Em 1972 as principais manchetes foram estas:

Rajadas ferem o espírito olímpico em Munique

Quebrando o gelo da Guerra Fria

O escândalo político do século

No tabuleiro, a vitória americana

Amizade sim, interferência não

O Brasil chega para ficar na F1
Nunca tínhamos ido tão longe

Marlon Brando, mafioso e sedutor

O canibalismo como salvação
David Bowie muda a cara do rock

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1972

Rajadas ferem o espírito olímpico em Munique

Para se conhecer melhor os fundamentos do abominável ato de terror praticado contra a delegação israelense que participava dos Jogos Olímpicos de Munique, em 5 de setembro de 1972, e preciso entender o clima de sublevação implantado por extremistas árabes pró-palestinos, dentro e fora do Oriente Médio.

Era setembro de 1970 quando sucessivos atos de pirataria aérea trouxeram intranqüilidade ao mundo em especial aos passageiros cuja rota passava por Nova York. Um B-707 da companhia israelense El Al que fazia a rota Telaviv/Nova York sofreu ameaça de seqüestro em pleno vôo. Um comissário de bordo e quatro passageiros ficaram feridos na reação dos agentes de segurança, que mataram um terrorista e prenderam sua companheira. Um Jumbo da Pan-Am foi desviado de sua rota para aterrissar no aeroporto do Cairo com 154 passageiros e 23 tripulantes. Após esvaziarem o aparelho, os terroristas explodiram o avião. Mais duas aeronaves, um DC-8 da Swissair e um 707 da TWA, foram obrigadas a aterrissar no aeroporto de Zarka, na Jordânia, em território controlado por militantes palestinos. Aos 197 reféns se juntaram mais 115 passageiros de um DC-10 da BOAC, o quinto aparelho seqüestrado em menos de uma semana. Os três aparelhos foram destruídos por explosões após a retirada dos reféns.

O mundo assistia estarrecido a essa explosão de terrorismo apátrida quando a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) emitiu um ultimato a Inglaterra, Alemanha, Suíça e Israel, exigindo a libertação de todos os terroristas palestinos detidos em suas prisões, justificando os atos de vandalismo como represália ao Plano Rogers—que previa a devolução dos territórios ocupados por Israel em troca de um acordo de paz—aprovado pelo presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, pelo rei Hussein da Jordânia e por Israel.

Na verdade, a onda de seqüestros era parte de uma ação coordenada dos terroristas palestinos que visava um golpe na Jordânia, incluindo o assassinato de Hussein, para ali instalar um Estado palestino. Os combatentes, chamados de feddayin, tinham tido como berço os campos de refugiados das guerras de 1948 e 1967. O sinal para a sublevação seria dado por um atentado contra o rei Hussein, quando este estivesse a caminho do aeroporto de Ama combinado com o seqüestro dos cinco aviões. Hussein ficou sitiado em seu palácio e enviou uma mensagem a Washington. Estava correndo perigo de vida e pedia auxilio imediato a seus aliados americanos. Foi necessária a intervenção israelense e um guarda-chuva aéreo, com aeronaves dos porta-aviões americanos estacionados na região, para que as tropas sírias que invadiram o norte da Jordânia recuassem. Foram, porem, as tropas leais a Hussein que massacraram os inimigos. Os soldados da Legião Real e os beduínos que enfrentaram os amotinados detonaram uma chuva de morteiros durante quatro dias seguidos provocando a morte de 8.000 combatentes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e da Al Fatah, de Yasser Arafat.

Para as grandes potências mundiais, esta foi a pior crise desde os mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, pois arrastaria os Estados Unidos em auxilio de um rei eminentemente pró-ocidental, e a URSS em auxilio a intromissão da Síria, seu grande aliado na região. Para os terroristas palestinos, humilhados por essa importante derrota e massacrados por um governo árabe que desejavam destruir, o episódio ficou gravado como Setembro Negro.

Passados dois anos, no mês de setembro de 1972 a cidade de Munique era palco das atenções mundiais ao sediar os Jogos Olímpicos O comando do terrorismo palestino precisava mostrar sua vitalidade e chamar a atenção das nações para sua causa. A linguagem escolhida foi a predileta de seu repertório de ações: um seqüestro seguido de um eventual massacre espetacular em caso de fracasso.

Quinze dias antes do inicio dos Jogos, desembarcaram na Alemanha, vindos de países árabes, oito terroristas criados nos campos de refugiados e treinados no Líbano e na Síria. Foram recebidos em solo alemão por agentes do terror palestino infiltrados na Europa. Efetuaram diversas visitas as cercanias do alojamento dos israelenses. estudando intensamente a região da ação terrorista.

No dia 5 de setembro, as 5 horas da manha, oito terroristas invadiram a vila olímpica em direção aos quartos da delegação de Israel. Inacreditavelmente, apenas um policial alemão guarnecia a área e, ao ser rendido, entregou a arma e foi liberado. Nem todos os atletas estavam no alojamento. Quando os invasores forcaram a porta do primeiro quarto, o alarme foi dado pelo técnico da equipe de luta-livre Moshe Weinberg, 32 anos, e por Joseph Romano, 21 anos, da equipe de halterofilismo. Muitos atletas puderam saltar pelas janelas dos quartos e fugir graças a esses dois mártires, que morreram no local, após receberem uma rajada de metralhadora através da porta que sustentavam. Os terroristas detiveram, então nove atletas como reféns. Duas horas após o ataque, a policia bloqueou a vila olímpica. Logo havia 12.000 policiais e 25 atiradores de elite no local.

Ao meio-dia, os terroristas se declararam pertencentes a organização Setembro Negro e fizeram uma declaração de propósitos, acompanhada de um ultimato, exigindo a libertação de 250 palestinos das cadeias de Israel e a transferencia dos reféns para uma capital árabe que não fosse Ama ou Beirute. O governo de Jerusalém respondeu que jamais cederia as exigências dos terroristas. Longas horas de negociações entre os seqüestradores e as autoridades alemãs levaram o mundo a momentos de angustia e tensão.

Finalmente, as 22 horas, três helicópteros decolaram da vila olímpica em direção ao aeroporto militar de Fuerstenfeldbruck, usado pela OTAN, conduzindo os oito terroristas e seus nove reféns para um vôo rumo a Tunísia. Após a aterrissagem na pista mantida quase as escuras, dois árabes do grupo se dirigiram ao avião da Lufthansa para uma vistoria. Antes que chegassem a aeronave atiradores de elite do exercito alemão, que estavam escondidos em pontos estratégicos do aeroporto, iniciaram um intenso tiroteio que foi respondido pelos seqüestradores. Imediatamente, ouviu-se uma explosão de granada dentro de um dos helicópteros e rajadas de tiros mataram os nove atletas israelenses. Cinco terroristas palestinos foram mortos e três presos.
O mundo assistiu em lagrimas as homenagens fúnebres prestadas por 80 mil pessoas no estádio olímpico de Munique. No meio das delegações, onze cadeiras vazias lembravam os atletas assassinados.

A Orquestra Filarmônica de Munique abriu a cerimonia com a "Marcha fúnebre" de Beethoven. Somente as delegações dos países árabes e da Rússia estavam ausentes.O símbolo do espirito olímpico estava manchado de sangue inocente, em melo a um sentimento de vergonha. A pira olímpica que deveria simbolizar a paz e a harmonia entre os povos representava uma grande vela em memória dos onze atletas mortos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

Quebrando o gelo da Guerra Fria

Antes de se tornar o grande vilão do caso Watergate, o presidente americano Richard Nixon equacionava velhas divergências ideológicas com diplomacia. Teve habilidade suficiente para garantir a hegemonia econômica americana assinando acordos de paz e distribuindo apertos de mão. Cracas a sua política externa conciliadora, quebrou o gelo com países do bloco comunista em plena Guerra Fria, quando viajou para a China e a União Soviética, em 1972. As visitas selaram uma trégua entre os países capitalistas e socialistas, que na época se envolviam em inúmeros conflitos regionais, e conferiram a Nixon o papel de articulador da paz mundial. A détente, como ficou conhecida a nova política externa adotada pelos EUA, passou a tratar os países comunistas como concorrentes em vez de inimigos —de acordo com o próprio Nixon.

No entanto, mais do que um prenuncio de paz, a aproximação com os países comunistas serviu para reforçar os interesses estratégicos dos Estados Unidos e ditar novas regras de convivência entre as principais potências mundiais. A nova política em relação a China e os tratados de desarmamento com a União Soviética eram prioridades de Nixon que seria candidato a reeleição em novembro de 1972. Quando desembarcou em Pequim, em fevereiro daquele ano, o presidente se reuniu com o premier Chou En-Lai para assinar um acordo de cooperação comercial e cultural entre os dois países. A iniciativa pôs fim ao embargo econômico de anos imposto a China pelos EUA—embora, e claro, não impedisse Nixon de ordenar o bloqueio dos portos vietnamitas.

A viagem para a União Soviética aconteceu em maio do mesmo ano. No decorrer da visita, as formalidades foram reduzidas ao mínimo. Depois de longas conversas, em que negociaram as clausulas dos tratados de paz, Nixon e o secretário-geral do Partido Comunista, Leonid Brejnev, assumiram o compromisso de limitar o arsenal atômico dos dois países.

Essas diretrizes políticas—que muito colaboraram para a distensão mundial—também resolveram problemas de ordem interna dos EUA. Promovendo encontros diplomáticos ao lado de seu assessor de política externa, Henry Kissinger, Nixon se livraria de sua maior fonte de prejuízo: a Guerra do Vietnã. Os gastos excessivos com armamentos causaram um enorme estrago no orçamento militar americano e culminaram numa grave crise econômica. Alem de consumirem US$ 30 milhões, as operações de combate deixaram um vergonhoso saldo de 36 mil soldados mortos nos campos de batalha.

Em pouco tempo, os dias de glória de Nixon se transformariam em pesadelo. Reeleito presidente, seu nome surgiria no topo da lista de envolvidos no caso Watergate, que misturava espionagem na sede do Partido Democrata com a doação ilegal de fundos para sua campanha eleitoral. Essas acusações terminariam por provocar sua renuncia, em 1974.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

O escândalo político do século

O Comitê para a Reeleição do Presidente estava disposto a tudo para garantir a vitória do republicano Richard Nixon no final de 1972. Uma das medidas era invadir a sede do Partido Democrata em Washington, no edifício Watergate, e obter informações sobre os adversários. Houve uma "visita" no inicio de junho. Microfones foram instalados e documentos fotografados, mas John Mitchell, chefe do comitê, achou o resultado insatisfatório e pediu material melhor. Na segunda invasão, na noite de 17 de junho, o fracasso: os cinco arrombadores e "grampeadores"—entre eles James McCord, ex-FBI, ex-CIA e então responsável pela segurança do CRP—foram presos em flagrante. Começava ali um dos maiores escândalos políticos de todos os tempos.

Anotações encontradas com os detidos incriminavam Gordon Liddy, ex-FBI, e Howard Hunt, ex-CIA, ambos funcionários da Casa Branca, que logo procurou se eximir de qualquer responsabilidade no episódio. O próprio Nixon afirmava que o Governo não estava "de forma alguma" envolvido no assunto. Não era bem assim, e os acontecimentos se aceleraram dali a dias, quando Liddy foi demitido por se recusar a depor no FBI e Mitchell renunciou. No fim de agosto, outra denuncia: contadores federais apontaram irregularidades na aplicação de recursos pelo CRP—uma grande soma fora parar na conta de Liddy.

Em 15 de setembro, os cinco presos em flagrante e mais Hunt e Liddy foram indiciados por conspiração, roubo, espionagem e escuta ilícita de conversas telefônicas. Na verdade, porem, não podiam ser provadas ligações incontestáveis entre eles e funcionários mais altos da Casa Branca. Por essa época, .soube-se depois, Nixon e dois de seus principais assessores, Harry Haldeman e John Erlichman, andavam em frenética atividade, destruindo documentos comprometedores que revelavam pagamentos descabidos, sonegação de impostos, contribuições estranhas para a campanha, truques baixos contra os rivais e vigilância ilegal dos políticos oponentes, inclusive com a utilização do FBI e da CIA.

Dois repórteres do "Washington Post", Bob Woodward e Carl Bernstein, iniciaram em outubro uma serie de reportagens em que tentavam provar que a invasão de Watergate não fora uma ação isolada, e sim parte de um grande plano de sabotagem contra o Partido Democrata. O caso começou a esquentar, mas não a ponto de impedir que Richard Nixon se reelegesse em novembro. O desfecho bombástico da história só viria em 1974.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

No tabuleiro, a vitória americana

Era a Guerra Fria disputada num tabuleiro. A serie de partidas que colocou em jogo o titulo mundial de xadrez, iniciada em 12 de julho de 1972 em Reykjavik, capital da Islândia, foi, por razoes esportivas ou não, a mais espetacular da História, De um lado estava o irritadiço e temperamental americano Bobby Fischer, o desafiante de 29 anos; do outro, o tranqüilo e educado russo Bóris Spassky, 35 anos campeão mundial ha três.

O genial mas complicado Bobby Fischer simplesmente não compareceu a cerimonia de abertura e recusava-se a jogar se não fosse mais bem pago (um providencial patrocinador salvou a situação). Perdeu o primeiro jogo e boicotou o segundo, por não concordar com a presença das câmeras, mas em seguida seu virtuosismo ressurgiu com todo o esplendor: em quatro partidas, ficou quatro pontos a frente de Spassky. Parecia tao inacreditável que os homens da segurança do russo fizeram questão de desmontar a cadeira do "menino prodígio do Brooklyn": procuravam algum dispositivo eletrônico que o ajudasse a vencer. No 56° lance da 213 partida, em 1º de setembro, Spassky estendeu a mão sobre o tabuleiro, cumprimentando o adversário. Fischer tornava-se o primeiro americano campeão mundial de xadrez e dava um fim a hegemonia soviética, que vinha desde 1948.

Robert James Fischer nasceu em 1943 em Chicago, mas foi criado em Nova York. Aos 14 anos—um adolescente alto, desengonçado e com um talento a toda prova—ganhou o primeiro de seus oito campeonatos nacionais de xadrez, jogo que já dominava desde os 6 anos de idade. Aprendeu russo, francês, espanhol, alemão, holandês e servocroata para ler as publicações especializadas sobre o assunto. Na década de 60, poderia ter tido melhor sorte em termos mundiais, mas era comum recusar-se a competir ou abandonar as disputas, alegando problemas pessoais.

Arrogante, megalomaníaco e excêntrico, mas considerado por muitos o maior jogador de xadrez de todos os tempos, Bobby Fischer iniciou em 1970 a arrancada para o titulo máximo. Depois de vencer o campeonato interzonal de Palma de Mallorca, massacrou os mestres Taimonov (URSS) e Larsen (Dinamarca). Ao derrotar em 1971 o armênio Tigran Petrossian, campeão mundial de 1963 a 1969, adquiriu o direito de desafiar Spassky.

Fischer perderia o titulo em 1975 ao se recusar a enfrentar o desafiante soviético Anatoly Karpov. Depois de anos numa semiclandestinidade que praticamente o transformou em lenda, reapareceu em 1992, em revanche concedida a Spassky na Iugoslávia. Ganhou, mas foi uma vitória chocha contra um jogador que já não estava nem entre os cem melhores do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

Amizade sim, interferência não

Dois anos de muitas turbulências aguardavam o Oriente Médio a partir do dia 6 de julho de 1972. Nesta data, o presidente do Egito, Anwar Sadat, expulsou do pais mais de 15 mil técnicos e conselheiros da União Soviética, parceiro militar desde a década de 50. A decisão foi conseqüência de uma serie de ressentimentos que o presidente do Egito acumulava em relação aos soviéticos, desde pedidos de armamentos negados ate uma interferência exagerada nos negócios do pais. O homem que seis anos depois iria ganhar o Prêmio Nobel da Paz estava pronto, naquele momento, para prosseguir com seu objetivo de unir os árabes contra Israel, fato que teria conseqüências desastrosas para a economia mundial nos anos seguintes.

Os equipamentos militares soviéticos que se encontravam no pais deveriam ser vendidos para o Egito ou levados de volta. Prevaleceu a segunda opção e, no dia 16 de junho, já não havia mais nenhum vestígio dos velhos aliados comunistas no pais. A partir de então, todas as negociações entre os dois países deveriam ser feitas no Cairo, e não mais em Moscou. Sadat dizia não querer que os soviéticos lutassem a batalha dos árabes, queria autonomia. 'Eles seriam amigos, nada mais do que isso. Não teriam o Egito no bolso", afirmou.

O presidente do Egito tinha amadurecido a convicção de que não poderia contar com os soviéticos nem para o caso de uma guerra contra os israelenses—que cada vez recebiam mais armas dos Estados Unidos—nem para uma paz então improvável, já que desde a derrota vexaminosa dos árabes na Guerra dos Seis Pias, em 1967, a posição de Israel na região passara a ser de absoluta supremacia militar. Do lado dos soviéticos, ganhou forca a suspeita de que Sadat estivesse negociando com os americanos.

Mas a decisão de Sadat acabou tendo um desfecho inesperado. Os Estados Unidos, aliviados por não terem mais os soviéticos estacionados ao lado de Israel, relaxaram a atenção dispensada a região. Já o governo de Israel acreditou que a retirada dos principais aliados do inimigo significava uma possível tentativa de aproximação de paz. Isso explica, em parte, o total despreparo das forcas israelenses quando a guerra do Yom Kippur começou, no ano seguinte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1972

O Brasil chega para ficar na F1

Jack Ickx, que liderava a corrida, levantou o braço esquerdo, num gesto que significava sua desistência do Grande Prêmio da Itália disputado no circuito de Monza em 10 de setembro de 1972. Quem vinha logo atras do belga era Emerson Fittipaldi, que só precisava de um quarto lugar para garantir o titulo da temporada, mesmo faltando duas provas. Emerson venceu e se tornou o mais jovem campeão de Fórmula 1—tinha 25 anos—e o primeiro piloto brasileiro a conquistar um titulo na categoria máxima do automobilismo.

O paulistano, filho de um jornalista especializado em corridas de automóveis, parecia predestinado a velocidade desde que em 1951, aos cinco anos, ganhara uma corrida de bicicleta patrocinada pela Radio Record de São Paulo Aos 16 anos, venceu varias provas de motocicleta e começou a correr de kart. Um ano depois, o "Rato", como era chamado desde criança, conquistou os campeonatos paulista e brasileiro da categoria. Os pais gostariam que ele e o irmão mais velho, Wilson Fittipaldi Jr. (que fora em 1964 para a Europa tentar correr na Fórmula 3) se dedicassem aos esportes náuticos. Emerson se esforçou, mas a praia não era a dele: só abiscoitou uma magra vitória numa prova disputada na represa Billings. E passou de vez para os carros.

Com 18 anos, carteira de motorista no bolso, Emerson estreou numa corrida na Ilha do Fundão, no Rio, dirigindo um Renault "envenenado". As vitórias custaram a aparecer, mas ele insistiu e em pouco tempo pilotava um Fitti-Porsche construído pelos dois irmãos. Aos 20 anos, foi campeão brasileiro de Fórmula V. Seguiu correndo enquanto reunia condições financeiras para vôos mais altos. Em 1969, partiu para a Europa.

Na Inglaterra, fez sucesso na Fórmula Ford e na Fórmula 3, subindo de categoria ate chegar a Fórmula 1, convidado pelo diretor da Lotus, Collin Chapman. O estreante Emerson ganhou, no final de 1970, o Grande Prêmio dos Estados Unidos—sua primeira vitória na categoria. No ano seguinte, porém, com um novo modelo Lotus turbinado, o desempenho do brasileiro foi medíocre.
A Lotus-Ford voltou ao carro tradicional em 1972. Foi o bastante para Emerson sagrar-se campeão mundial, feito que repetiria em 1974. Ele correu profissionalmente ate 1996, quando um acidente na Fórmula Indy, em Michigan, o tirou das pistas. O piloto nunca fez um anúncio formal de saída, mas um outro acidente, em setembro de 1997, quando voava de ultraleve, selou seu afastamento definitivo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

Nunca tínhamos ido tão longe

No dia 2 de março de 1972, quando a pequena sonda espacial Pioneer 10 foi lançada da plataforma de Cabo Canaveral, na Flórida, nem o mais otimista dos técnicos da Nasa podia prever que estava começando ali uma jornada de glória. Sua missão era chegar a Júpiter, se conseguisse ultrapassar incólume o cinturão de asteróides depois de Marte e resistir ao intenso campo magnético do planeta gigante. Não só realizou o feito como seguiu em frente, registrando sua passagem pelas imediações de cada um dos planetas do Sistema Solar, cujas fronteiras abandonou em 1983. A Pioneer 10 chega ao fim do século viajando em direção a Aldebarã, a estrela que forma o olho da constelação do Touro, aonde devera chegar dentro de uns 2 milhões de anos.

Em seu bojo, a Pioneer leva uma pequena placa de alumínio folheada a ouro, com a imagem de um homem e uma mulher, alem de detalhes do Sistema Solar e sua localização no Universo, para o caso de vir a ser encontrada por alguma civilização extraterrestre. Ate 1997, quando se esgotou a energia do transmissor, ainda se comunicava com a Terra.

Quando chegou a Júpiter, em dezembro de 1973, a Pioneer 10 começou a justificar seu nome: tornou-se a primeira nave espacial a visitar um planeta exterior—um dos nossos vizinhos distantes. Entrou na magnetosfera jupiteriana, 136 mil quilômetros acima de sua superfície, e tomou medidas sobre sua temperatura e campo magnético. Foi assim que se ficou sabendo que Júpiter e uma bola de hidrogênio liquido quente misturado com hélio, os elementos mais leves e abundantes no Universo. Prosseguindo a jornada aos confins do Sistema Solar e alem dele, a Pioneer 10 tornou-se também o objeto feito por mãos humanas a ir mais distante da Terra.

Ao sair ilesa da visita a Júpiter, a sonda abriu caminho para sua sucessora, a Pioneer 11, lançada em 1973, que chegou a distancia de apenas 46.700 quilômetros da superfície do planeta. Graças aos conhecimentos recolhidos pelas duas sondas, foi possível projetar as naves Voyager 1 e 2, que, lançadas em 1977, realizariam uma espetacular missão de recolhimento de dados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

Marlon Brando, mafioso e sedutor

Só deu Marlon Brando em 1972. O ator, que vinha de uma fase de ostracismo. brilhou nas telas em dois filmes que dariam o que falar por anos a fio: "O poderoso chefão" e "O último tango em Paris"—o primeiro, por sua interpretação brilhante de um chefão da Máfia; o segundo, pela polemica em torno do jogo de sedução e sexo que protagonizou em parceria com Maria Schneider.
Baseado no livro do escritor Mario Puzo e dirigido por Francis Ford Coppola, "O poderoso chefão" bateu em apenas nove meses o recorde de bilheteria de "...E o vento levou" (US$ 81,5 milhões), que já durava mais de 30 anos. Em dois anos e meio, arrecadou US$ 330 milhões. Desse total, o vantajoso contrato de Marlon Brando Ihe rendeu mais de US$ 20 milhoes. Merecidos.

Parte do sucesso do filme se deve a sua atuação, vencedora de um Oscar, o segundo de sua carreira—que ele, alias, não foi receber. Em protesto contra a situação dos índios americanos, mandou em seu lugar uma jovem índia apache. Das dez categorias a que foi indicado, "O poderoso chefão" levou mais duas estatuetas: de filme e roteiro adaptado, este de Coppola e Puzo.
O filme de Coppola mergulha na estrutura familiar dos imigrantes italianos que formaram uma poderosa rede de crime organizado nos Estados Unidos—praticamente a metáfora de uma grande empresa na economia de livre mercado, com suas estratégias de guerra e competição acirrada. Por mais de três horas, nada cansativas, a saga da família Corleone e narrada de forma violenta, tensa, com ótimos desempenhos de Brando, Al Pacino, James Caan e Robert Duvall. Para interpretar Don Vito Corleone, Brando fez implantes na boca para aumentar seu queixo e criou uma voz rouca e baixa para caracterizar o personagem. Pacino e o protagonista das continuações—a primeira, de 1974, ótima; a segunda, de 1990, bem inferior aos outros dois filmes.

"O ultimo tango em Paris" provocou mais repercussão pelo roteiro ousado do que por outros méritos. No filme de Bernardo Bertolucci, Brando e um americano frustrado e solitário que se encontra casualmente com uma jovem francesa, sem preconceito e as vésperas de se casar, num apartamento a venda em Paris. Em três dias, o casal faz as maiores estripulias sexuais no imóvel vazio—numa cena celebre da maratona sexual, chegam a usar manteiga de modo pouco ortodoxo. A paixão clandestina provocou reações explosivas em todo o mundo e fez com que, durante anos, a obra permanecesse na fronteira da arte com a pornografia. Bertolucci, então com 31 anos, foi processado por atentado a moral, mas acabou absolvido pela Justiça francesa. No Brasil, o filme foi proibido por sete anos, ate ser liberado sem cortes pela censura. A cena da manteiga já não chocava ninguém.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

O canibalismo como salvação

Um acidente aéreo ocorrido nos Andes em 1972 provocou um debate mundial em torno de um dos maiores tabus da Humanidade: o canibalismo. Foi comendo carne humana, como se soube depois , que os sobreviventes da queda de um Fairchild da Forca Aérea do Uruguai conseguiram manter-se vivos durante 69 dias nas montanhas geladas entre Montevidéu e Santiago, ate serem resgatados por helicópteros chilenos. O fato, chocante, foi explorado a exaustão pela mídia, que ouviu religiosos, psiquiatras, juristas e médicos. Após a polemica, fez-se um silencio tácito ate que, três anos depois, o lançamento do livro "Os sobreviventes", escrito pelo inglês Piers Paul Reed a partir de relatos dos protagonistas da tragédia, esquentou novamente o debate: dessa vez, discutia-se se era licito aos sobreviventes ganhar dinheiro com um incidente do qual eles só haviam saído vivos por terem recorrido aos companheiros de vôo para se alimentar. O caso ainda rendeu mais um livro e dois filmes: o ruim "Sobreviventes dos Andes", de 1976, e "Vivos", de 1993.

A tragédia dos Andes começou no dia 13 de outubro. Uma falha no motor provocou a queda do Fairchild quando o avião sobrevoava a cordilheira, com 45 pessoas a bordo: cinco tripulantes e 40 passageiros—jovens jogadores de um time uruguaio de rugby, o Old Christians, que faria uma partida em Santiago, acompanhados de parentes e amigos Vinte e uma pessoas morreram na queda ou em conseqüência dela. Dos outros 24, oito seriam soterrados alguns dias depois, vitimas de uma avalanche. Os restantes, duas vezes sobreviventes, ainda tiveram que superar uma noticia desastrosa, ouvida no radio ligado a bateria do avião: as buscas, depois de oito dias, estavam sendo suspensas.

Abandonados, os jovens, quase todos filhos de famílias ricas e de classe media alta de Montevidéu, se organizaram: a água era obtida derretendo-se a neve. Em relação a comida, diante do desespero, optou-se por uma medida extrema: alimentar-se da carne dos mortos, mantida congelada sob a neve. "Não havia tempo para pensar no que ao mundo pudesse parecer correto ou não', disse anos depois Roberto Canessa na época estudante de medicina. Ele e Fernando Parrado foram figuras fundamentais no desfecho do episódio—depois de 59 dias nas montanhas, saíram andando, dispostos a chegar a algum lugar. Dez dias depois, avistaram um camponês. Fracos para gritar, lançaram uma pedra com um bilhete, que terminava com um desesperado "por favor, venham nos apanhar".

Foram, e o mundo conheceu os momentos de horror por que haviam passado. Por trás do "milagre de Natal", como inicialmente se tratou do caso, veio a tona a terrível realidade da antropofagia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1972 

David Bowie muda a cara do rock

A industria pop recebeu com estardalhaço, em fevereiro de 1972, o andrógino andróide que David Bowie encarnava no álbum "The rise and fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars". Do alto de uma bota com salto plataforma, vestido de lamê e emoldurado por espicaçados cabelos cor de laranja, Bowie anunciava para dali a cinco anos o fim da Humanidade, fazendo uma libidinosa performance nos shows que acompanharam o lançamento do disco (inclusive lambendo a feérica guitarra de Mick Ronson, um dos músicos endiabrados dos Spiders from Mars). A juventude que John Lennon acabara de deixar órfa de sonhos identificou-se plenamente tanto com a mensagem como com o mensageiro apocalíptico. Para muitos, "Ziggy Stardust" era o fato mais importante a acontecer na seara do rock desde os Beatles. E David Bowie, com todas as mutações musicais experimentadas a partir daquele momento, influenciaria boa parte do rock que se fez ate o fim do século.

Esse não foi o único personagem criada por Bowie autor da "denuncia" de que "o rock'n'roll não passa de uma pose". Ele próprio só se desfez da imagem que construiu para si numa espécie de ritual de exorcismo, enterrando o que se pensava ser o seu alter ego na noite de 3 de julho de 1973, em Londres, ao avisar que aquele seria o ultimo show da carreira de Ziggy Stardust e cantar em seguida "Rock'n'roll suicide", uma pungente balada sobre o desespero e a solidão. Quando voltou a cena, era apenas "um cara maluco" ("a lad insane"), trocadilho inevitável com o nome do álbum que lançou em seguida, "Alladin sane".

Os personagens de Bowie atraiam para si os holofotes da mídia—um deles, o Thin White Duck de "Station to station" foi o que causou mais impacto (e polemica), ao fazer a saudação nazista para os inúmeros fãs que se acotovelaram na Victoria Station para recebe-lo, em Londres. Mas a postura chocante de Bowie sempre vinha acompanhada de um cuidado extremo com a musica e a letra de suas canções. Quando abandonou os personagens—anos depois ele se diria "aliviado' por tê-lo feito —deixou que a verve de ator se desenvolvesse no cinema em filmes como "O homem que caiu na Terra", "Furyo—Em nome da honra" e "Fome de viver".
Bowie foi a própria revolução permanente do rock—inventou a "plastic soul" para adaptar a musica negra aos ouvidos brancos e logo em seguida enveredou pela cerebral musica eletrônica, cujas bases definiu na trilogia "Low", "Heroes" e "Lodger" que compôs com Brian Eno. Foi surpreendente ate quando optou pela normalidade, com "Let's dance"—que, embora tenha sido recebido com escárnio pela critica, foi o primeiro grande sucesso comercial de sua vida, rendendo-lhe milhoes de dólares. o cantor/compositor, pródigo em criar novas tendências na musica, inovou ate mesmo ao lançar no mercado financeiro, nos anos 90, os Bowie bonds, títulos do artista negociados na Bolsa de Valores.

Fonte: O Globo - Texto integral