Em 1963 as principais manchetes foram estas:

Kennedy está morto. Com ele, vai a esperança

Martin Luther King tinha um sonho

Telefone vermelho põe ordem na casa

O Papa peregrino anda até de avião

Caso de adultério e espionagem

O ladrão azarado se deu bem no Rio

Friedan quer livrar a mulher da prisão

Fellini escancara o seu delírio

A voz rebelde e nasal dos jovens
Uma energia de bilhões de sóis

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1963

Kennedy está morto. Com ele, vai a esperança

Sabemos hoje que John F. Kennedy não foi um grande presidente para os Estados Unidos, nem para a América Latina nem para ninguém. Não era nenhuma maravilha como caráter, marido ou aliado político. Tudo bem. Mas ao derrotar Richard Nixon e suceder a Dwight Eisenhower em janeiro de 1961, com apenas 43 anos, Kennedy encarnou como ninguém a mudança da guarda, ou seja, a transferência do poder da geração que havia levado o mundo a Segunda Guerra Mundial para a geração que havia lutado nas frentes de batalha.

Diante dos líderes de então, Kennedy era praticamente imberbe: o próprio Eisenhower, Adenauer, Churchill e Macmillan, De Gaulle, Franco, Nehru, Mao Tse-Tung e aquele que seria seu principal espectro, quase uma Nemesis, Ho Chi Minh, eram muito mais velhos e vinham de muito mais longe.

O momento era difícil para a auto-estima americana, com o êxito do programa espacial soviético e o bip-bip do Sputnik lá em cima, lembrando isso a cada instante. Contracenando com Kruchov e Fidel Castro, também recém-chegados, em três anos John Kennedy mudou a face do mundo—e para sempre.

Milionário, católico, democrata, jovem e sofisticado, Kennedy liderava as promessas de grandes transformações. Como se não bastasse, ainda vieram os Beatles, a minissaia e a pílula. Os jovens, gerados no baby boom do pós-guerra, numericamente majoritários no mundo, começaram realmente a influir. O poder estava mesmo trocando de mãos, e o mundo estava ficando obviamente diferente. "The times, they are a-changin" (os tempos estão mudando), cantava Bob Dylan em 1964.

E que mudanças! Sob o governo de Johr. Kennedy, Washington deixava para trás a guerra, o macarthismo e a arrogante caipirice americana; civilizou-se e aprendeu boas maneiras. O país ficou elegante, bonito, cheio de idéias novas, com uma primeira dama sofisticada, que gostava de arte e falava francês. E tipos para atender a todos os gostos: na companhia do economista John Kenneth Galbraith, do historiador Arthur Schlesinger, junto com o ator Peter Lawford, cunhado do presidente, jovens universitários—até professores e schollars!—ingressavam nos círculos mais íntimos do poder na maior potência do mundo, e tudo parecia mais inteligente.

Aí surgiu o inevitável apelido: Washington transformou-se em Camelot, o reino encantado do rei Arthur onde, entre jovens poderosos, o bem e a verdade conviviam em harmonia com a inteligência, a eloquência, as artes e a beleza.

É verdade também que a estréia de Kennedy na presidência não podia ter sido mais infeliz. Deixando progredir uma maluquice engendrada ainda na administração anterior, o Governo americano patrocinou a malograda tentativa de invasão de Cuba. O fracasso da expedição a Baía dos Porcos marcou o mundo a ferro até a queda do muro de Berlim, quase 30 anos mais tarde.

Mal acabada a festa da posse do novo presidente, estreava o novo modelito da CIA para agravar as tensões internacionais: ações desastradas, mal concebidas, mal planejadas e mal executadas—uma caricatura de James Bond, o qual, aliás, deve sua fama a Kennedy, que disse casualmente numa entrevista estar lendo um livro do herói. Mas isso a gente só sabe hoje. Na hora, ainda foi classificado como um erro brutal do Governo Eisenhower, que a nova administração, mal empossada, não tinha sabido evitar a tempo—afinal, os profissionais tinham garantido o êxito!

Na frente do palco o que se via era Kennedy, de passagem na França, ouvir conselhos de De Gaulle, ir a Viena e enfrentar Kruchov. Saiu-se bem, e o mundo respirou aliviado. Parecia filme de faroeste: quem piscaria primeiro? Kennedy levou vantagem e firmou-se como liderança mundial. O herói de guerra mostrara as garras e o menino mimado ganhava consistência de estadista.

Mas ficara a marca: o pesadelo dos anos seguintes começa a engatinhar. No Vietnã, o

apoio americano a cegueira colonialista da França só estava servindo para aumentar o atoleiro. O desastre futuro começa a ser engendrado por meio de palavras lançadas ao vento e transformadas em ícones de política externa, como a "teoria do dominó", segundo a qual a conquista do Vietnã pelos comunistas locais com apoio da China implicaria a derrocada de todo o Sudeste asiático e representaria uma insuportável ameaça ao Japão. E quanto mais aumenta a ingerência americana, mais a teoria fica plausível e auto-realizada.

Para nós, brasileiros, um pequeno refresco: em 1962 tem Copa do Mundo, e somos bi-campeões. Mas a pausa é breve, pois logo depois os americanos descobrem que a União Soviética está construindo bases de lançamento e armazenando foguetes em Cuba, a 150 quilômetros de Miami. Já mais firme no cargo, movimentando se com intimidade no emaranhado do poder, Kennedy tem seu grande momento de líder, enfrenta o adversário e o faz recuar. Foi uma vitória americana. total. absoluta, irretorquivel.

Aos 46 anos, no auge da glória—antes que seus desacertos aparecessem e tivessem conseqüências—John Kennedy vai a Dallas, e um tresloucado o mata a tiros diante da multidão. Boa parte do mundo, e a melhor, fica órfã em minutos. A imagem do filho pequeno, John John, morto num acidente aéreo em 1999, perfilado em continência diante do cortejo fúnebre que levava o corpo do pai, correspondia ao sentimento de parte do mundo, que via morrer também suas esperanças.

Ninguém ganhou nada com sua morte, nem seus inimigos. Uma morte ainda mais deplorável pela total gratuidade, como gratuita foi, cinco anos depois, a de seu irmão Robert, a qual veio como que para confirmar que o sonho acabou—e não apenas uma vez, mas duas.

Quem viveu aqueles momentos, revisitados hoje, sentiu uma nuvem se formando, irracional, estúpida e horrenda, e baixando sobre a Terra, em terror, sangue, fome e sofrimento. Boa parte da geração que surgiu para a vida adulta com a posse de Kennedy foi chacinada no Vietnã, nas prisões da América Latina, no exílio interno e silencioso da ditadura brasileira, no Oriente Médio, nas aldeias africanas, nas ruas da Irlanda, nas overdoses de droga. Sem contar os dropouts e desbundados de todos os tipos.

Mas fica, dos meados deste século de guerras, violência, genocídio, depredação em escala planetária sem precedentes, desgraças e doenças, a memória de brevíssimo instante em que pareceu que as coisas podiam dar certo afinal, pois esse novo Camelot representou, mais uma vez, tudo o que havia de esperança, de nobre e bonito. Um sonho que se esvaiu, nos anos seguintes, em desolação e desesperança.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

Martin Luther King tinha um sonho

Uma marcha pelos direitos civis e pela paz reuniu cerca de 250 mil pessoas, procedentes de diversos estados americanos, em Washington, no dia 28 de agosto de 1963. Concentradas em torno do lago em frente ao monumento de Lincoln, elas se espalharam por todos os cantos até o Obelisco da cidade para ouvir do reverendo Martin Luther King Jr. seu mais famoso discurso, que teve como mote a frase "I have a dream" ("Eu tenho um sonho").

O nome de Martin Luther King Jr. ultrapassara as fronteiras do Alabama em dezembro de 1955. por ter proposto e liderado o boicote aos ônibus a partir do caso Rosa Parks. O protesto era contra a lei estadual que restringia a presença de negros a parte traseira dos coletivos. A partir daí, o jovem pastor da Igreja Batista Ebenezer envolveu-se ainda mais na luta pelos direitos civis travada no resto do país. Passar noites nos xadrezes do Sul quase virou rotina em sua vida. Foi ao sair de uma dessas prisões, na cidade de Birmingham, em abril de 1963, que ele decidiu organizar a marcha. De sua cela havia escrito cartas ao povo americano. Numa delas pregava a não-violência: "É uma arma sem paralelos, pois corta sem ferir e enobrece a quem a esgrime; é a espada que cura".

Preocupado com o crescimento de movimentos que se dispunham a dar respostas duras ao establishment segregacionista, alertou que o protesto devia continuar sendo criativo, sem descambar para a violência. "Não vamos ansiar satisfazer nossa sede de liberdade bebendo no cálice do ódio e da amargura", pregou o reverendo. Num dos trechos mais conhecidos de seu discurso na manifestação de Washington, Martin Luther King disse: "Eu tenho um sonho, de que um dia. nas colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos à mesma mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho de que um dia até mesmo o Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade e justiça".

Menos de um mês depois da marcha, quatro meninas negras foram mortas pela explosão de uma bomba numa igreja em Birmingham, no Alabama. King alertou seu povo para que não aceitasse a "terrível provocação" e mantivesse a postura de não-violência.

No dia 2 de julho de 1964, o presidente Lyndon Johnson assinou o Ato dos Direitos Civis de 1964. que proibia discriminação racial no trabalho e em lugares públicos. Apesar disso, a luta de Martin Luther King contra a injustiça continuou levando o reverendo a cadeia, como aconteceu em fevereiro de 1965, após uma manifestação não-autorizada em protesto contra a lentidão das reformas eleitorais no Alabama estado onde os negros eram maioria, mas apenas 6% deles podiam votar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

Telefone vermelho põe ordem na casa

O mundo se assustou com a evolução da chamada Crise dos Mísseis, episódio ocorrido em Cuba, em outubro de 1962, no qual EUA e URSS ficaram à beira de uma guerra nuclear. Foi por essa razão que as três primeiras potências nucleares—a Grã-Bretanha era a terceira—resolveram contornar o clima de desconfiança gerado pela Guerra Fria e, depois de intensas negociações, assinaram dois importantes acordos, em agosto de 1963. Um deles foi o chamado Acordo do Telefone Vermelho, que estabeleceu uma linha direta de comunicação entre Washington e Moscou, a ser usada em situações de emergência. O outro foi o Tratado de Proscrição Parcial de Testes Nucleares, proibindo testes nucleares na atmosfera, no espaço exterior e sob as águas do mar.

Como disse Nikita Kruchov, secretário geral do Partido Comunista da União Soviética, esses acordos "não significavam o desarmamento ou mesmo o final da corrida armamentista" . Além da carga simbólica, porém, o telefone teve grande importância na negociação de outros acordos entre as duas potências.

A corrida armamentista também acarretava sérios problemas ambientais, detectados pelo menos desde 1954, quando um barco de pesca navegando próximo a área de testes foi contaminado pela precipitação radioativa provocada pela bomba que os Estados Unidos explodiram no Atol de Bikini. Até 1958 as três potências nucleares fizeram 250 testes e, após uma moratória de três anos, voltaram a toda velocidade, chegando a 130 testes apenas em 1962. Estudos mostrando a presença de crescentes quantidades de um isótopo radioativo no leite materno e na medula das crianças tornaram urgente a criação de um "direito internacional ao ar limpo".

Mas ainda havia pelo menos duas grande preocupações: a ausência da França (que explodira sua primeira bomba em 1960) e da China (então próxima de dominar a tecnologia da bomba) no tratado e o fato de ele não fazer restrições a explosões subterrâneas. A corrida armamentista continuou por 30 anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

O Papa peregrino anda até de avião

A fumaça branca não tardou a sair da Capela Sistina para avisar ao mundo que já havia um substituto para o Papa João XX111, morto no dia 3 de junho de 1963. O novo Papa. eleito pelo Colégio de Cardeais em 21 de junho, era o cardeal italiano Giovanni Battista Montini, considerado o sucessor natural de João XXIII —fora o primeiro cardeal nomeado por João XXIII, em dezembro de 1958. Montini escolheu um nome que simbolizasse seu programa de pontificado: o do apóstolo Paulo, que, com suas epistolas e viagens missionárias, procurou ampliar o alcance da Igreja e aproximá-la de povos menos crédulos. Evidenciava assim sua disposição de promover a união entre os diversos credos cristãos e aproximar o catolicismo de outras religiões.

Desde que assumira o posto de arcebispo de Milão, Montini havia aborrecido os poderosos da cidade: envergando um simples hábito preto, fora primeiro visitar as famílias operárias. Dez meses depois, em setembro de 1955, ele voltou a chocar os milaneses ao mandar um emissário parabenizar o rabino da cidade pelo Ano Novo Judaico. "Que sejam todos felizes, irmãos, neste dia de festa", era sua mensagem. No entanto, quando uma bomba foi lançada contra a janela de seu escritório, em janeiro de 1956, seus admiradores já excediam em muito o numero de críticos.

Sua encíclica inaugural adicionava ao Secretariado para a União dos Cristãos, criado por Joao XXIII, o Secretariado para os Não-Cristãos e o Secretariado para os Não-Crentes. Autoproclamado "Papa peregrino". foi o primeiro chefe da Igreja a entrar num avião. Usou os meios de comunicação de massa para divulgar seu pensamento e participou ativamente dos problemas seculares. "Não se salva o mundo ficando fora dele", afirmou.

Em janeiro de 1964, menos de um ano depois de ser eleito Papa, Paulo Vl viajou a Terra Santa, em sua política de reaproximacão com outras religiões. Um beijo e um abraço trocados com o patriarca Atenágoras selaram o encontro entre as igrejas Ortodoxa Grega e Apostólica Romana, separadas por cerca de mil anos—fazia mais de 500 que seus lideres não se encontravam. Paulo Vl também foi o primeiro a visitar a Ásia, a África, a América Latina e a sede da ONU, empenhando-se pela paz e pelo desenvolvimento do Terceiro Mundo. Numa de suas mais famosas encíclicas, "Populorum progressio", de 1967, atribuía aos países ricos o dever de ajudar os pobres.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

Caso de adultério e espionagem

A Inglaterra usava chapéu-coco e o príncipe Charles, calcas curtas, quando Christine Keeler sonhava com a carreira de manequim. "Descoberta" em 1959, aos 17 anos, pelo médico ortopedista Stephen Ward—que mantinha uma rede de prostituição—foi por ele apresentada ao secretario da Guerra, John Dennis Profumo, casado. 44 anos. Os dois se tornaram amantes. O romance durou pelo menos dois anos e só em março de 1963 ganhou as manchetes que obrigaram o principal envolvido a comparecer a Câmara dos Comuns para negar tudo.

No entanto, escândalo dentro do escândalo, Christine mantinha um relacionamento paralelo com o adido naval e espião soviético Eugene Ivanov. A suspeita de que este tivera acesso a segredos militares ingleses levou Profumo a apresentar seu pedido de renúncia e a confessar que anteriormente mentira aos parlamentares. O deslize provocou tanto a queda do gabinete conservador de Harold Macmillan quanto a queda da Bolsa de valores. Além disso. ajudou a eleger o trabalhista Harold Wilson.

Profumo havia subido rapidamente na política. Dono de uma companhia de seguros, freqüentava os salões da família real ao lado da mulher. a atriz Valerie Hobson, e era cotado para ser o próximo primeiro-ministro. sucedendo a Macmillan. Até que apareceu um maço de cartas de amor escritas no papel timbrado da secretaria, e fotos da morena Christine e de uma amiga desta, Mandy Rice-Davies, ambas de biquíni na piscina de Profumo. A imprensa sensacionalista fez a festa.

Para limpar sua imagem, Profumo entrou para o Toynbee Hall, uma entidade filantrópica, passando a servir sopa a mendigos e a ajudar alcoólatras a se livrarem do vício. Depois, ficou encarregado de obter fundos para a instituição. Em 1975, aos 60 anos, foi perdoado e condecorado pela rainha Elizabeth. Christine teve menos sorte: casou-se e se divorciou duas vezes, passou nove meses na cadeia por mentir num processo e só veio a ganhar mais dinheiro quando seu livro de memórias, que vendera pouco, foi transformado num filme B. No livro, ela afirma que a KGB armou a cilada para o ministro, valendo-se de sua ingenuidade. Ward se matou em 1963, durante o inquérito. Só quem se saiu bem na história foi a loura Mandy, que mais tarde se casou com um milionário, sócio de Dennis Thatcher, marido da primeira-ministra Margaret Thatcher. O caso Profumo ficou conhecido como o escândalo do século na Inglaterra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

O ladrão azarado se deu bem no Rio

Na madrugada de 8 de agosto de 1963, o trem postal que ia de Glasgow a Londres foi obrigado a parar no sinal vermelho em Cheddington, a uma hora da capital britânica. Só que, em vez de passar outro trem, surgiram 15 homens armados de barras de ferro e com os rostos cobertos por meias de nylon, que desligaram os dez vagões de trás, dominaram o maquinista e o forçaram a prosseguir viagem com a locomotiva e apenas os dois primeiros carros da composição. Poucos quilômetros adiante fizeram a festa, levando malotes que continham 2,6 milhões de libras esterlinas— o equivalente hoje a cerca de 25 milhões de libras esterlinas (ou R$ 72,8 milhões).

O alarme foi acionado meia hora depois de os ladrões escaparem. Um inquérito sobre a segurança do correio inglês foi instaurado. Pela quantia roubada do Governo e por não terem ferido ninguém—havia 70 funcionários do correio a bordo, protegendo as sacolas—o bando ganhou aura romântica e simpatia popular. Os ingleses torciam pelos assaltantes do trem pagador.

Mas eles não eram tão bons assim. Deixaram impressões digitais por toda parte e, poucos dias depois, quase todos foram presos. Bruce Reynolds, autor do plano, foi o que levou mais tempo em liberdade. A maioria já pagou pelo crime. Um dos ladroes, Buster Edwards. vendia flores numa estação do metrô e cometeu suicídio em 1994.

O único que se safou mesmo foi o mais pé-de-chinelo da quadrilha, que alguns colegas não queriam na ação, por ter fama de azarado. Encarregado de vigiar o maquinista, o carpinteiro Ronald Arthur Biggs passou algum tempo na prisão de Wandsworth, mas conseguiu fugir e brincar de gato e rato com a policia inglesa nos 30 anos seguintes.

Ronald Biggs encontrou seu paraíso no inicio dos anos 70. Quando viu um postal da Praia de Botafogo e Ihe contaram que era para aquele país que criminosos de guerra nazista fugiam, pegou o primeiro avião para o Rio de Janeiro. Passou três anos escondido em Copacabana até que o dinheiro acabou. Sem outra saída, ofereceu sua história a um jornal londrino, que enviou dois repórteres para entrevistá-lo. Avisada, a Scotland Yard veio junto e Biggs foi surpreendido pela policia brasileira.

Mas ele sabia que não podia ser repatriado: ainda não havia acordo de extradição Brasil-lnglaterra. Além do mais. sua companheira Raimunda esperava um filho. Gozador nato, Biggs adaptou-se logo ao jeitinho brasileiro e foi levando a vida: escreveu um livro, cobrava pelas reportagens a seu respeito, abriu uma boate e promovia festas com muitas bebidas, mulatas e pagode. Os convidados ingleses pagavam a conta da tietagem. Ameaçado de voltar a cadeia, cogitou-se de trocá-lo pelo foragido tesoureiro de Fernando Collor, o falecido PC Farias. Biggs nem se abalou: "É ruim, hein?", reagiu, com sotaque anglo-carioca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

Friedan quer livrar a mulher da prisão

Pedra fundamental do movimento feminista dos anos 60, o livro "A mística feminina" foi lançado pela psicóloga, jornalista e escritora americana Betty Friedan em 1963. A idéia— introduzida pelo livro—de que as mulheres podiam encontrar sua felicidade em atividades que não estivessem relacionadas com a educação dos próprios filhos estimulou cidadãs até então conformadas com a vidinha imposta pela sociedade machista a perguntarem se e como poderiam modificar sua condição. A obra era resultado de uma pesquisa, que durou quase 10 anos, com 200 mulheres. Incluía ainda pareceres médicos e sociológicos.

O livro sacudiu a sociedade americana e provocou polêmicas e mudanças no mundo inteiro. Pregava basicamente a expansão do mercado de trabalho para as mulheres. Segundo Friedan, a mística que encoraja as mulheres a ignorarem sua identidade e uma possível carreira profissional fora apregoada pela imprensa e estimulada pela sociedade. E as mulheres decidiram aceitar isto como "sua própria natureza". A autora criticava a falsa realização da mulher confinada ao lar, cuidando da casa, dos filhos e do marido.

Friedan começou a tomar consciência dos problemas da mulher americana quando, por causa da gravidez de seu segundo filho, perdeu o emprego de jornalista. Revoltada, começou sua pesquisa. Por acreditar que as mulheres deveriam exigir um novo tratamento fundou, três anos depois da publicação de "A mística feminina", a National Organization of Women (Organização Nacional das Mulheres) e saiu em campanha pelo reconhecimento legal de direitos iguais para as mulheres.

Essa luta, na verdade, vinha se desenvolvendo em várias frentes desde o início do século XX, com a luta das sufragistas inglesas e a publicação de "O segundo sexo", da francesa Simone de Beauvoir, por exemplo. O feminismo partia da constatação de que as experiências individuais de subordinação da mulher não eram incidentes isolados, devidos a diferenças de personalidade, mas expressão de uma opressão política comum. Por isso, Friedan propôs a inclusão de uma Emenda dos Direitos Iguais na Constituição americana, que, para sua decepção, não foi aprovada em 1982 Mas seu movimento conseguiu vitórias como as leis que proíbem a discriminação no mercado de trabalho e que bares e boates barrem mulheres desacompanhadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

Fellini escancara o seu delírio

"Alguma coisa que oscila entre uma sessão descosturada de psicanálise e um desordenado exame de consciência." Assim o italiano Federico Fellini descrevia seu filme "Oito e meio" ("Otto e mezzo"), de 1963. O título lembrava o número de obras que realizara até então, incluindo o próprio (o "meio" entrava na conta representando a soma de episódios dirigidos por ele em filmes que tinham vários autores). Obra-prima de Fellini e do cinema—porém não mais do neo-realismo, que abandonou ainda nos anos 50 ao enveredar por uma obra cheia de humor, lembranças e fantasia—"Oito e meio" é uma reflexão meio delirante sobre a vontade, a capacidade e a arte de se fazer cinema. Fellinianamente autobiográfico, como sempre, o filme inaugurava a etapa mais criativa da carreira do cineasta, na qual o poder da imaginação e as loucas visões oníricas mostravam a futilidade e o ridículo de uma sociedade decadente e seus representantes.

No caso, Marcello Mastroianni é um diretor de cinema que não consegue terminar uma produção. Tem de agüentar a pressão de atores, produtor, intelectuais patrulheiros, de uma esposa chata (Anouk Aimée), de uma amante incomoda (Sandra Milo). E refugia-se no sonho, voltando a infância ou descobrindo a mulher ideal (Claudia Cardinale). Tullio Pinelli, Ennio Floiano e Brunello Rondi ajudaram no roteiro, e mestre Nino Rota—"a alma se creta de meus filmes", segundo Fellini—se encarregou da trilha sonora.

Havia quase 20 anos Fellini estava no ramo, no qual ingressara algum tempo depois de chegar a Roma, vindo de Rimini (cenário de outra obra-prima sua, "Amarcord", de 1973), onde nasceu em 20 de janeiro de 1920. Em 1943, escrevia roteiros para uma rádio; lá conheceu a atriz Giulietta Masina, que se tornou sua mulher e depois protagonista de vários dos seus filmes. No cinema, foi ajudante de Roberto Rossellini em "Roma, cidade aberta", de 1945. Começou a filmar em 1950. Em seu primeiro trabalho autobiográfico, "Os boas-vidas" (1953), já mostrava um cinema todo pessoal, diferente do registro poético do cotidiano italiano do pós-guerra que faziam seus conterrâneos do neo-realismo. Em 1954, ganhou fama internacional com o Oscar de melhor filme estrangeiro para "A estrada da vida".

Logo o mundo aprendeu a identificar e amar cenas únicas e típicas daquele que se tornou o mais conhecido dos cineastas italianos. Como a estação de águas repleta de fantasmas, a lembrança da vida no colégio religioso, a prostituta gordíssima dançando na praia em "Oito e meio" (que Ihe rendeu o terceiro Oscar). Fellini se manteve um dos maiores diretores da história do cinema, ao mesmo tempo genial, autoral e popular, até morrer do coração em 31 de outubro de 1993, ano em que recebeu um Oscar pelo conjunto de sua obra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

A voz rebelde e nasal dos jovens

Ao lado de Joan Baez, com quem viveu alguns anos, o cantor e compositor americano Bob Dylan levou ao delírio 50 mil jovens que assistiam ao seu concerto no Festival de Newport de 1963, no estado de Rhode Island. Sua música engajada e inovadora e o jeito diferente de cantar, explorando sua voz anasalada, o consagraram. "Blowin'in the wind" tornara-se um hino para a juventude americana por capturar o clima de rebeldia que pairava Manchete no ar. O caminho para a fama estava aberto: apresentou-se pelo país e em Nova York, fez um concerto solo num dos mais prestigiosos palcos da cidade, o Carnegie Hall, e a platéia precisou de cadeiras extras.

Quando trocou a guitarra por um violão, aos 17 anos, Robert Allan Zimmerman ainda não era Bob Dylan. Foi o início da carreira do irrequieto ídolo pop que tomou emprestado seu sobrenome artístico do poeta galês Dylan Thomas e seu estilo musical do trovador americano Woody Guthrie, que cantou a Depressão dos anos 30, de quem foi considerado Sucessor. Dylan sintetizou e recriou estilos musicais populares como o folk e colocou palavras na inquietação que se espalhava entre a juventude americana, sendo um dos primeiros críticos da intervenção no Vietnã. Em 1964, no entanto, esteve com os Beatles e os Rolling Stones em Londres. Voltou na contramão, largando o violão e empunhando a guitarra numa atitude de roqueiro. Por conta disso foi destratado por 14 mil fãs em Nova York, que protestaram contra sua opção pela guitarra elétrica. Em 1966, os ingleses de Manchester repetiram a dose: "Judas!". Dylan ordenou aos músicos que tocassem mais alto. Nunca se ouviu "Like a rolling stone" em tantos decibéis e com tamanha energia.

Dylan foi um inconformista, mudando a cara do rock sem perder as raízes interioranas. O pai da música de protesto americana influenciou gente como John Lennon e Jimi Hendrix. Mesmo rico e famoso, e sendo criticado por isso, se manteve como uma das maiores referências musicais da virada dos anos 60 par a os 70, o que provou ao atrair milhares de fãs, entre eles três Beatles e três Stones, a um show na llha de Wight, Inglaterra, em 1969.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1963

Uma energia de bilhões de sóis

Em 1963, o astrônomo holandês Maarten Schmidt, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, anunciou a descoberta de estranhas fontes de rádio que não eram estrelas. mas tinham a energia de bilhões de sois e podiam se afastar do sistema solar a uma velocidade comparável a da luz. Esses corpos foram batizados de "quasares", uma abreviatura da expressão quasi stellars radio sources (fontes de rádio quase estelares, em inglês), pelo astrofísico americano de origem chinesa Hong-Yee Chiu, do Instituto Goddard de Ciências Espaciais da Nasa.

Observadas no espaço desde a década de 50, essas fontes de rádio foram descritas em 1960 pelos astrônomos americanos Allan Sandage e Thomas 5lathews, que, no entanto, não conseguiram identifica-las. Tudo porque o radiotelescópio usado na época indicava com pouca precisão uma aureola no céu (chamada "halo de erro" ) dentro da qual estava a radiofonte. Os pesquisadores ficaram surpresos com a intensidade da energia daqueles objetos. que, ao contrário da maioria das estrelas, possuíam um pequeno número de linhas de absorção enquanto as linhas de emissão eram abundantes.

Com a criação dos radiointerferômetros— que ligavam antenas distantes—foram reduzidas significativamente a auréolas onde se situavam as radiofontes. Dessa forma, os astrônomos puderam ver melhor aqueles estranhos objetos. Em 1960, Mathews e Sandage perceberam neles a presença de algo semelhante a um jato de gás, o que os levou a pensar estarem diante de uma galáxia peculiar. Dois anos depois, concluíram que pertenciam mesmo a nossa galáxia.

Maarten Schmidt deu o passo adiante: ao estudar o jato de gás emitido por uma radiofonte descobriu que havia no seu espectro um desvio para o vermelho que a tornava irreconhecível. Daí em diante, sucederam-se descobertas, como a do quasar OH 471, que se desloca à velocidade de 270 mil quilômetros por segundo, um pouco mais lentamente que a luz, e está a 6 bilhões de anos-luz da Terra (cada ano-luz tem 9,5 trilhões de quilômetros). Hoje são conhecidos cerca de 1,5 mil quasares. A luminosidade deles apresenta variações que podem durar de fração de segundos a dezenas de horas.

 

Fonte: O Globo - Texto integral