Em 1959 as principais manchetes foram estas:

O líder que os EUA fizeram comunista?

Líderes batem boca na cozinha

China destrói templos budistas

Terra de ninguém, riqueza de todos

Uma ilha cercada de problemas

E a arquitetura fica órfã de pai
A Humanidade nasceu na África

Surge um baiano chamado João

Jazz perde a sua maior cantora
Nouvelle Vague diz a que veio

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1959

O líder que os EUA fizeram comunista?

A foto e de 1955. Um homem sozinho num gramado do Central Park, Nova York. Sabemos que é alto; cabelos morenos, bigode certinho, a mão esquerda no bolso do jaquetão, esse jovem quase trintão pode ser candidato a galã de filme mexicano. Ou melhor amigo do galã.

Mas o que Fidel Castro Ruiz quer mesmo ser é líder revolucionário: só falta o dinheiro, e esse tipo de problema sempre o fez pensar nos Estados Unidos. Em 1940, escrevera ao presidente Franklyn Roosevelt pedindo uma nota de dez dólares, porque nunca vira uma em seus 14 anos de vida. Não se sabe se Roosevelt acreditou, nem quantas notas Fidel conseguiu na viagem pela Costa Leste em 1955. O fato e que logo deixou Nova York para montar sua revolução e ganha-la, quatro anos depois.

A carta a Roosevelt e a foto feita por Oswaldo Salas no Central Park podem ser pistas para o esclarecimento de uma duvida que foi crucial durante anos, e hoje e inteiramente acadêmica: Fidel era comunista desde a universidade (como seu irmão Raul), ou foi jogado nos braços de Moscou pela falta de habilidade diplomática de Washington?

Carta e foto sugerem fascínio pelos Estados Unidos. Pelo dinheiro dos EUA, numa versão mais cínica, mas, de qualquer forma, um desejo de ser notado pelo grande vizinho. Notado e aceito? E a falta de aceitação provocando ressentimento e ódio? Não há fúria no inferno igual ao ódio de um cubano desprezado? Se de perto nem sempre e confiável, a psicanálise a distancia e apenas um jogo de salão.

O jornalista americano Tad Szulc talvez seja o mais respeitado biógrafo de Fidel. Acompanha sua carreira, com diversas entrevistas pessoais, desde 1959. E veterano correspondente numa das regiões do mundo que os Estados Unidos menos conhecem de verdade: o seu quintal ao sul do Rio Grande.

Szulc (em "Fidel—Um retrato critico", 1987) não sabe precisar o momento em que o cubano se tornou comunista. Afirma, no entanto, que o seu biografado era anti-americano desde muito jovem, e acrescenta que, ao tomar o poder, Fidel formou um governo moderado, mas de fachada: nas sombras funcionava um aparato comunista, que tomava as decisões realmente importantes.

Os anticastristas de Miami sempre disseram isso; mas diriam, fosse ou não verdade. Por outro lado, o historiador inglês Hugh Thomas sustenta que, antes de chegar ao poder, Fidel era um radical não comunista e não levado a sério pelos comunistas.

Aceitando-se a versão de Szulc, restaria pelo menos uma dúvida secundária: que tipo de marxista Fidel era desde criancinha? Fiel a Moscou, como se revelou, ou independente como Tito? Já pensava de saída em exportar a revolução, ou foi levado por esse caminho pela intransigência americana (tragicamente acentuada pela imprudente aventura da Baia dos Porcos)?

A dúvida pode ser irrelevante hoje. mas não é ociosa. Uma Cuba relativamente independente da URSS não receberia os mísseis que Kruchov para la mandou em 1962. Sem a crise dos mísseis, Cuba não estaria ate hoje amargando o bloqueio e a falta de relações comerciais com os EUA. Seria uma outra história.

Na história que aconteceu, Cuba era, na década de 50, uma quase província americana. Washington mandava em Havana, e famílias mafiosas mandavam nos cassinos. A posição estratégica da ilha talvez tornasse inevitável a dependência—e esta certamente fazia inevitável a germinação de forte sentimento anti-americano entre intelectuais e políticos. A idéia de rebelião era fomentada, de um lado, pela situação econômica (o pais, que já produzira um quarto do açúcar de cana do mundo, já não vendia mais do que um decimo) e pela tradição de governos corruptos. Segundo Hugh Thomas, depois da Segunda Guerra Mundial Cuba tivera dois presidentes democráticos e um ditador—Fulgêncio Batista, que assumira o poder em 1952. Os três tinham em comum a corrupção em alto grau.

É nesse quadro que surgiu Fidel, jovem advogado de classe media, ex-líder estudantil. Em 1953, com a incompetência dos iniciantes, ele liderou um ataque suicida ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba. Passou dois anos preso e em seguida exilou-se.

Um ano depois da foto no Central Park, Fidel e mais 80 homens, levados pelo pequeno navio "Granma", desembarcam na costa leste da ilha.

Era o começo da luta armada. Dezoito meses depois, os rebeldes eram 300, enfrentando com êxito tropas regulares na Sierra Maestra. Nas cidades, a decadência da oposição legal ao regime lançara muitos jovens na ilegalidade: começaram a se multiplicar atos de sabotagem, os quais provocaram repressão e tortura, as quais aumentaram a simpatia popular pelo jovem líder.

Os Estados Unidos apoiaram o ditador Batista enquanto foi viável e pareceu promissor. Mas cerca de um ano depois da viagem do "Granma", começaram a cortar os laços, até rompe-los efetivamente, com a suspensão do fornecimento de armas a Havana

Depois, foi questão de tempo. Simultaneamente, Batista e o Exercito perdiam batalhas e Fidel ganhava adeptos nos diversos grupos revolucionários. A 1º de janeiro de 1959, Batista deixa o pais, supostamente rumo aos US$ 200 rnilhoes que acumulara nos bancos estrangeiros. E no mesmo dia Fidel instala um governo liberal (com representantes de toda a oposição) em Havana.

A união durou menos de um ano. Ao longo de 1960 o Partido Comunista foi ocupando posições estratégicas no Governo, enquanto, em Miami, o ódio a Fidel era compartilhado por ex-partidários e ex-inimigos de Batista, que igualmente se detestavam.

Em abril de 1961, o recém-empossado presidente John Kennedy autoriza uma invasão de Cuba por exilados muito mal treinados pela CIA. O ataque mal passa da praia da Baia dos Porcos, e serve apenas para apressar a definição publica de Fidel. Seis meses depois, ele se declara simpatizante do marxismo e começa a estreitar os laços com a URSS.

Era o fim das ações preliminares: Havana e Washington como que se congelaram nas atitudes recíprocas que duram até hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

Líderes batem boca na cozinha

Hoje a história e só pitoresca, mas, naquele ano de 1959, a discussão entre líderes das duas maiores potências mundiais numa cozinha-modelo teve ingredientes perigosos. Afinal um bate-boca entre o vice-presidente americano, Richard Nixon, e o líder soviético, Nikita Kruchov, numa época de Guerra Fria e corrida nuclear, podia muito bem ter conseqüências desastrosas para a Humanidade. O motivo da briga, ocorrida no dia 25 de julho, em Moscou, não poderia ser outro: a defesa das "virtudes" dos sistemas político-econômicos representados por seus países.

Durante a Exposição Nacional Americana, uma amostra da cultura dos Estados Unidos em plena capital soviética Nixon, um ferrenho anticomunista, levou Kruchov a um modelo da "moderna cozinha americana" e pediu a opinião do líder soviético sobre aquelas maravilhas do mundo capitalista. Kruchov, já conhecido pelo estilo rombudo e freqüentemente provocador, observou toda aquela modernidade e fez comentários depreciativos, embora seus olhos, diante dos aparelhos eletrodomésticos ocidentais, nem sempre concordassem com o seu discurso: "Nós temos tudo isso em nossas cozinhas", disse ele, para quem quisesse acreditar.

Diante de um batalhão de jornalistas, os dois políticos pareciam a vontade, apesar da acalorada discussão. Kruchov afirmou que a URSS logo ultrapassaria o pais de Nixon em tecnologia, ao que o vice-presidente americano respondeu: "Você não sabe tudo!" O exaltado russo continuou a pregação: "Se não sei tudo, você não sabe nada do comunismo, apenas tem medo dele"'. Para não dizer que não houve nenhum contato físico, o também destemperado Nixon colocou o dedo no peito de Kruchov ao afirmar que qualquer metalúrgico americano podia comprar a cozinha. Ela estava avaliada em U$S 14 mil.

A discussão, felizmente, ficou apenas nas provocações. Nixon, que tinha sido tratado a pedradas por estudantes durante suas viagens a América do Sul, alguns anos antes, estava acostumado com hostilidades num período de radicalização ideológica. Apenas três anos antes da grave crise dos mísseis soviéticos em Cuba, parecia que aquela seria a ultima oportunidade para os dois países tentarem resolver suas diferenças na forma singela de um corpo-a-corpo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

China destrói templos budistas

O budismo e o marxismo tem algo em comum, no que diz respeito a atenção aos pobres e a distribuição de bens. Tais palavras, vindas do Dalai Lama, no final dos anos 80, 30 após ter sido condenado ao exílio pela China, surpreenderam o mundo ocidental, acostumado a vê-lo desde 1959, como um perfeito mártir religioso e uma das maiores vitimas da intolerância política e cultural.

O regime comunista vitorioso na revolução popular chefiada por Mao Tse-Tung, em 1949, condescendeu por dez anos com a independência territorial e política do Tibete, uma teocracia que se mantinha desde o século VII e que, pelo menos nos 300 anos anteriores, prescindia da existência de um exercito. Em marco de 1959, porem, a tolerância dos maoístas acabara. Para sufocar uma rebelião nacionalista dos tibetanos, tropas chinesas invadiram o território, reduzindo a menos de duas dezenas os mais de 400 templos budistas então existentes, todos fieis ao Dalai Lama. O líder religioso do Tibete, Tenzin Gyatso, seguido por cerca de 100 mil compatriotas, teve de fugir para a vizinha Índia, então governada por Nehru. Este, no entanto, para evitar conflitos com os chineses, jamais Ihe reconheceu o governo no exílio.

Nascido em 1935, o atual Dalai Lama e considerado a décima quarta encarnação do Buda, desde quando tinha 4 anos de idade. Isto significa ser ele, desde então, deus, sumo sacerdote e, também, líder político do pequeno Tibete, território incrustado nas altas montanhas do Himalaia, entre a China e a Índia, disputado durante séculos.

Apesar de ter esperança de um dia poder voltar ao Tibete, ele mostra que sua paciência não e sinônimo de passividade: "A idéia que faço de mim, na qualidade de monge budista, é a de um cidadão do mundo. O lugar onde estou não tem importância, seja a Rússia, a Europa ou a América. Mas sou também um porta-voz de seis milhões de tibetanos, um combatente da liberdade."

Oito anos depois dessa declaração, o Dalai Lama recebeu, em 1989, o Prêmio Nobel da Paz. Na época, o diretor da comissão, Egil Aaavik, admitia ser a homenagem "uma reprimenda ao governo de Pequim", que, por sua vez, registrou um protesto. Nos anos seguintes, porem, os sinais de uma reaproximação entre tibetanos e chineses continuaram esparsos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

Terra de ninguém, riqueza de todos

Ela não pertence a ninguém. Como estabelece a abertura do tratado que virou modelo de aplicação do direito internacional publico, assinado em Washington em 1° de dezembro de 1959, é do interesse de toda a Humanidade que a Antártida continue para sempre a ser usada exclusivamente para propósitos pacíficos e não se converta em cena ou objeto de discórdia internacional." Apesar da Guerra Fria, os 12 países signatários—Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, Franca, Noruega, Bélgica, Argentina, Chile, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Japão—concordaram em suspender as disputas territoriais na região.

A primeira noticia que se teve do continente gelado no extremo sul do planeta veio de uma lenda dos maoris da Nova Zelândia, que fala de um barco de guerra que teria navegado ate la por volta de 650. Para os ocidentais, a Antártida existe desde meados do século XVIII, quando se iniciaram as tentativas de exploração e as reivindicações de seus pedaços por Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, Argentina e Chile. Vários conflitos ocorreram, inclusive armados, com a destruição mutua de bases e estações. Em 1948, o Governo americano tentou um entendimento com os outros seis, mas fracassou. Somente com a criação do Ano Geo-fisico Internacional, um programa de cooperação cientifica de caráter mundial, em 1957/58, foi possível chegar ao Tratado da Antártida.

Segundo o acordo, os países participantes (o Brasil aderiu em 1975) podem fazer pesquisas cientificas na região mas nenhum deles pode instalar bases militares, realizar testes nucleares ou criar ali depósitos de lixo radiativo. Tudo para proteger a imensa cobertura de gelo que representa um decimo da superfície do globo, com picos de ate quatro mil metros de altitude. Com 14 milhões de quilômetros quadrados, o continente tem quase o dobro do tamanho do Brasil. São mais ou menos 30 milhões de quilômetros cúbicos de gelo, 90%. de toda a água doce da Terra—se o gelo derreter, o nível dos oceanos subira 60 metros, com conseqüências inimagináveis.

Em matéria de riquezas naturais, a Antártida e bem aquinhoada. Fauna e flora, evidentemente, são limitadas pelas condições climáticas (embora existam quantidades fabulosas de krill, pequeno crustáceo de alto valor protéico, e de alguns peixes comestíveis). As geleiras, no entanto, guardam 100 mil quilômetros cúbicos de carvão—as maiores jazidas do mundo—alem de manganês, prata, ouro, diamante e urânio, por exemplo. Nos mares antárticos ha 45 bilhões de barris de petróleo e uma reserva ainda não calculada de gás natural. Uma riqueza potencial: explorar todas essas reservas, por enquanto, continua sendo economicamente inviável.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

Uma ilha cercada de problemas

O tamanho da ilha de Chipre e inversamente proporcional aos seus problemas políticos. Com apenas 9.251 quilômetros quadrados e cerca de 600 mil habitantes, o pais já sofria com lutas nacionalistas bem antes do acordo de fevereiro de 1959 entre Grã-Bretanha, Grécia e Turquia, que iria conduzir a sua independência no ano seguinte. Com 80% da população de origem grega, e os 20% restantes de turcos, a complicada divisão de poderes e as tentativas de unificação com a Grécia quase levaram a guerra entre os dois países. Da mesma forma que na Palestina, de onde se retirara em 1948, o já esfarrapado império britânico e suas equivocadas decisões contribuíram para aumentar a violência e os ressentimentos na região.

Localizada no Mar Mediterrâneo, a 60 quilômetros da costa da Turquia, a ilha de Chipre já tinha sido dominada por fenícios, egípcios, persas, gregos, romanos, bizantinos, turcos e, desde 1878, por britânicos, que viam a região como um importante reduto militar no Oriente Médio—mais ainda depois que se retiraram da Palestina. Um dos principais opositores dessa política era o arcebispo grego Makarios III, chefe da Igreja Ortodoxa, que acabaria por se tornar o primeiro presidente de Chipre. Ele era contrario a manutenção das bases militares britânicas no pais e a unificação com a Grécia, conforme pretendia o coronel grego George Grivas, que em 1955 iniciou uma serie de atentados terroristas a frente da Organização Nacional de Combate Cipriota.

Um ano antes, os britânicos tinham transferido seu quartel-general na região do Egito para Chipre e, em 1956, deportaram Makarios da ilha, sob acusação de envolvimento com o terrorismo. A atrapalhada atuação da Grã-Bretanha, que tentava impor constituições confusas e não aceitava a autodeterminação de Chipre, foi a principal responsável pela dificuldade em se encontrar uma solução pacifica. Quando veio a independência, em 1960, uma das primeiras medidas de Makarios foi tentar reformar a Constituição, que dava 30% dos direitos administrativos aos turcos. O resultado não podia ser outro nesse pedaço de terra cercado de radicalismos por todos os lados: uma prolongada guerra civil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

E a arquitetura fica órfã de pai

Quando um dos piores terremotos da história do Japão matou 143 mil pessoas e pôs abaixo quase toda a cidade de Tóquio, em 1923, a única grande construção a permanecer de pé foi o Hotel Imperial. O motivo: seu projeto nada convencional que incluía fundações flutuantes sobre bases de lama, exatamente para resistir aos tremores constantes na cidade. O autor da proeza, que na época chegara a ser ridicularizado pela idéia, foi o americano Frank Lloyd Wright. Considerado o maior arquiteto do século, ele morreu aos 89 anos, no dia 9 de abril de 1959, quando chegava ao fim mais uma de suas obras inovadoras, o Mu: seu Guggenheim, em Nova York, cuja forma cilíndrica ocuparia uma quadra inteira da Quinta Avenida, com sua entrada por uma rampa de um quilômetro em espiral.

Filho de família pobre, Wright nasceu em 8 de agosto de 1869, em Wisconsin, no Meio-Oeste americano. Após abandonar o curso de engenharia, foi para Nova York e, no fim do século XIX, trabalhava com Louis Sullivan, um dos mais progressistas arquitetos da época, construtor do primeiro arranha-céu. As idéias que o jovem aprendiz começava a desenvolver nessa época tiveram aplicação pratica em 1904, quando projetou em Nova York o primeiro prédio recoberto de aço e ventilado mecanicamente. A partir de 1910, seus projetos começaram a ganhar destaque. Wright abria caminho para um tipo de construção mais adequado as necessidade contemporâneas, a chamada 'arquitetura orgânica", que deveria redimensionar o espaço de uma forma pratica e funcional, sem os muitos adornos da era vitoriana.

Entre as mais de 800 construções projetadas por ele estão algumas das mais originais do mundo, como o seu próprio local de trabalho, o Taliesin West, no Arizona. Nos anos 30, com o crescimento de escolas importantes de arquitetura, como a alemã Bauhaus, Wright passou a ensinar aos jovens. Criador dos conjuntos residenciais, gostava de empregar materiais rústicos em diversos projetos, como os de casas campestres com chaminé e lareiras de pedra, inspiradas na arquitetura japonesa, que se tornaram comuns no interior dos Estados Unidos. A durabilidade sempre foi uma das qualidades do trabalho do arquiteto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

A Humanidade nasceu na África

Em 1931, numa das muitas expedições que empreenderam em terras africanas, os antropólogos Louis Leakey e sua mulher, Mary, decidiram concentrar suas pesquisas arqueológicas na garganta de Olduvai, na Tanzânia, que acabou por tornar-se o sitio das mais importantes descobertas do casal e, mais tarde, dos filhos. Foi la que, em 1959, eles encontraram o crânio fossilizado do Zinjanthropus boisei. Exames revelaram que o crânio era mais de um milhão de anos mais velho do que o mais antigo fóssil encontrado até então.

Fiel a sugestão enunciada por Charles Darwin no século XIX—a origem do homem seria encontrada em território africano, e não asiático, conforme rezava a crença geral entre paleontólogos e arqueólogos—o cidadão inglês Louis Seymour Bazett Leakey (nascido, de pai inglês, no Quênia, em 1903, e também naturalizado queniano) entrou para a História como descobridor de algumas importantes evidencias sobre as origens da vida humana na Terra. A descoberta do Zinjanthropus rendeu ao casal Leakey, alem de fama internacional, a garantia de financiamento para o prosseguimento de suas escavações em Olduvai. Foi la que na década seguinte eles acharam ossos e utensílios do Homo habilis, o primeiro hominídeo na cadeia evolutiva a produzir instrumentos de pedra.

Durante décadas, Leakey reivindicou da comunidade cientifica o reconhecimento de que o fóssil tanzaniano não era apenas mais um espécime do Australopithecus, tido até então como o mais antigo exemplar do ser humano e descoberto nos anos 20 por Raymond Dart. O casal Leakey sustentava que aquele seu Homo habilis era a etapa imediatamente anterior ao Homo sapiens. Somente em 1969, em Paris, a comunidade cientifica haveria de reconhecer o mérito dessa descoberta de Louis Leakey. Em 1º de outubro de 1972, em Londres, ele morreu do coração, aos 69 anos de idade. Dessa data em diante, até morrer, aos 83 anos, em dezembro de 1996, foi Marv Leakey quem aprofundou e ampliou as descobertas que notabilizaram o casal.

Foi ela, por exemplo, quem encontrou, em 1978, ainda na Tanzânia, as pegadas do ancestral humano chamado Australopithecus afarensis, que já andava reto há quase quatro milhões de anos. Mary Leakey, teve no filho, Richard— descobridor do famoso fóssil de uma fêmea batizada de "Lucy" por causa de uma musica dos Beatles— um defensor da idéia de que cabia a Mary, muitas vezes até mais do que a Louis, os louros pelos feios do casal. De qualquer forma, o conjunto das descobertas da família Leakey foi fundamental para provar que a raça humana era muitíssimo mais antiga do que os estudiosos acreditavam ate o século XX.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

Surge um baiano chamado João

Tom Jobim escreveu na contracapa do primeiro LP de João Gilberto que o violonista e cantor baiano, "em pouquíssimo tempo, influenciou toda uma geração de arranjadores, músicos e cantores". Parece exagero, mas o violão sincopado e a voz intimista soavam como revolução numa época em que as vozes impostadas do bolero e do samba-canção dominavam as rádios. E as 12 faixas do LP "Chega de saudade", lançado pelo selo Odeon em marco de 1959, seriam uma referencia crucial para a geração de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Roberto Carlos.

O som gerado nos apartamentos da Zona Sul carioca trazia uma batida nova, acentuada no tempo fraco e permeada de uma harmonia cheia de acordes alterados. "Chega de saudade", a musica, já tinha aparecido no LP "Canção do amor demais", que a não-bossa-novista Elizete Cardoso gravara em abril do ano anterior, tendo o próprio João Gilberto ao violão. Ainda em 1958, o baiano já tinha debutado em dois compactos de 78 rpm ("Chega de saudade", sempre ela, e "Desafinado").

A gravação do LP produzido por Aloysio de Oliveira e orquestrado por Tom Jobim foi marcada por prolongadas discussões entre este e João. Eles "brigavam mais do que Carlos Lacerda e Samuel Wainer", diz o jornalista Ruy Castro em seu livro "Chega de saudade". E o sueter usado por João Gilberto na foto da capa fora emprestado por Ronaldo Bôscoli num dia em que fazia 40 graus no Rio. O sueter escondia a camisa vagabunda de João.

O disco marcava também a estreia de compositores importantes da bossa nova, como o próprio Bôscoli, autor de "Lobo bobo", parceria com Carlos Lyra. Havia também nomes consagrados, como Ary Barroso ("Morena boca de ouro", com Luís Peixoto) e Dorival Caymmi ("Rosa morena").

A voz sussurrada de João Gilberto não era exatamente uma novidade. Mário Reis, a partir do final dos anos 20, já rompera com os padrões operísticos do cancioneiro popular, representado por nomes como Vicente Celestino e Francisco Alves. Mas o baiano de Juazeiro ia muito alem disso, incorporando elementos do jazz na ousada divisão silábica. Estava ali o embrião do gênero que, em breve, abriria para a musica brasileira as portas do reconhecimento internacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

Jazz perde a sua maior cantora

A carreira regada a álcool e drogas de Billie Holiday não levava a crer que ela teria uma vida longa. Mas a morte aos 44 anos, em 1º de julho de 1959, pareceu injusta e precipitada para a maior cantora de jazz de todos os tempos. Sem exageros. No competitivo mercado da musica americana, Billie Holiday conseguiu ser uma notável unanimidade, respeitada por instrumentistas, copiada por dezenas de cantoras e admirada por um circulo de fãs que se renova a cada geração (as gravadoras mantém dezenas de títulos em catalogo permanente). Um dos muitos músicos com quem trabalhou, o trompetista Dizzie Gillespie, dizia que o seu canto vinha das entranhas. Se Billie fazia rolar lagrimas em quem a ouvia, talvez fosse porque também tinha chorado muito.

Eleanora Fagan (seu nome verdadeiro) nasceu em 1915, filha de dois adolescentes, o guitarrista Clarence Holiday e uma empregada domestica, Sadie, abandonada pelo companheiro. Esse foi só o primeiro de uma coleção de traumas: no bairro negro de Baltimore, onde a mãe a deixou morando um tempo com parentes, era espancada freqüentemente pelos tios. A bisavó, única pessoa que aliviava seu sofrimento, morreu abraçada a ela. Aos 10 anos, teve o primeiro contato direto com o racismo: estuprada por um branco, ela, a vitima, foi acusada de corrupção e enviada para uma casa de correção.

O resto veio naturalmente: aos 12 anos já se prostituía, entregando o dinheiro a gigolôs e consumindo drogas, nessa época ainda leves. No meio de tanta desgraça, encontrou salvação na música, que escutava nas vitrolas dos bordeis onde, garota, fazia faxina. Aos 17 anos, depois de mais uma prisão, decidiu abandonar a vida de prostituta: entrou numa espelunca do Harlem e pediu para cantar. Revirou as entranhas e arrancou lagrimas dos fregueses. Durante uma apresentação, um produtor musical, John Hammond, se encantou com a voz da bela moca. Do dia para a noite, Billie passava a freqüentar estúdios de gravação e os melhores palcos da época, como o Cotton Club. Virou uma estrela. Costumava dizer que não queria cantar, mas fazer da garganta um instrumento, como Louis Armstrong usava o trompete.

Com o saxofonista Lester Young, um dos maiores instrumentistas da época, autor do galante apelido Lady Day, Billie teve um relacionamento amoroso e profissional perpetuado em varias gravações. Ela não sabia ler nem uma nota, mas não precisava. Sua técnica era insuperável: distorcia as linhas melódicas e pairava sobre o tempo original da musica, geralmente baladas urbanas, criando um estilo único. Quando não estava cantando, porem. apanhava do mundo. Nas excursões com a orquestra de Artie Shaw, só de brancos, não podia comer nos restaurantes de beira de estrada em que paravam. Relacionamentos com homens violentos, álcool e heroina (que Ihe custou varias prisões) levaram-na a morte por cirrose hepática. Nos últimos anos, a voz acusava os maus tratos: ficou mais áspera, mais cansada, mas nunca menos tocante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1959

Nouvelle Vague diz a que veio

Num artigo publicado em julho de 1958 na revista francesa "Arts", comparando filmes de direita, bem-feitos, com os de esquerda, bem-intencionados, o critico de cinema Francois Truffaut disse que seria preciso esperar que Alain Resnais se tornasse diretor de longas "para finalmente podermos ver filmes de esquerda bons e belos". A promessa se cumpriu no ano seguinte, quando Resnais, também critico e um respeitado diretor de curtas documentais, lançou seu primeiro longa de ficção, inaugurando o movimento que ficaria conhecido como Nouvelle Vague, nova onda.

"Hiroshima meu amor" contava a história do relacionamento entre um arquiteto japonês envolvido na reconstrução de Hiroshima (Eiji Okada) e uma atriz francesa de passagem pelo Japão (Emmanuelle Riva). Como pano de fundo, o rastro da destruição atômica. Resnais partia do roteiro (de Marguerite Duras) para explodir a narrativa linear, usando flashbacks, repetições e filme dentro do filme.

Foi um sucesso. O cinema francês ganhava uma alternativa a seu modelo clássico, literário, rodado em estúdio e com interpretações empoladas. Esse formato vinha sendo atacado há anos por uma geração de jovens críticos da qual Truffaut e Resnais faziam parte e que incluía ainda, entre outros, Jean-Luc Godard. Na revista "Cahiers du Cinema", eles propunham a revalorização do cinema americano, enxergando filmes "de autor" onde se via apenas a marca de uma indústria, como no caso de Alfred Hitchcock, Howard Hawks e John Ford.

Quase todos os críticos da turma passariam da teoria a ação. No mesmo ano de "Hiroshima", Truffaut inaugurou sua produção com "Os incompreendidos". No ano seguinte seria a vez de Jean-Luc Godard e seu "Acossado", o manifesto estético do movimento. A onda estava feita. Atores desconhecidos, histórias atuais, predominância de tomadas externas, orçamentos reduzidos e "assinatura" do diretor começaram a aparecer numa infinidade de filmes franceses. Em três anos, cerca de 170 cineastas tinham estreado no pais.

Fonte: O Globo - Texto integral