem canadense Oswald Theodore Avery demonstrou o acerto dessa hipótese: um extrato não-vivo, produzido a partir de uma bactéria, poderia transferir algumas de suas características para um microrganismo de outro tipo. Estava provado definitivamente que o DNA constitui a base química da hereditariedade. Assim, passo a passo, entendia-se o papel do acido como "segredo da vida".

Mas ainda faltava o principal o que ocorreria em 1953: decifrar a complexa estrutura molecular do DNA. Isso explicaria também de que modo ele era capaz de transmitir suas características a todas as células de um organismo. Isso se tornou possível quando o biofísico e geneticista James Dewey Watson, americano. e o também biofísico Francis Crick, inglês, reuniram seus esforços nos Laboratórios Cavendish, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Trabalhando com fotografias obtidas por difração de raios-X, feitas pelos biofísicos britânicos Maurice Wilkins e Rosalind Franklin (sem permissão, segundo Franklin), Watson e Crick concluíram que a molécula de DNA tem a forma de uma dupla hélice.

Seria como uma escada em caracol, com o corrimão formado por açucares e fosfatos e os degraus, por substancias chamadas bases nitrogenadas (adenina, timina guanina e citosina). Os "degraus" estão sempre ligados ao "corrimão", cada conjunto formando um nucleotídeo. Um só gene de um cromossomo pode conter dois mil desses conjuntos. Cada um dos 46 cromossomos humanos tem de quatro a seis bilhões de "degraus", que são formados por pares fixos: adenina com timina e guanina com citosina. A ordem e a quantidade dos pares determinam as características de cada indivíduo. Watson e Crick demonstraram que quando o DNA e dividido em partes, cada uma delas cria uma replica de si mesma. constituindo uma nova molécula de DNA. E cada nova molécula contém a mesma informação genética do fragmento original.

Os resultados das pesquisas foram publicados na revista "Nature" em abril de 1953. Em 1962, Crick, Watson e Wilkins dividiram o Prêmio Nobel de Medicina (Rosalind Franklin não pode recebe-lo: morrera em 1958). Em 1967, conseguiu-se sintetizar o DNA e os pesquisadores passaram a sonhar com a fabricação da vida em laboratório . "Dolly", a ovelha, seria o próximo passo escada acima.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

O gênio que viu a coisa e o contrário

Judeu de rica família cristianizada, Ludwig Wittgenstein nasceu em Viena, a 2ó de abril de 1889, mesmo mês e ano em que veio ao mundo o também austríaco, mas pobre, Adolf Hitler. Os dois estudaram na mesma escola primaria —Ludwig duas classes a frente de Adolf—e aparecem, aos IS anos, lado a lado, numa foto dos alunos. Um tentaria construir seu Reich de Mil Anos sobre uma montanha de cadáveres. O outro revolucionaria a lógica com duas obras antagônicas: "Tractatus lógico-philoso phicus" (1921) e sua perfeita negação, "Investigações filosóficas" (1953), inspiradoras do positivismo do Circulo de Viena e da filosofia analítica da Escola de Cambridge.

O pai de Wittgenstein era um magnata da siderurgia que, supostamente, levou ao suicídio dois irmãos de Ludwig, também ele acossado ao longo da vida pela idéia de se matar—todos atormentados por um confuso homossexualismo. Com a morte do pai, em 1913, o filho herdou uma fortuna e dela se desfez rapidamente, doando-a a instituições beneficentes

Depois de estudar engenharia, Wittgenstein entusiasmou-se com "Principia mathematica" de Bertrand Russel, e tornou-se aluno do mestre inglês. A admiração foi correspondida e Russel prefaciou o "Tractatus logico-philosophicus", concluído em 1918, mas só publicado em 1921. Parte do livro havia sido escrita durante a Primeira Guerra, enquanto Wittgenstein era oficial do Exercito austro-húngaro.

Nessa obra, Wittgenstein afirma que os limites do conhecimento são os limites da linguagem, em seu empreendimento de dar conta, ponto por ponto, da realidade do mundo. Escrito em aforismos, o "Tractatus" estabelece isso como necessidade a priori—a linguagem tem proposições elementares que correspondem aos objetos do mundo—e decreta: "Sobre o que não se pode falar deve-se calar." Desse modo, todas as proposições religiosas, metafísicas, éticas e estéticas perdem o sentido, uma vez que buscam transcender a linguagem, isto e, o mundo: "Para uma resposta que não se pode formular tampouco se pode formular questão." Wittgenstein questionava assim, toda a filosofia desde Platão.

Já as "Investigações" sustentam que, em vez de representar a realidade, a linguagem a determina: não e instrumento de um propósito, e jogo de propósitos. Os problemas filosóficos não surgem da natureza das coisas, mas do coração de nosso entendimento sobre elas. O atormentado Wittgenstein passara a vida entre a academia e refúgios variados—um mosteiro, uma aldeia de pescadores na Irlanda—mas antes de morrer de câncer, em 1951 conseguira deixar pronto com recomendação de publicação, um manuscrito que elevava sua radical inquietude ao nível do gênio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

As muitas cores da literatura negra

Assim como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e Richard Wright—este, seu mentor direto—James Baldwin também teve que sair dos Estados Unidos para melhor traduzir seu pais em palavras. "O exílio era uma maneira de tomar fôlego", afirmou Baldwin, que obteve o reconhecimento da critica logo com seu primeiro romance, "Go tell it on the mountain", escrito em 1953, quando estava na Suíça. O autor tinha 29 anos e, de certa forma, falava de sua própria vida, embora o romance não seja rigorosamente autobiográfico: como ele, o protagonista e negro e homossexual. "Vá contar na montanha" e considerado por muitos críticos o melhor trabalho de Baldwin, um fino estilista que, no entanto, alguns anos depois, ficaria muito mais famoso como defensor dos direitos civis das minorias, ao lado de nomes como Martin Luther King e Malcolm X, do que jamais fora como escritor.

Pobre, Baldwin embarcou para a França com uns poucos trocados, em 1948, e la viveu nove anos. "Deixei a América porque duvidava de minha capacidade para sobreviver a violência do problema da cor", explicou esse neto de escravos criado no Harlem em Nova York. Orador protestante na adolescência, a espiritualidade e um tema presente na maioria de seus trabalhos, aliada a uma consciência dos problemas raciais que vai muito alem do tom marcadamente político da dita "literatura negra" de então: o olhar de Baldwin capta nuances psicológicas que só os grandes escritores enxergam. "Vá contar na montanha", com seu titulo de ecos bíblicos, inaugurou um estilo que frutificaria em ensaios, contos artigos, poemas e pecas de teatro, alem de romances como "Another country" (no Brasil, "Numa terra estranha") e o belíssimo "Giovanni's room" ("Giovanni").

Em 1956, Baldwin recebeu um dos principais prêmios literários dos Estados Unidos, o do Instituto Nacional de Artes e Letras. Um ano depois, retornou ao pais para participar mais ativamente da luta das minorias. A essa altura, estabelecido como escritor, fazia parte de um passado distante a juventude pobre quando trabalhou como garçom e operário de fabrica—a época em que descobrir o que muitos de seus companheiros do movimento negro ignoravam: que a discriminação embutida no "sonho americano" atinge gente de todas as cores. Baldwin morreu em 1987.

 

 

 

 

 

 

 

 

1953

Os transviados chegam de moto

Com bomba H soviética e tudo, e difícil que algum acontecimento tenha chocado mais os americanos naquele trecho do século XX do que "The wild one" (no Brasil, "O selvagem"), realizado pelo húngaro Lazio Benedek em 1953. A chamada "juventude transviada", com seu gosto pelas duas rodas, assustava uma sociedade que, naquele momento, ainda não tinha se habituado ao desfile de subculturas marginais em que se transformariam quase todas as suas artes populares dali por diante. Os críticos se descabelaram, dizendo que o filme, no mínimo, incitava a violência. A Columbia, distribuidora da produção independente de Stanley Kramer, quase trocou o titulo para "The cyclist raiders" ("Os motoqueiros") ou "Hot blood" ("Sangue quente") depois do fracasso da estreia. Mas o tempo fez de "O selvagem" um clássico.

Marlon Brando, Lee Marvin, Mary Murphy, Robert Keith, Jav C. Flippen, Angela Stevens, Hugh Sanders, Ray Teal, Yvonne Doughty e outros mostram no filme—bem menos violento do que o conto de Frank Rooney em que se baseava "The cyclists' raid", por sua vez inspirado num fato ocorrido em 1947—a história de um grupo de mais ou menos 40 motoqueiros do Black Rebels Motorcycle Club, com todos os blusões negros e caveiras a que tinham direito. Só de farra eles "invadem" num fim-de-semana a cidadezinha de Wrightsville, na Califórnia.

Enquanto esperam que um companheiro ferido num acidente de carro—que eles mesmos provocaram—seja atendido, os aventureiros sem-destino aterrorizam o lugar com bebedeira e assedio sexual, tudo ao som do ronco das motos e de barulhentos boogie woogies e bobops (o rock ainda não estourara na época). Nem o medo da lei os detêm: o xerife local e, muito apropriadamente, um homem fraco e pusilânime.

A brutalidade que lateja em Johnny (Brando) e seus seguidores nem sempre e explicita. Mas a terrível possibilidade de que, de repente, os rebeldes decidam arrasar a cidade tensiona o filme inteiro—justamente sua principal qualidade e o que levou críticos e espectadores bem comportados a torcer narizes. Bastante diferente e a reação dos habitantes de Wrightsville no filme: eles acabam respondendo as provocações com inusitada violência.

Marlon Brando e Lee Marvin tem desempenhos marcantes como lideres de diferentes facções de desocupados a beira da criminalidade. Mas isso só poderia ser amplamente apreciado muitos anos depois, quando a propalada violência de "O selvagem" já se tivesse tornado quase ingênua. Na Inglaterra, por exemplo, o filme estreou em uma única sala de Londres e só foi liberado para o resto do pais 13 anos depois.

Fonte: O Globo - Texto integral