Em 1957 as principais manchetes foram estas:

Sputnik, um abalo no sólido orgulho dos americanos

Eisenhower escolta estudantes negros

Haiti nas mãos do médico-monstro

A Europa se une para crescer

Tudo se resume à moeda circulante

A cura em gotas de Albert Sabin
Barthes reinventa os significados

Estrada sem rumo feita de papel

O começo de uma bela mitologia
Sétima arte é isso: o resto é cinema

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1957

Sputnik, um abalo no sólido orgulho dos americanos

Os Estados Unidos entraram no quarto trimestre de 1957 com motivos de sobra para olhar o resto do mundo com orgulho. O macarthismo emudecera a oposição interna ao modelo capitalista de livre iniciativa a Guerra da Coréia impedira que mais um pais entrasse (pelo menos por inteiro) na esfera comunista; a tecnologia invadia os lares por meio de aparelhos que davam ao cotidiano um conforto inimaginável pelas gerações anteriores; as tensões sociais e raciais que explodiriam na década seguinte não eram sequer imaginadas pela classe media; e, por fim, a mídia, especialmente o cinema, dava aos americanos a certeza de que viviam no mais belo pais do melhor dos mundos. Tudo isso ate o dia 4 de outubro, quando um "bip" irritante pôs abaixo o sólido orgulho americano: a União Soviética lançou no espaço o Sputnik o primeiro satélite artificial da Terra.

Para se entender o impacto desse feito na mente da América, e preciso lembrar que a Guerra Fria era, em parte, um conflito de propaganda. Havia a convicção de que a União Soviética era um pais atrasado e bárbaro. Qualquer avanço tecnológico só poderia ser conseguido por meio de espionagem —como em 1953, quando o casal Rosenberg acabou na cadeira elétrica falsamente acusado de vender aos soviéticos o segredo da bomba nuclear. No caso do Sputnik os russos haviam feito o inimaginável, dado um salto a frente e marcado um ponto incontestável na luta de propaganda. Alem disso, o lançamento fora uma surpresa completa, pois apenas alguns cientistas e militares sabiam dos planos soviéticos, ainda que sem uma data precisa. A "maioria silenciosa" ignorava ate que os russos soubessem o que era foguete. Para os americanos, a idéia de um satélite comunista (se e que satélites tem ideologia) passando sobre suas cabeças a cada 96 minutos tornava-se no mínimo incomoda.

Para os militares dos EUA o Sputnik não era um incomodo, mas um pesadelo. O motivo era seu peso, cerca de 84 quilos, oito vezes o máximo que os cientistas americanos consideravam possível. Na cabeça dos generais o raciocínio era óbvio: para lançar um satélite oito vezes mais pesado que o máximo da América, os soviéticos precisavam ter foguetes oito vezes mais poderosos. Basta imaginar uma ogiva nuclear no lugar do satélite para entender por que o alerta vermelho acendeu no Estado Maior americano. Meses antes, Nikita Kruchov, líder soviético, anunciara aos quatro ventos que dispunha de mísseis intercontinentais, mas suas declarações foram, em grande parte consideradas mais uma bravata. Com o lançamento do satélite, o assessor para mísseis teleguiados da Secretaria de Defesa americana, William Holaday, teve que ir a público explicar que o feito do adversário não significava, necessariamente, superioridade no campo dos foguetes. Não convenceu.

O fato de um satélite tao pesado ser lançado em órbita foi mais surpreendente que o satélite em si. O Sputnik era uma esfera de metal de 58 centímetros de diâmetro cheia de hidrogênio para manter a temperatura em seu interior. A freqüência do "bip" que suas antenas de 2,5 metros emitiam informava aos técnicos na Terra as variações na temperatura do satélite. Ainda que não levasse qualquer equipamento cientifico, revelou, pela analise de sua trajetória, importantes informações sobre a camada externa da atmosfera.

Independentemente de seu valor cientifico, o Sputnik fora a primeira vitória soviética na Guerra Fria. Restava aos EUA correr atras do prejuízo e realizar, o mais rapidamente possível, um feito que ao menos a igualasse. Não deu tempo. No dia 3 de novembro, os soviéticos anunciaram o lançamento do Sputnik II.

Pesando inacreditáveis 508 quilos (mais insônia para os generais americanos), o satélite levava o primeiro habitante da Terra a deixar seu planeta natal: a cadela Laika. Desta vez os russos fizeram menos mistério e, uma semana antes, já anunciavam o iminente lançamento do satélite levando um animal. Laika sobreviveu por dez dias no espaço e já estava morta quando o Sputnik II se incendiou ao reentrar na atmosfera terrestre.

A curta carreira de Laika como astronauta foi um sucesso absoluto. Provou que um ser vivo podia resistir a forca da gravidade aumentada durante o lançamento espacial e sobreviver em órbita—desde que com oxigênio, água e comida suficientes, que faltaram a pioneira cadela. Restava apenas planejar uma reentrada segura para mandar um ser humano para o espaço. Mais importante ainda—para os russos, e claro—o Sputnik II carimbou o certificado de supremacia espacial da União Soviética. Nem Lenin teria imaginado uma forma mais gloriosa de comemorar os 40 anos da Revolução.

Era inaceitável para a América testemunhar toda essa desenvoltura soviética no espaço sem uma resposta a altura. O presidente Dwight Eisenhower pretendia dá-la com o lançamento, em 7 de dezembro, do foguete Vanguard, que colocaria em órbita o primeiro satélite americano. Ao contrario do segredo que antecedeu o Sputnik, o Vanguard teve uma campanha de divulgação tipicamente americana, o que só agravou o desastre. A platéia que foi assistir ao lançamento em Cabo Canaveral testemunhou o foguete subir menos de um metro e desabar transformado numa bola de fogo. Mais patético que o fracasso em si, apenas a declaração dos cientistas e militares de que o satélite emitira "informações preciosas" nos dois segundos decorridos entre a ignição e o colapso.

O ano terminou sem que os EUA conseguissem entrar na corrida espacial. Apenas em 1º de fevereiro de 1958 foi possível lançar o Explorer, primeiro satélite americano. Nos anos seguintes os russos tiveram a oportunidade de desferir um golpe ainda mais impressionante, quando, em 12 de abril de 1961, Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a deixar a atmosfera da Terra. Os americanos tiveram de esperar quase 12 anos desde o primeiro Sputnik para superar os russos no espaço, com o pouso da Apollo XI na Lua, em 1969. Tempo demais para uma nação que se considerava a mais poderosa do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

Eisenhower escolta estudantes negros

Em 1957, os negros americanos já tinham obtido importantes conquistas na luta por direitos civis. Dois anos antes, por exemplo, Rosa Parks desencadeara, no Alabama um movimento que levara a Suprema Corte a decidir pela inconstitucionalidade de qualquer forma de segregação nos ônibus. Antes ainda, em 17 de maio de 1954, o mesmo tribunal declarara ser ilegal a discriminação racial em escolas publicas, negando-se a aceitar o argumento do "separado, mas igual" apresentado pelos defensores da discriminação. Estes alegavam que não haveria desrespeito a Constituição, desde que a separação não acarretasse desigualdade. O presidente do tribunal. Earl Warren, sentenciou: "No campo da educação publica, não ha lugar para a doutrina do ‘separado, mas igual'. As instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais."

A decisão da Corte foi um marco: até então, em 17 estados americanos, a segregação nas escolas era instruída por lei. Mas três anos se passariam ate que outro marco surgisse nessa história: em setembro de 1957, em Little Rock, capital do Arkansas, a reincidência no preconceito foi dobrada num confronto aberto entre o poder federal, representado por Dwight Eisenhower, e o estadual, nas mãos de Orval Faubus. Este, desrespeitando a decisão da Suprema Corte, ordenou que a policia estadual impedisse a entrada de seis meninas e três meninos negros na Central High School, exclusivamente branca. Sob ofensas de manifestantes racistas, os meninos voltaram para casa.

Faubus alegava que desrespeitara a ordem federal para preservar a paz e evitar derramamento de sangue. O impasse durou alguns dias. Em 24 de setembro, finalmente, Eisenhower anunciou que enviaria tropas federais para fazer cumprir a sentença judicial e assumir o controle da situação. No dia 25, 1.500 manifestantes brancos cercaram a escola. Chegaram, então, mil soldados, em uniforme de campanha, com baionetas caladas. Enquanto as tropas escoltavam as crianças para dentro da escola, cerca de 400 homens e mulheres brancos gritavam: "Vão para casa negros!" Pelo menos sete pessoas foram presas e um homem saiu ferido, ao tentar tomar o fuzil de um militar. Na saída, os soldados escoltaram novamente os meninos.

A luta pelos direitos civis dos negros prosseguiria. Até 1970, algumas escolas americanas tinham mecanismos sutis de segregação, como horários diferentes de aula e recreio. Mas, gradativamente, a igualdade ia sendo conquistada. Neste mesmo ano de 1970, dos 1.700 alunos da Central High School de Little Rock, 20% eram negros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

Haiti nas mãos do médico-monstro

Ao sagrar-se presidente do Haiti em setembro de 1957, em eleições que o jornal "The New York Times" chamou de "as mais fraudulentas de que se tem noticia", Francois Duvalier podia se tornar apenas mais um ditador entre os muitos que vitimaram o pais. Mas era pouco: em 14 anos de governo, ele ganharia destaque como líder do mais sanguinário e macabro de todos os regimes de exceção do Haiti, com um total descomprometimento com o bem-estar da paupérrima nação: a renda per capita, naquele ano, não chegava a US$ 60 e 90% dos haitianos eram analfabetos.

Duvalier, ex-ministro da Saúde e do Trabalho, foi eleito em meio a uma terrível turbulência política. Seis governos tinham se sucedido no período de dez meses após a renuncia forcada do ditador Paul Magloire—a quem, na clandestinidade, Duvalier fizera oposição. Medico (dai seu apelido Papa Doc, "Papai Doutor") que trabalhara por mais de duas décadas no interior do pais, Duvalier era estimado com um homem de senso humanitário. Mas as reformas sociais, o nacionalismo e a pregação da superioridade racial negra ficaram nas promessas de campanha.

Assim que chegou ao poder, o medico virou um monstro. Papa Doc reduziu os efetivos do Exercito e criou uma forca paramilitar, os Tonton Macoutes ("bicho papão" no idioma creole), bandidos que matavam arbitrariamente e tinham autorização presidencial para saquear as vitimas (uma forma de engordar seus magros salários). Duvalier também proscreveu os partidos políticos, menos o seu. Mais tarde, deixaria os intermediários de lado para ir direto ao assunto: em 1964 declarou-se "presidente vitalício", um titulo ao qual somou os de "renovador da pátria" e "apóstolo da paz".

Seguidor do vudu que ameaçava os adversários com supostos dotes de feiticeiro, Para Doc inspirou uma nova versão do "Pai Nosso", cuja leitura diária era obrigatória em escolas e repartições publicas: "Papa Doc, que estais no Palácio Nacional para toda a vida (...), que se faça a vossa vontade em Porto Príncipe e nas províncias, dando-nos hoje nosso novo Haiti". O romance do inglês Graham Greene inspirado em Papa Doc chamava-se, apropriadamente, "Os comediantes". Duvalier manteve-se no poder ate morrer, em 1971.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

A Europa se une para crescer

Seis anos depois de assinarem o Tratado de Paris, Franca, Itália, Alemanha Ocidental. Bélgica, Holanda e Luxemburgo (alguns deles antigos inimigos) resolveram ampliar sua união: em 25 de marco de 1957 surgia a Comunidade Econômica Européia. entidade que logo passou a ser chamada de Mercado Comum Europeu (MCE). O Tratado de Roma, como ficou conhecido, tinha objetivos ambiciosos: os associados formariam uma única zona econômica, isenta de tarifas alfandegárias para os produtos industriais; os agrícolas teriam livre circulação, preços estáveis e proteção contra os provenientes de outras áreas. O tratado ainda instituía a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom), uma espécie de mercado comum do setor.

Já no inicio da década de 20 houve tentativas sem sucesso de criação da União Pan-Européia. Aristide Briand o chanceler francês, queria em 1929 instalar uma "federação política" da Europa. A depressão, as vitórias do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália e a Segunda Guerra atrasaram tais planos. Depois do conflito, entretanto, com praticamente todos os países do continente destruídos sob vários aspectos, parecia fundamental um esforço comum para melhor aproveitar os poucos recursos econômicos existentes.

A primeira oportunidade apareceu com o Plano Marshall, a ajuda americana a Europa. Para administra-lo, foi fundada em 1948 a Organização Européia para a Cooperação Econômica (Oece)—que incluía todos os países capitalistas do continente, num total de 18, com exceção da Finlândia—hoje transformada na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), de âmbito mundial. Em 1950, por inspiração do francês Jean Monnet, que se intitulava um "economista político", foi preparado o Plano Schuman, assim denominado em homenagem ao chanceler francês Robert Schuman. O plano fazia nascer a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), referendada no Tratado de Paris, em 1951, pelos mesmos seis países.

Uma ausência sentida nos tratados de Paris e de Roma foi a da Grã-Bretanha, que estava mais interessada em se aproximar dos Estados Unidos do que em se aliar aos outros países capitalistas da Europa, com uma especial desconfiança em relação a Alemanha. Depois, ela se juntou aos que não estavam no MCE— Áustria, Suíça, Portugal, Dinamarca, Noruega e Suécia—para constituir em 1959 a Associação Européia para o Livre Comercio (Aelc), que não funcionou muito bem. Em 1961, os britânicos começaram demoradas negociações para ingressar nas três comunidades (MCE, Oece e Ceca). Após alguns vetos da Franca, finalmente a Grã-Bretanha seria aceita no MCE, em 1973. Estava dado um grande passo para o surgimento da União Européia.

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

Tudo se resume à moeda circulante

"A teoria da função consumista", livro lançado por Milton Friedman em 1957, foi um marco na economia moderna. Descendente de judeus pobres, nascido no Brooklyn nova-iorquino e expoente da Escola de Chicago e adversário das idéias de John Maynard Keynes, que haviam predominado no Ocidente do pós-guerra, Friedman e o principal nome do monetarismo, teoria segundo a qual o que determina o equilíbrio da economia de um pais e a quantidade de dinheiro em circulação. Para os monetaristas, a intervenção do Estado deve ser reduzida a um mínimo para que o mercado se auto-regule. O papel do Estado deveria ficar restrito a direção da massa de dinheiro circulante para assegurar desenvolvimento e estabilidade. Inflação e outros males teriam origens puramente monetárias. Isto significa que, se a taxa de crescimento de um pais e de 5%, o seu governo deve emitir exatamente mais 5% de moeda.

Friedman defende também a total flexibilidade do cambio, cujas taxas seriam determinadas pelo mercado livre, e o fim das tarifas alfandegárias. Suas idéias tiveram grande influência no Brasil, principalmente nos períodos em que Delfim Netto ocupou os ministérios da Fazenda (1967-74) e do Planejamento (no governo Figueiredo, 1979-85). Em 1976, Friedman recebeu o Nobel de Economia.

O pensamento de Friedman condena em bloco o Estado provedor de bem-estar, do pagamento de pensões a inválidos ate a construção de estradas e o ensino publico. Curiosamente, Friedman só pode estudar graças a bolsas pagas pelo Estado. Como opção ao Estado provedor, o economista propôs o "Imposto de Renda negativo", que, simplificadamente, seria aplicado da seguinte forma: quem ganhasse, por exemplo, menos de mil dólares por ano, receberia 50% da diferença entre o efetivamente ganho e esses mil dólares; quem não tivesse rendimento algum teria direito a US$ 500; os que alcançassem o patamar, nada receberiam; só os que ficassem acima do limite pagariam imposto. Segundo Friedman, e melhor dar as pessoas, em vez de bens e serviços, dinheiro para que o apliquem como julgarem melhor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

A cura em gotas de Albert Sabin

A primeira tentativa de erradicar a paralisia infantil aconteceu em 1952, quando o americano de origem polonesa Jonas Edward Salk, que cultivara o vírus da poliomielite, produziu uma vacina injetável a base de vírus mortos. Os efeitos dessa vacina, porem, revelaram-se de curta duração. Cinco anos depois, o microbiologista Albert Bruce Sabin—também polonês naturalizado americano—desenvolveu uma nova vacina, com pelo menos três vantagens em relação a de Salk: a facilidade de aplicação—era oral e sua antecessora, injetável—o tempo prolongado de imunização e o custo reduzido. Em 1957 o experimento, testado por Sabin em si mesmo e em presidiários voluntários, comprovou sua eficácia.

Nascido em 26 de agosto de 1906, em Bialystok, então Rússia e hoje Polônia, Sabin foi levado para os Estados Unidos pela família em fuga em 1921, quando judeus poloneses sofriam perseguições raciais e religiosas por parte do recém-criado regime soviético. Começou a se interessar peia busca de uma vacina contra a poliomielite desde que se formou em medicina, em 1931. Sua pesquisa seguia um caminho radicalmente oposto ao de Salk. Sabin usava vírus vivos, que poderiam ser inoculados na corrente sangüínea pela via oral—gotinhas que comprovaram ser milagrosas na prevenção da pólio. As pesquisas de Sabin irradiaram-se por áreas colaterais: o estudo de um protozoário que causa danos em fetos, a identificação do vírus da herpes B e a prevenção do sarampo.

Apesar da Guerra Fria, a União Soviética foi o primeiro campo de testes da vacinação em massa, ainda em 1957. Com o sucesso da experiência, os Estados Unidos seguiam seus passos três anos depois. Em 1961, as vésperas da primeira campanha de vacinação em massa contra a pólio no Brasil (com o uso da Sabin), o cientista visitou o pais pela primeira vez e teve um atrito com a burocracia governamental. Voltou em 1967, 69 e 71—na ultima visita foi apresentado a brasileira Heloísa Dunshee de Abranches, com quem ficaria casado ate morrer, em 1993. Os últimos casos de paralisia infantil no Brasil foram registrados em 1989.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

Barthes reinventa os significados

Depois que o francês Roland Barthes publicou "Mitologias", em 1957, nunca mais uma rosa foi uma rosa foi uma rosa. Uma rosa passou a ser além dela mesma, o socialismo, a delicadeza, a feminilidade, a bomba atômica... Confuso? Nem tanto. Barthes levou ao paroxismo a semiologia do lingüista suíço Ferdinand de Saussure, concebida para estudar o modo como sociedades criam significados a partir de signos. Para ele, tudo, de sabonetes a lutas de telecatch, tudo fazia sentido. Fez belo ensaismo—e legiões de fãs e detratores.

"Nada esta a salvo do mito, o mito pode se desenvolver da própria falta de significado", escrevia Barthes em "Mitologias". O livro era uma reunião de artigos publicados entre 1954 e 1956 na revista literária "Les Lettres Nouvelles". Do bife com batatas fritas como símbolo cultural ao mito sobre o cérebro de Einstein, passando pela propaganda religiosa do telepastor americano Billy Graham, tudo passava pela desmontagem semiológica de Barthes. Suas criticas sobre as atitudes sociais tinham como ponto de partida um sentimento de impaciência frente ao que a mídia, a arte e n senso comum consideravam "natural", mascarando a realidade.

Roland Barthes foi, em seus ensaios, um dos primeiros a romper com a falsa dicotomia entre objetividade do cientista e a subjetividade do escritor, sublinhando assim as intenções subjacentes em qualquer discurso. Na introdução de "Mitologias", ele explicava porque: 'Exijo a possibilidade de viver plenamente a contradição de minha época, que pode fazer de um sarcasmo a condição de verdade."

Papa da semiologia, Barthes desejava que a ela auxiliasse todas as ciências, reconstituindo o funcionamento dos sistemas de significação dos objetos observados. Para o pensador francês, nós não vemos o poder que esta na língua porque nos esquecemos de que toda língua e uma classificação e toda classificação, opressiva. Sendo assim, o real não e representável simplesmente porque queremos representa-lo com palavras.

A obra de Barthes desconstrói as aparências da sociedade consumista. Desde seu primeiro livro, "O grau zero da escritura", publicado em 1953, ele passou a ser respeitado como um escritor provocante. Com "Mitologias", o seu segundo trabalho, veio a fama. Seu mais famoso livro, no entanto, foi "Fragmentos de um discurso amoroso", de 1977. Roland Barthes morreu em 26 de marco de 1980, aos 64 anos, um mês após ser atropelado em frente ao College de France, onde lecionava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

Estrada sem rumo feita de papel

"On the road" foi chamado de bíblia da Geração Beat, expressão criada por seu autor, Jean Louis Lébris de Kerouac, ou simplesmente Jack Kerouac. Descendente de franco-canadenses, nascido em 1922, no estado de Massachusetts EUA, Kerouac era um desajustado quando, em 1947, decidiu por o pé na estrada. Em 1951, transformou a experiência numa autobiografia marcada por uma busca sem fim e sem rumo (o autor, alias, era cristão-budista) e impulsionada por jazz, sexo, bebida e drogas. O livro foi publicado no Brasil, em 1984, com o adequado subtítulo "Pé na estrada".

"On the road" foi escrito em um rolo de papel de telex, para que Kerouac não perdesse tempo trocando o papel da maquina. Ha coerência nesse gesto: ele escreveu numa estrada de papel, com a mesma frenética velocidade com que desejava viver, algo em torno de cem palavras por minuto. Escrevia o que Ihe passava pela cabeça, sem revisar o texto, ignorando pontuação e normas gramaticais.

Só em 1957 Kerouac encontrou um editor disposto a publicar aquela história de um jovem que, durante a Segunda Guerra, por ser julgado esquizóide, e desligado da Marinha de Guerra americana, passa pela Marinha mercante e em seguida torna-se, sucessivamente, jogador de futebol americano, operário da construção civil, guarda florestal, ferroviário e catador de algodão. Na procura da "vida real", como ele diz, o narrador do livro freqüenta prostíbulos no México e vaga por Denver, São Francisco e Nova Iorque.

Os personagens do livro, com nomes fictícios, são todos reais: Allen Ginsberg (autor do poema "Uivo", a melhor obra literária da Geração Beat), Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti, Wiliam Burroughs e Neal Cassady—este o único do grupo que não era escritor, mas vagabundo assumido. Impulsionado pelo escândalo alimentado por setores conservadores da imprensa que detestaram o livro, "On the road" entrou logo na lista dos mais vendidos. Acabaria como um dos pilares do movimento hippie na década seguinte.

Kerouac, o "rei dos beats", encarnado no livro pelo escritor Sal Paradise, não soube surfar essa onda de popularidade. Cada vez mais perturbado, mudou-se para a casa da mãe e morreu em 1969, de hemorragia estomacal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

O começo de uma bela mitologia

Detratores costumavam dizer que o ator Humphrey Bogart tinha duas expressões faciais: com e sem cigarro na boca. Os cigarros eram realmente companhia constante, na tela e fora, e ajudaram a agravar o câncer na garganta (ou no esôfago, segundo alguns autores) que o matou aos 57 anos, em 14 de janeiro de 1957, nove dias antes de seu aniversario. O cigarro era também um dos elementos que ajudavam o ator a caracterizar seus personagens, somado aos olhares intensos, discretos movimentos da boca e mãos repousadas na cintura. A atuação concentrada, o grande carisma e a intensa presença na tela transformaram em astro—de "Relíquia macabra", "Casablanca" e "Uma aventura na África", que Ihe rendeu o Oscar, entre outros—um ator que fugia dos padrões de Hollywood. Humphrey Bogart era mais velho, mais baixo e mais feio do que os outros galas de sua época.

Até 1940, Bogart tinha feito 28 filmes e ganhado certa notoriedade em papeis de gangster. Quando o roteirista John Huston ganhou a chance de dirigir "Relíquia macabra", George Raft, escolhido pelos estúdios Warner para o papel principal, se recusou por não querer trabalhar com um novato. Humphrey Bogart conseguiu seu primeiro trabalho como protagonista, em 1941, e se tornou sucesso instantâneo como o detetive Sam Spade. Sucesso que manteve com uma serie de filmes nos quais interpretava heróis másculos, cínicos e sarcásticos. Parecidos com o ator que cunhava frases de efeito como: "A Humanidade esta sempre três doses atrasada."

Bogart era bom de copo como seus personagens—embora fosse tido como um profissional exemplar e nunca bebesse durante as filmagens. E como os heróis de "Relíquia macabra" e "Casablanca" não tinha moita sorte com as mulheres. Ao menos ate 1944. O astro vivia com Mayo Methot, atriz alcoólatra e violenta, depois de dois casamentos infelizes, quando se envolveu com Lauren Bacall, 25 anos mais jovem que ele, durante as filmagens de "Uma aventura na Martinica". Bogart e Bacall se casaram, fizeram grandes parcerias na tela—"A beira do abismo" e "Paixões em fúria"—e ficaram juntos ate a morte dele.

Depois da morte do astro começou a construção do mito. A semelhança de Bogart com seus personagens, quase sempre escolhidos com perfeição o tornaram um dos ídolos da geração de críticos de cinema franceses da revista "Cahiers du Cinema". E um deles, Jean-Luc Godard, o homenageou em seu filme de estreia, "Acossado", de 1960, no qual o personagem Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) adora Bogart e ensaia fumar como ele em frente ao espelho. Em 1972, Woody Allen, outro fã, invocou o fantasma do ator na versão para o cinema de sua peça "Play it again, Sam" ("Sonhos de um sedutor").

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1957

Sétima arte é isso: o resto é cinema

Na Europa devorada pela peste do século XIV, um cavaleiro (Max Von Sydow) que retorna das Cruzadas desafia a Morte (Bengt Ekerot) para uma partida de xadrez e assim ganhar tempo para viver. O impressionante ponto de partida do filme "O sétimo selo" confirmava, em 1957, o talento do sueco Ingmar Bergman, um dos cineastas que mais justifica a expressão "sétima arte". O diretor, que iniciara sua carreira no teatro, já filmava havia 12 anos, mas só no ano anterior tinha recebido reconhecimento internacional: "Sorrisos de uma noite de amor", uma comedia de costumes ambientada na Belle Époque, conquistara o publico e a critica no Festival de Cannes, ganhando o prêmio especial do júri.

"O sétimo selo", uma obra-prima, era ainda melhor. Com essa alegoria sombria e irônica sobre a inevitabilidade do perecimento individual e a possibilidade do perecimento coletivo, Bergman aumentou sua legião de admiradores em todo o mundo, dando origem a uma espécie de seita: os bergmanianos (palavra que mais tarde viraria adjetivo para filmes "difíceis", coisa que seus trabalhos, ainda que tenham temas complexos não são). O currículo de Bergman seria enriquecido, nos anos seguintes, por obras como "Gritos e sussurros", "Persona", "Morangos silvestres", "Cenas de um casamento" e "O ovo da serpente".

Como as reminiscências do velho professor que compõem a narrativa de "Morangos silvestres" a filmografia de Bergman foi movida por lembranças da infância. Nascido em 14 de julho de 1918, em Uppsala, uma cidade universitária, e educado rigidamente pelo pai, pastor luterano, Bergman se iniciou no cinema escrevendo roteiros. O sucesso de um deles Ihe abriu as portas para dirigir seu primeiro trabalho, "Crise", em 1945. A recepção fria de publico e critica (os historiadores do cinema atribuem o fracasso ao tom pessimista do filme) não o desestimulou. Ainda bem.

A obra de Bergman, rigorosamente autoral, difundiu a idéia do cineasta-autor, que seria defendida pela Nouvelle Vague francesa a partir de 1959. Em 1982, depois de filmar o trabalhoso "Fanny e Alexandre"—que considerava a soma de sua vida como realizador— ele anunciou que abandonaria o cinema. "Os longas-metragens são para os jovens, tanto física quanto mentalmente", explicou.

Fonte: O Globo - Texto integral