Em 1961 as principais manchetes foram estas:

Um muro de concreto divide as duas Berlins

ClA da vexame na invasão de Cuba

A difícil integração latino-americana

Yuri Gagarin vê um planeta azul

Elementar, meu caro Gell-Mann

‘Romeu e Julieta' à moda americana

Heller e o humor absurdo da guerra

O deus do balé salta para o Oeste

Dieta solidária contra a gordura
Uma atrapalhada manobra política

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1961

Um muro de concreto divide as duas Berlins

Imaginem uma grande cidade partida ao meio: o lado ocidental, capitalista, e o lado oriental, comunista. E a metade capitalista esta encravada em território comunista. Assim era Berlim ao termino da Segunda Guerra e no inicio da Guerra Fria—o tenebroso confronto entre duas ideologias, uma guerra travada no campo psicológico, a sombra do terror nuclear. Os aliados (britânicos, franceses e americanos, com 54% de área) transformaram Berlim Ocidental numa espécie de vitrine para exaltar as virtudes do capitalismo e da democracia. Já Berlim Oriental (46% de área), capital da Alemanha comunista, era uma cidade austera e reprimida, dominada por um regime autoritário de linha dura. O fausto da Berlim Ocidental incomodava os comunistas. Em 1º de abril de 1948 eles iniciaram um bloqueio terrestre dos setores aliados de Berlim, que só terminou em 12 de maio de 1949, período em que aviões americanos e britânicos transportaram 1,5 milhão de toneladas de alimentos e carvão à cidade.

Ao fim da guerra, em 1945, a futura Alemanha Ocidental, oficialmente Republica Federal da Alemanha (RFA)—incluindo a Berlim dos aliados—tinha 44 milhões de habitantes; a futura Oriental. Republica Democrática Alemã (RDA), contava 17 milhões. E 20 anos depois, ela continuava com os mesmos 17 milhões, enquanto a população da Alemanha Ocidental tinha crescido para 60 milhões. Destes novos habitantes, alguns milhões haviam escapado do território comunista. Em agosto de 1961, cerca de 53.000 berlinenses orientais iam trabalhar diariamente do outro lado, atravessando 74 pontos de passagem para o setor ocidental. Muitos não voltavam mais (só no dia 9 de agosto foram 1.926 os fugitivos). Para acabar com esta evasão em massa, o Exercito comunista começa, em 13 de agosto, a fechar as passagens e levantar cercas de arame farpado. No dia 15, inicia a construção de uma verdadeira muralha, com blocos de concreto cimentado uns sobre os outros.

É um choque para a opinião publica ocidental, o Muro da Vergonha. Para os berlinenses, e Die Mauer, uma entidade misteriosa e ameaçadora, parecida com o castelo de Kafka. Numa operação comandada por Erich Honecker —futuro presidente da Alemanha Oriental— 193 avenidas e ruas secundarias são fechadas e 74 acessos bloqueados, restando apenas 12 pontos de passagem entre as duas Berlins. São necessários 30.000 soldados orientais para manter vigilância constante nos 165,7 quilômetros de concreto e arame farpado que circundam Berlim Ocidental. O aparato inclui 300 torres de observação, iluminação abundante, alarmes eletrônicos, centenas de cães de guarda, valas anticarro e antitanque e ate arames de tropeço que disparam balas.

Para os comunistas, este "muro de proteção antifascista" se destinava a impedir o brain drain de técnicos que debandavam para o lado ocidental em busca de melhores salários. O muro conseguiu, efetivamente, conter o êxodo que ameaçava a Alemanha comunista de colapso econômico e consistia, segundo alguns, numa espécie de "votação com os pés", dando ao estilo de vida capitalista vitória esmagadora.

Apesar da repressão implacável, são muitas as tentativas desesperadas de fuga: nos primeiros 25 anos do muro 74 pessoas morreram tentando escapar para o lado ocidental. O caso mais dramático—que virou símbolo da resistência—foi o do jovem Peter Fechter. Em 17 de agosto de 1962, ele foi baleado no alto do muro e caiu de volta no território oriental. Ali agonizou durante uma hora, enquanto centenas de berlinenses dos dois lados ouviam passivamente seus pedidos de socorro. Um soldado americano que se encontrava por perto teria dito: "Nada posso fazer, não e problema nosso."

Mas, no dia 26 de junho de 1963, o presidente John Kennedy fez algo contra o muro. No terceiro dia de sua viagem oficial a Alemanha Ocidental, Kennedy passou sete horas na cidade sitiada e, num discurso histórico diante do Palácio de Schonberg, na presença de 400.000 pessoas, pronunciou a famosa ultima frase em alemão: "Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense.") Kennedy visitou também o famoso ponto de travessia Checkpoint Charlie, vigiado pelos americanos. O Charlie tornou-se passagem obrigatória numa quantidade de livros e filmes de espionagem, um gênero que extraiu toda a sua forca e o seu charme do jogo sujo da Guerra Fria. O traiçoeiro mundo dos espiões, dos agentes duplos e triplos, das toupeiras e dos mercadores de informações elegeu Berlim como o seu cenário favorito. E o clássico "O espião que saiu do frio", de John Le Carré, tem ate o emocionante episódio final junto ao muro.

A queda do Muro de Berlim, 28 anos depois de construído, foi o ato derradeiro do desmantelamento do império soviético, iniciado em 1980 com o movimento de resistência Solidariedade, na Polônia, e precipitado, em efeito cascata em 1989 com a falência das economias do bloco: Hungria, Alemanha Oriental, Tchecoslovaquia, Bulgária e Romênia.

Na noite de 9 de novembro de 1989, uma quinta-feira, por volta das 19h, as autoridades da Alemanha Oriental anunciavam discretamente que os candidatos a emigração podiam "passar por todos os postos fronteiriços entre a RDA e a RFA ou por Berlim Ocidental". Informavam ainda que "a policia recebeu instruções de emitir vistos para as partidas definitivas sem as exigências vigentes ate então". As pessoas custaram a acreditar. Só as 21h30m um jovem casal chegou a passagem da Bornholmer Strasse, apresentou o documento de identidade e atravessou para Berlim Ocidental. Em poucas horas uma verdadeira maré humana tomou conta das ruas e, munida de todo tipo de ferramentas, desde marretas ate britadeiras, começou a demolição. A madrugada de 9 para 10 de novembro assistiu a uma das maiores festas na história da democracia, uma celebração de um momento maior da liberdade humana.

Logo ao fim da Segunda Guerra, Winston Churchill referiu-se a Cortina de Ferro que separava os dois blocos, o capitalista ocidental e o comunista oriental. O Muro de Berlim foi a materialização da Cortina de Ferro. Tenho um depoimento pessoal a fazer sobre o muro. Em 1961, eu estudava jornalismo em Paris e fui convidado para visitar a Alemanha. Em dezembro, apenas quatro meses depois da construção do muro, eu posava no Portão de Brandeburgo para fotos que seriam distribuídas por toda a imprensa brasileira, mostrando um jornalista brasileiro em visita ao Muro da Vergonha. Um dia. me levaram a um centro de refugiados e fizeram desfilar diante de mim uma dezena de supostos fugitivos, que, através de um interprete, descreviam os seus sofrimentos sob o regime comunista. Depois, num ônibus turístico, me levaram a visitar o outro lado, a Berlim Oriental. A visita foi insossa e terminou no cemitério dos heróis soviéticos tombados na guerra contra os nazistas. Um imenso bloco de granito da Finlândia, destinado por Hitler para o monumento a vitória do Terceiro Reich, foi transformado num memorial em homenagem aos gloriosos soldados vermelhos. Manifestei minha insatisfação com a visita burocrática, queria explorar mais a outra Berlim. Então providenciaram um taxi com um chofer autorizado a circular pelo lado oriental. Assim que cruzamos o Checkpoint Charlie, o sujeito confraternizou demagogicamente com taxistas orientais, oferecendo-lhes maços de cigarro, enquanto apontava para a paisagem cinzenta e dizia "Unterschiede! Unterschiede!—veja só a diferença, o contraste!" Depois de algumas voltas pela cidade. O taxi foi parar no velho cemitério dos soldados soviéticos. Dezoito anos depois, visitando a Alemanha como editor de revistas com minha mulher, voltei a Berlim. E tome de novo o velho ônibus turístico e a infalível visita ao cemitério dos bravos heróis soviéticos, desta vez sob 12º negativos.

A divisão de Berlim foi, durante quase 30 anos, um marco de desesperança e se prestou a uma guerra de propaganda sórdida em que. entre mortos e feridos, ninguém se salvou, psicologicamente. Mas aquela vibrante madrugada de quinta para sexta, do 9 para o 10 de novembro de 1989, provou que nem tudo esta perdido e que nenhuma tirania dura para sempre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

ClA da vexame na invasão de Cuba

No dia 17 de abril de 1961, 1.500 exilados cubanos treinados pela CIA, o poderoso serviço de espionagem dos Estados Unidos, tentaram invadir Cuba pela Baia dos Porcos, no sul do pais. Três dias depois, Fidel Castro, a um custo de 156 homens mortos e 800 feridos, transformou quase todos os invasores em prisioneiros. A humilhante derrota política dos EUA elevou Fidel Castro a condição de mito e foi um de seus grandes trunfos na sustentação do poder em Cuba. O episódio somente serviu para que Fidel estreitasse ainda mais suas relações com a União Soviética.

A idéia da invasão já estava na pauta do presidente Dwight Eisenhower pelo menos um ano antes, quando os românticos guerrilheiros de Sierra Maestra, que haviam recebido apoio logístico e financeiro do Governo dos Estados Unidos para derrubar a sanguinária ditadura de Fulgêncio Batista, começaram a derivar para o socialismo. Outro temor americano: a promessa de Fidel Castro de transformar "a Cordilheira dos Andes em uma grande Sierra Maestra".

Quando o jovem presidente John F. Kennedy assumiu o poder, no começo de 1961, foi informado dos planos da CIA, que ha seis meses treinava exilados cubanos no interior da Guatemala. Kennedy decidiu-se pela invasão da Baia dos Porcos, mas amargaria a derrota e um saldo negativo de 400 mortos entre os homens enviados a Cuba. O presidente americano jamais seria perdoado por setores da direita americana e pelos exilados cubanos, que voltaram humilhados para Miami, em dezembro de 1962, em troca de US$ 53 milhões em alimentos e remédios doados a Cuba.

Quase três décadas depois, no entanto, documentos da CIA provariam que o Governo americano não era o único culpado pelo fiasco militar na Baia dos Porcos. Um dos equívocos teria sido o despreparo dos oficiais envolvidos na operação, que nem conseguiram mante-la em segredo, deixando vazar ate para a imprensa uma serie de detalhes importantes, como a data aproximada da invasão. Alem disso, eles não levaram em consideração a existência de recifes de coral na região, tendo GS cascos das embarcações quebrados.

Outro erro estratégico, talvez o maior, foi a ilusão de que os revolucionários não contavam com o apoio do povo. Surpresa: quando os exilados desembarcaram, foram recepcionados por cerca de 100 mil pessoas dispostas a fazer qualquer negócio para defender "o sonho cubano", baseado numa vida digna prometida por seu líder Fidel Castro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

A difícil integração latino-americana

Idealizada por John F. Kennedy, a Aliança para o Progresso foi lançada no dia 13 de marco de 1961, quando o presidente americano, num discurso em Washington, reconheceu a necessidade de integração e crescimento auto sustentado para todo o continente. Meses depois, representantes de 22 países latino-americanos estavam reunidos em Punta del Leste, no Uruguai, para ratificar o acordo. Quase toda a América estava la representada, a exceção do Canada e de Cuba, afinal, Fidel Castro acabara de expulsar da ilha, em abril, tropas treinadas pela CIA. A aliança esboçou uma cartilha de boas intenções em apoio a América Latina sob a rica—e interesseira— proteção dos Estados Unidos. Por trás de belas promessas como democratização, crescimento econômico e melhor distribuição de renda, os americanos agiam rapidamente para conter o comunismo que já atacava países tao próximos quanto Cuba.

O Governo americano previu que a Aliança para o Progresso consumiria US$ 20 bilhões nos dez anos seguintes, extraídos de uma espécie de consórcio entre os Estados Unidos e agencias internacionais de desenvolvimento. A soma representava US$ 7 bilhões a mais do que o montante investido no Plano Marshall, que ajudara a reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Não se sabe ao certo quanto foi gasto, mas foi certamente um mau gasto—em 1972 cerca de 40% dos trabalhadores latino-americanos estavam desempregados, a divida externa do continente dobrara, e a miséria e desigualdade social continuavam intactas. E mais: de 1961 a 1967, 17 golpes militares aconteceram na América Latina, a maioria com o aval dos Estados Unidos.

Poucos projetos da aliança foram bem-intencionados: a construção de alguns hospitais e escolas, alem do intercâmbio de estudantes. Com o tempo, a proliferação de grupos revolucionários na América Latina fez os EUA investirem tudo na repressão a rebeliões comunistas com o claro objetivo de apoiar golpes para a instalação de governos de direita. Tudo isso e mais a morte de John F. Kennedy em 1963 levariam o programa ao fracasso. A Aliança para o Progresso durou pouco mais de uma década e acabou num profundo ressentimento dos países latino-americanos em relação aos Estados Unidos. Restou a triste constatação de que a política liberal sonhada para a região era apenas uma forma de deter o avanço do comunismo, objetivo que acabaria sendo alcançado por meios menos sutis. Mas vale notar que alguns pontos daquela Aliança para o Progresso, como tarifas comuns de exportação/importação e abertura de mercado, lembram muito a Área de Livre Comercio das Américas (Alca), que um outro presidente americano, Bill Clinton, tentaria implantar, a todo custo, quase 40 anos depois.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

Yuri Gagarin vê um planeta azul

O jovem major soviético Yuri Gagarin (1934 1968) pronunciou uma curta exclamação, ouvida por todo o mundo com o mais absoluto assombro: "A Terra e azul!" Era 12 de abril de 1961 e o astronauta estava na órbita do planeta. Conseguia vê-lo, portanto, com um distanciamento ate então impensável. Era o primeiro homem a ganhar o espaço, a bordo da capsula Vostok I, enquanto sua mãe, a camponesa Anna Timofeevna, atônita, ouvia a noticia pelo radio e não se cansava de repetir: "O que ele foi fazer? O que ele foi fazer?" Ele acabara de entrar para a História.

Yuri Gagarin tinha 27 anos quando encarou a missão confiada pelo Governo soviético. Passou uma hora e 48 minutos em órbita, voltou cheio de impressões sobre a Terra vista de longe e deixou os americanos perplexos. Gagarin virou herói internacional com aura de mito ao transpor as fronteiras do globo, acirrando a Guerra Fria de tecnologias e egos travada entre EUA e URSS. O chefe da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa), Hugh Dryden, respondeu ao feito heróico com a promessa de que em breve um astronauta americano também alcançaria o espaço. No dia 5 de maio do mesmo ano, o comandante Alan Shepard cumpriu o pro metido, embora num vôo balístico suborbitário de apenas 15 minutos—praticamente o disparo de um míssil com uma carga humana. Em 7 de julho, Virgil Grissom fez o segundo vôo suborbitário dos Estados Unidos. E o rebate russo foi imediato: em 6 de agosto, Gherman Titov orbitou 17 vezes a Terra, em cerca de 25 horas. Ele passara um dia inteiro no espaço. E os americanos só teriam um astronauta realmente em órbita em fevereiro de 1962: John Glenn conseguiria, afinal, dar três voltas completas em torno da Terra.

Para os Estados Unidos e a União Soviética, a corrida espacial não era apenas uma questão de prestigio. Estavam em jogo pesados interesses militares e, na década de 60, já se operavam, por exemplo, satélites encarregados de detectar explosões nucleares. Independentemente da nacionalidade, toda a Humanidade seria beneficiada por outros tipos de engenhos orbitais. Um desses, o Telstar I, tornou possível a primeira transmissão transatlântica da televisão, em julho de 1962, quando os franceses puderam ver, durante alguns minutos, o presidente americano John F. Kennedy do outro lado do globo.

O próximo alvo seria a Lua. Já em 1959, a União Soviética havia lançado o Luna I, sem sucesso. O Luna II veio em seguida e conseguiu acertar a lua, mas espatifou-se. Outro feito: o Luna III fotografou a face oculta do satélite da Terra. Em 1964, os americanos foram mais longe e obtiveram, com o Mariner IV, boas fotografias de Marte (imagens mais detalhadas seriam obtidas em 1969 pelas Mariner Vl e VII). Em 1967, uma sonda soviética desceu em Venus. Um ano depois, o pioneiro de todo esse transito planetário, Yuri Gagarin, morreria num acidente de avião, sem saber que o homem alcançaria, enfim, a Lua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

Elementar, meu caro Gell-Mann

Em 1961, os físicos viviam se confundindo em meio a tantas partículas. O mundo subatômico já não era simplesmente constituído de elétrons, prótons e neutrons, as "partículas elementares" estabelecidas nas primeiras décadas do século. Agora, havia mésons, glúons. híperons e uma infinidade de outras, postuladas todas pelos físicos teóricos, comprovadas algumas pelos físicos experimentais.

Tantas eram que não se podia mais chamá-las "elementares". Foi então que Murray GellMamn um pesquisador do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Estados Unidos, decidiu por um pouco de ordem nessa confusão, teorizando a existência de uma outra partícula, o quark, esta sim elementar, pois seria a formadora de todas as demais

Gell-Mann inventou um esquema de classificação das partículas conhecidas em famílias, com base numa noção que ele batizou de "estranheza", propriedade quântica que explicava certos aspectos antes enigmáticos do comportamento das partículas. Essa propriedade, porem, só poderia ser entendida se as partículas fossem constituídas por subpartículas. E a tais subpartículas hipotéticas ele chamou "quarks", palavra criada pelo escritor irlandês James Joyce no livro "Finnegan's Wake". A estranheza da palavra inventada pareceu-lhe adequada para definir a estranheza dos fenômenos que estudava.

Nos dois anos seguintes, Gell-Mann ampliou a descrição de suas partículas hipotéticas. Disse que havia três tipos de quarks, os quais batizou—mantendo seu gosto por nomes estranhos—de "strange" ("estranho"), "up" ("para cima") e "down" ("para baixo"). Da combinação de quarks, resultariam as partículas conhecidas. Por exemplo, o próton seria constituído de dois quarks "up" e um quark "down". E o nêutron seria formado de dois "down" e um "up". Gell-Mann também informou que a carga elétrica dos quarks era fracionária, isto e, uma fração da carga do elétron, ate então considerada a unidade elementar de carga.

As teorias de Murray Gell-Mann, apesar de surpreendentes, explicavam tanta coisa na física que ele ganhou o Prêmio Nobel em 1969. Pesquisas posteriores postularam a existência de mais três tipos de quark: o "charm", o "bottom" (ou "beauty") e o "top". Desde então, os físicos experimentais usam gigantescos aceleradores nucleares em busca da confirmação de sua existência. Evidencias tem sido encontradas. A primeira, em 1974, para o quark "charm". A ultima, em março de 1995 quando uma equipe do Fermilab, laboratório instalado nos Estados Unidos, anunciou ter encontrado sinais do "top". São provas concretas de que os quarks—casualmente "criados" por James Joyce—saíram da literatura para se tornarem realidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

‘Romeu e Julieta' à moda americana

Musical que mudou os padrões do gênero no cinema e no teatro, "West Side story" estreou nas telas em 1961, fruto da parceria entre o maestro Leonard Bernstein e o coreógrafo Jerome Robbins, que antes o haviam encenado na Broadway, em Nova York. Nele estavam reunidos os maiores nomes do teatro na época. Com musica concebida pelo gênio de Bernstein, coreografia inovadora e vigorosa de Robbins, letras de Stephen Sondheim e libreto do roteirista de TV Arthur Laurents o musical utilizava as suas 12 canções como fio condutor da narrativa e não apenas para ilustrar a ação, o que era inédito ate então.

Com o sucesso, o diretor-produtor Robert Wise, da United Artists, foi escalado para adapta-lo ao cinema. Robbins co-dirigiu a produção e assinava as coreografias. Mas os atrasos no cronograma e o aumento dos custos da produção provocaram a sua saída. Assim, Wise levou o projeto adiante sozinho, com a ajuda dos assistentes de Robbins.

O roteiro de Ernest Lehman contava em 153 minutos um drama que misturava preconceito e romance entre personagens de duas gangues do West Side, o lado oeste de Manhattan, em Nova York: os Jets, turma de jovens americanos, liderada por Riff (Russ Tamblyn), que hostilizava os imigrantes porto-riquenhos, representados pelos Sharks, chefiados por Bernardo (George Chakiris).

Num primeiro confronto num salão de dança do ginásio da vizinhança, o vice-líder dos Jets, Tony (Richard Beymer, dublado por Jim Bryant), apaixona-se a primeira vista por Maria (Natalie Wood, dublada por Marni Nixon), irmã de Bernardo e prometida a Chino (Jose de Vega). Entre encontros furtivos, contrariando o irmão, Maria insiste para que Tony desista da violência. O final prepara uma armadilha para os apaixonados, quando Tony arranca a faca de Bernardo e o mata. Chino vinga-se atirando em Tony. Desesperada, Maria mira na direção do ex-noivo, mas não tem coragem de puxar o gatilho. Ao final, as gangues pacificadas conduzem o corpo de Tony.

A idéia original de Robbins, de 1949, era montar um musical baseado no clássico "Romeu e Julieta", de Shakespeare. O coreógrafo o transporia para o West End a fim de tratar do romance proibido de uma judia e um católico. Depois de terem abandonado o plot inicial, Bernstein e Robbins o retomaram seis anos depois, quando a imprensa noticiou uma intensa migração de porto-riquenhos para a região de West Side. O fato abriria uma ferida social, fomentada pela xenofobia. A temática da intolerância religiosa, então, deu lugar a violência e ao racismo entre americanos e latinos em "West Side story".

No Brasil, o filme foi exibido com o titulo de "Amor, sublime amor". Na cerimonia de entrega do Oscar de 1962, ele arrebataria dez estatuetas, entre elas a de melhor atriz coadjuvante para Rita Moreno (primeira estrangeira a ganhar o prêmio), um numero na época só superado pelo épico "Ben-Hur".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

Heller e o humor absurdo da guerra

Com "Ardil 22", o titulo do romance do escritor Joseph Heller caiu na boca dos americanos. A expressão, "catch 22" no original, pode ser livremente traduzida como "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", algo de cuja lógica maligna não se pode escapar. Ela virou verbete de dicionário de inglês e ate já serviu de referencia jurídica na Suprema Corte americana. A adaptação dessa sátira de guerra para o cinema, em 1970 (dirigida por Mike Nichols, tendo no elenco Alan Arkin, Jon Voight, Anthony Perkins, Martin Balsam, Martin Sheen e Orson Welles), ajudou a projetar ainda mais best-seller e autor

Nascido no Brooklyn, em 1923, numa família judia, Heller serviu na Córsega durante a Segunda Guerra, participando de 60 missões num bombardeiro. De volta aos Estados Unidos, graduou-se pela Universidade de Nova York e fez mestrado em Columbia. Concluída a formação acadêmica, Heller empregou-se no departamento de publicidade das revistas "Time", "Look" e "MacCall's". Começou a escrever "Ardil 22" em 1953, baseado em suas experiências no conflito mundial. Lançado em 1961, "Ardil 22" recebeu boas criticas, mas não se tornou um sucesso. Isso ate que a Guerra do Vietnã catapultasse o livro—aquela altura visto como um manifesto antibélico— para a lista dos mais vendidos.

"Ardil 22" e ambientado em Pianosa, ilha fictícia ao sul de Elba. Como Heller, o protagonista, capitão John Yossarian, também voa num bombardeiro. Com medo de morrer, ele pede baixa alegando estar louco. Mas o artigo 22 de um código militar e claro em afirmar que não existe melhor prova de sanidade mental do que julgar-se louco para não participar de bombardeios. O livro, que mescla o humor judaico com a violência e o absurdo da guerra, vendeu milhoes de exemplares e foi traduzido para mais de 27 línguas.

Ao primeiro best-seller, seguiu-se um hiato de 13 anos, ate o lançamento do segundo livro, "Something happened", que trata de um executivo frustrado, debochado e de vida medíocre. Com o sucesso, Heller deixou a função de professor no City College para dedicar-se apenas a literatura. "Gold vale ouro", livro seguinte, explorava a decadência das cidades e da política. Em 1994, já sofrendo com a Síndrome de Guillain-Barré, uma rara doença degenerativa, o escritor retomou a iconoclasta e os personagens de "Ardil 22" em "A hora final". Neste romance, no qual cita fatos e figuras reais, inclusive a si mesmo, Heller constrói um retrato desesperançado da América.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

O deus do balé salta para o Oeste

Quando, já no aeroporto de Le Bourget, em Paris, o jovem e rebelde bailarino russo Rudolf Nureyev, de 23 anos, foi avisado pela direção do Bale Kirov que não seguiria para Londres com a companhia, não teve duvidas. Cortado por indisciplina, ele se lançou sobre os guardas franceses, clamando por proteção e tornando-se o primeiro bailarino da URSS a pedir asilo político no Ocidente. A fuga de 17 de junho de 1961 seria imitada por outras estrelas do bale russo, como Natalia Makarova Mikhail Baryshnikov e Alexander Godunov.

A ascensão de Nureyev no Ocidente foi vertiginosa. Depois de uma curta temporada no Balé do Marques de Cuevas, em Paris, o bailarino passou a integrar o corpo de baile do Royal Ballet de Londres. Ali, formou com Margot Fonteyn, 18 anos mais velha, uma das duplas mais famosas da história do bale, cujas performances esbanjavam técnica e emocionavam as platéias. Dono de um talento raro que Ihe valeu comparações com outro gênio das sapatilhas, Vaslav Nijinsky, Nureyev tinha exata noção da grandeza de sua arte.

Nureyev nasceu nos Montes Urais, na Tartária, em 17 de junho de 1938. Ele, que dançou em praticamente todas as importantes companhias do mundo, só começou sua formação acadêmica aos 17 anos, na Escola de Bale de Leningrado, ingressando mais tarde no Kirov, da mesma cidade. Nureyev nunca foi bem visto pela direção da companhia, que o considerava individualista e indisciplinado, nem pelas autoridades soviéticas, por sua recusar a integrar a Liga da Juventude Comunista.

Com Nureyev, que também era coreógrafo, os homens ganharam maior projeção, perdendo o caráter de meros pilares de sustentação das bailarinas. Os maiores coreógrafos do século, como Martha Graham, Roland Petit, Jerome Robbins, George Balanchine e Maurice Béjart criaram bales especialmente para ele. Egocêntrico, suas bravatas só não eram maiores que sua vaidade e ajudaram a forjar o perfil de um gênio irascível. Os casos são vários, desde o tapa que deu numa bailarina, na Itália, quando ela errava os exercícios, ate o arroubo que o fez tomar a batuta do maestro Isaac Karabtchevsky, durante uma apresentação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, irritado com a indolência da orquestra.

Nureyev, que considerava a dança sua verdadeira pátria, morreu aos 54 anos, em Paris. vitima de complicações decorrentes da Aids, doença nunca confirmada oficialmente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

Dieta solidária contra a gordura

Nos Estados Unidos, pais das pipocas e refrigerantes gigantes, e onde a dieta básica se resume a hambúrguer, cachorro quente e um bom pedaço de bacon, os Vigilantes do Peso surgiram como uma trincheira na luta contra a obesidade, mal que atinge mais de 30 milhoes de pessoas só naquele pais. A idéia de uma dieta sem remédios nem exercícios surgiu quando a rechonchuda dona de casa nova-iorquina Jean Nidetch, 37 anos. ficou sem graça e sem resposta quando Ihe perguntaram quando nasceria o bebe que estava esperando.

Era setembro de 1961 e Jean, que procurou uma clinica especializada em emagrecimento, percebeu que a dieta proposta, a base de frutas e legumes, poderia ser mais bem-sucedida se feita em conjunto com outras pessoas, numa espécie de solidariedade entre gordinhos. Chamou seis amigas, todas tiveram êxito e a esbelta Jean, após perder 32 quilos, lançou as bases de um negócio que se revelaria tao robusto quanto a maioria de seus clientes.

Depois de três meses, os Vigilantes do Peso já eram 40. Mediante uma pequena taxa, todos seguiam uma cartilha básica do que podiam e não podiam comer. A novidade e que o sucesso de cada participante era medido não apenas pela balança colocada nos locais onde eles se reuniam, mas principalmente pela troca de informações com os outros integrantes do grupo, que tanto podiam expor pequenas recaídas no programa como serem aplaudidos por terem cumprido a meta proposta, ganhando uma espécie de distintivo. Deu tao certo que, em 1963, Jean e mais duas companheiras de dieta criaram a Weight Watchers International. Aos poucos, foram aperfeiçoando o método, com a inclusão de atividades físicas, por exemplo, mas sempre mantendo o conceito inicial de reeducação alimentar.

Hoje uma multinacional espalhada por 28 países (foi comprada nos anos 70 pela Heinz, conglomerado do ramo de alimentação). os Vigilantes do Peso tem um milhão de membros (no Brasil, são 200 mil) e faturam cerca de US$ 1 bilhão por ano, com centenas de franquias. Seu sucesso pode ser explicado por atuarem numa época em que o padrão estético consagrado e o de corpos esbeltos e com o mínimo possível de células gordurosas, vilãs" capuzes de provocar doenças cardiovasculares e piadinhas. Os gordos, que já foram símbolos sexuais em tempos remotos, são hoje sinônimos de desleixo com o próprio corpo. Incapazes de gastar mais calorias do que consomem, muitos apelam para soluções radicais, e caras, como a lipoaspiração e a cirurgia plástica. O curioso e que o método dos Vigilantes do Peso, baseado numa simples reeducação alimentar, tem atraído não somente obesos, mas também pessoas que querem apenas ser saudáveis, independentemente do valor estético que isso representa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1961

Uma atrapalhada manobra política

No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros era um presidente cansado de administrar o Brasil desgovernado por "um Congresso de imorais". Não pensou duas vezes: enviou a esse Congresso uma carta-renúncia, seguiu para São Paulo e depois pegou o rumo de Londres. Jânio Quadros renunciava ao mais alto posto político do pais, depois de sete meses no poder, não sem antes dizer a seu assessor de imprensa Carlos Castello Branco: "O Brasil, no momento, precisa de autoridade, capacidade de trabalho, coragem e rapidez nas decisões Atras de mim não fica ninguém, mas ninguém que reuna esses requisitos". Ele achava que em três meses o povo exigiria sua volta, mas o ardil político acabou não dando em nada: Jânio Quadros entrou para a História como o presidente que renunciou, sucumbindo a "forcas terríveis" que levantavam-se contra ele, tornando-se refém da paranóia.

As tais forças que o levaram a abandonar a presidência da Republica eram tao ocultas que nunca foram totalmente esclarecidas. Ate hoje, ha quem ache que Jânio foi frágil diante das pressões típicas do cargo. Mas também ha quem acredite que ele estava mesmo preparando um golpe de estado. Essa versão foi levantada por Carlos Lacerda, na época governador da Guanabara, no dia anterior a renuncia de Jânio, num pronunciamento na TV: ele teria sido convidado a participar de uma provável conspiração articulada pelo presidente para fazer valer, a força, sua vontade diante de um Congresso tomado pela oposição.

De qualquer forma, o presidente que se imaginou insubstituível foi substituído, após alguns percalços, por seu sucessor constitucional, João Goulart, num regime de parlamentarismo que durou pouco, mas cujo fim abriria uma brecha para o golpe militar. A atrapalhada manobra política afastou Jânio do poder por décadas. Tentou eleger-se governador de São Paulo em 1962, mas foi derrotado. Seguiram-se o sombrio 1964 e a cassação de seus direitos pelos militares durante dez anos. Só em 1985 ele voltou a ocupar um cargo político, como prefeito de São Paulo. Jânio morreu em 1992.

No poder, foi sempre centralizador, sem grande identificação ideológica, dado a extravagancias, como a proibição do maio de duas pecas, a prisão de feirantes que vendiam verduras nus da cintura para cima e a condecoração do líder guerrilheiro Ernesto "Che" Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, seis dias antes da sua renúncia.

Fonte: O Globo - Texto integral