Em 1973 as principais manchetes foram estas:

Golpe no Chile: o sacrifício de Allende

Os EUA batem em retirada

Crime ecológico, pena milionária

Vingança árabe no 'Dia do Perdão'

Opep desequilibra economia mundial

Terrorismo contra o franquismo
Dois crimes, nenhum culpado

Um laboratório no espaço
A ciência abre uma caixa preta
Pink Floyd deixa o 'underground'

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1973

Golpe no Chile: o sacrifício de Allende

Na manhã do dia 11 de setembro de 1973, tudo indicava que o manual latino americano de golpes de Estado seria mais uma vez aplicado no continente. Os primeiros sinais de movimentação militar começaram de madrugada na capital do Chile, Santiago, e no porto de Valparaíso. As 7h da manha, o presidente Salvador Allende já chegava ao Palácio de la Moneda. sede do Governo chileno, para coordenar o combate ao que ainda imaginava ser uma sublevação localizada. Mas logo vieram os primeiros comunicados dos rebeldes comandados pelo general Augusto Pinochet Ugarte, que ocupavam pontos estratégicos da cidade. Eles exigiam a renuncia do presidente.

As 10h30, foi transmitido o comunicado final: se Allende não se rendesse em 30 minutos, o palácio seria bombardeado pela Forca Aérea. Os militares ofereceram ao presidente e sua família um avião para deixar o pais. Isto feito, o ritual golpista latino-americano teria sido completado com êxito. Foi quando Allende tomou a decisão surpreendente e trágica de resistir. Mandou sair do palácio três dezenas de fiéis funcionários e ali permaneceu com outros tantos. Pouco depois das 11h, o palácio começou a ser bombardeado por caças da Forca Aérea. Entrincheirado no segundo andar, protegido por um capacete e com uma espingarda que havia ganhado do presidente de Cuba, Fidel Castro, Allende falou pela última vez ao pais pela Radio Magalhães: "Não vou renunciar. Pagarei com minha vida a liberdade do povo. Tenho certeza de que meu sacrifício não será em vão. Este e o meu testamento político".

Eram os últimos momentos de seu Governo e de sua vida. Depois de três horas de bombardeios, com o robusto palácio da Plaza de la Constituicion em chamas, o presidente se suicidou com um tiro. Chegava ao fim o primeiro e único governo marxista eleito democraticamente na América Latina. E começava uma das mais violentas ditaduras militares que a região conheceu, abrindo no Chile feridas que tao cedo não seriam cicatrizadas.

A tentativa de se implantar a via chilena de socialismo começou a acabar assim que nasceu, em 1970, com a eleição de Allende. Tao logo chegou ao poder com apenas 36% dos votos, a coalizão de esquerda Unidade Popular pôs em pratica sua teoria: estatizou bancos e industrias importantes, confiscou propriedades rurais para fazer a reforma agraria e nacionalizou a industria do cobre, um dos sustentáculos da economia chilena, controlada em grande parte por empresas americanas.

A reação não demorou. O empresariado nacional e o capital estrangeiro—dos EUA em primeiro lugar—iniciaram um boicote que, somado a queda na produção agrícola e à desorganização na economia, tornou o pais inviável. O regime esquerdista começava a ser asfixiado ate a agonia. O setor industrial , aliados aos fazendeiros expropriados, passou a pedir a demissão do Governo. Havia escassez de produtos. Greves paralisavam o pais de dia e, a noite, donas de casa quebravam o silencio de Santiago com "panelaços".

Foi quando o Chile desestabilizado, dividiu-se em dois: pro e contra Allende. Apoiados pelo Governo americano, os adversários políticos do presidente uniram suas forças e aliaram-se a setores descontentes das Forcas Armadas. O general Augusto Pinochet era de um deles, mas soube manobrar a ponto de ter sido nomeado pelo presidente comandante do Exercito 19 dias antes de liderar o golpe.

Com o apoio da CIA e de uma parcela dos chilenos, os militares depuseram o Governo socialista, uma junta militar assumiu o poder e o Chile mergulhou numa ditadura que durou 16 anos e meio e acabou caindo de anacrônica, em 1990, depois que todo o Cone Sul já tinha se livrado dos governos militares.

De inicio, o regime de Pinochet contou com o respaldo de uma parcela importante da população e de partidos políticos liberais, como o democrata cristão. Eles tinham a ilusão de que os militares "colocariam ordem na casa e devolveriam o poder aos civis, como vários políticos disseram mais tarde em incontáveis autocríticas.

Mas logo os golpistas mostraram a que tinham vindo: dissolveram os partidos políticos e iniciaram uma repressão violenta. Imediatamente depois do golpe do dia 11 de setembro, a ditadura criou campos de prisioneiros, de onde milhares de opositores do re,gime nunca mais saíram. O maior deles foi o do Estádio Nacional, onde presos eram submetidos a julgamentos sumários e, em muitos casos, fuzilados.

Nos dias que se seguiram ao golpe, corpos boiavam no Rio Mapocho, em Santiago. Um total de 3 197 vitimas da ditadura foi oficialmente reconhecido pelo Estado depois da redemocratização: 2.095 mortos por execução extrajudicial ou durante sessões de tortura e 1.102 pessoas desaparecidas. Os milhares de chilenos torturados e que sobreviveram não entraram na conta oficial.
Enquanto mantinha o pais sob regime de terror. a ditadura de Pinochet realizou uma ampla reforma econômica baseada na abertura ao capital estrangeiro e na privatização. Foi o inicio do "milagre chileno", que domou a inflação e ajeitou as contas do pais, mas impôs um clima de salve-se-quem-puder econômico que relegou a pobreza uma grande parcela da população.

A ditadura terminou depois que Pinochet foi derrotado num plebiscito e teve de convocar eleições em 1989. Conscientes de que seu regime não duraria para sempre, os militares ditaram com antecedência as regras da transição, concedendo a si próprios uma autoanistia para os crimes que jamais admitiram ter cometido. Pinochet continuou no comando do Exercito ate marco de 1998 e depois se tornou senador vitalício conforme estabelecido na Constituição aprovada pelos militares.

Esta troca peculiar de democracia por impunidade deu aos chilenos uma ilusão de dever cumprido. Mas a dificuldade de reconciliação nacional logo ficou clara. O pais que havia sido pro e contra Allende se dividiu entre os que odeiam Pinochet e os que nutrem uma admiração quase religiosa por ele (estes últimos dizem que o general livrou o Chile do marxismo e da anarquia). Essa divisão ficou mais clara do que nunca em outubro de 1998, quando, numa reviravolta da Historia impensável no passado, Pinochet foi preso em Londres a pedido da Justiça da Espanha para responder pelos crimes da ditadura. O pais então se deu conta de que ainda estava longe de curar as feridas do passado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Os EUA batem em retirada

Os únicos soldados americanos que permaneceram no Vietnã do Sul, depois das 18h do dia 29 de marco de 1973, foram os 150 fuzileiros que guardavam a embaixada em Saigon e os 50 oficiais do escritório do adido militar. Os últimos combatentes dos EUA tinham acabado de voltar para casa. Desse modo chegava ao fim a participação americana numa guerra inglória, que pendurou no Governo americano uma conta de US$ 110 bilhões, 50 mil mortos e 300 mil feridos ao longo de quase nove anos de combate. A retirada das tropas americanas era uma das condições para o cessar-fogo que fora assinado em 27 de janeiro em Paris, entre os governos dos Estados Unidos, do Vietnã do Norte e do Vietnã do Sul e o Governo Revolucionário Provisório, instalado em 1969 pelos vietcongues.

Desde maio de 1968 as conversações para a paz vinham sendo mantidas, com avanços e recuos. De efetivo, ate então, só houvera a redução dos bombardeios de Hanói, capital do Vietnã do Norte, e a retirada gradual dos soldados dos Estados Unidos (que chegaram a somar 540 mil na região). Mas, pressionado pela opinião publica americana—que passara a gostar ainda menos da Guerra do Vietnã depois que ela se estendera ao Laos e ao Camboja—e por fim convencido de que o regime sul-vietnamita comandado pelo presidente Thieu não era capaz de sobreviver as próprias custas (ao contrario do Vietnã do Norte), o Governo americano apressou o cessar-fogo para encerrar uma guerra que, como já estava demonstrado, jamais poderia ganhar.

Do acordo constava ainda a libertação dos prisioneiros de guerra de ambos os lados. Uma força internacional de paz—com 1.160 militares do Canada, Polônia, Hungria e Indonésia—iria supervisionar a trégua. Ao povo do Vietnã do Sul era reconhecido o direito de escolher seu futuro, sem quaisquer ingerências. O presidente americano Richard Nixon, quando anunciou pela televisão a iminente assinatura do cessar-fogo, declarou, possivelmente no intuito de levantar o animo dos compatriotas, que os objetivos pelos quais eles lutaram haviam sido atingidos. Le Duc Tho, chefe da delegação norte vietnamita em Paris, tinha outra opinião. Para ele, a vitória era deles: "O certo triunfou sobre o errado".

Diante de uma câmera de TV americana, uma vietnamita traduziu o receio de um povo: "Que guerra acabou? Só se for a dos americanos, não a nossa". De fato, os vietcongues exigiram a saída de Thieu e a formação de um Governo de coalizão. O presidente não aceitou e vieram violações da trégua de parte a parte. Em um ano. morreram mais 50 mil pessoas. No dia 30 de abril de 1975, os vietcongues tomaram Saigon, decretando o fim do Vietnã do Sul. Os EUA, que haviam mantido representação no pais, deixaram definitivamente a região.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Crime ecológico, pena milionária

O juiz Jiro Saito, do tribunal de Kumamoto, leu a sentença: a fabrica de produtos químicos Chisso era culpada. Sua negligencia ao jogar na Baia de Minamata toneladas de mercúrio tinha provocado a debilidade mental e a morte de centenas de moradores da ilha de Kyushu, no Sul do Japão. Coroando uma luta de mais de 20 anos a Chisso era condenada a pagar o equivalente a US$ 600 milhoes as 138 pessoas que moviam o processo. Naquele 20 de março de 1973, pela primeira vez na História, uma empresa era oficialmente responsabilizada por um desastre ambiental.

A história teve inicio na década de 40, logo após a guerra. A Chisso começou a usar mercúrio para fabricar cloreto de vinila e acetaldeído, jogando os resíduos num rio que desaguava na Baia de Minamata. Ate então, nada se sabia sobre o teor tóxico do mercúrio e sua propriedade de se acumular no organismo e na cadeia alimentar. Quando os peixes começaram a agir de modo estranho, nadando em ziguezague na direção dos pescadores, estes ate comemoraram: era mais fácil captura-los. Depois, foram os gatos: babavam, se contorciam, caiam no chão. Em seguida, os seres humanos. No dia 21 de abril de 1956, uma criança de 5 anos chegou ao hospital com disfunção nervosa. Foi o primeiro de uma serie de casos: crianças e adultos sentiam o campo de visão se estreitar ate a cegueira completa, perdiam o paladar, não sustentavam objetos nas mãos, os braços tremiam, as pernas vacilavam. Finalmente, perdiam a razão. Ou morriam.

A principio os médicos pensaram tratar-se de doença contagiosa desconhecida Em 1958, a própria direção do hospital mantido pela Chisso concluiu que a causa era a ingestão de peixes contaminados com produtos químicos lançados na baia. A empresa rejeitou o diagnóstico e parte dos moradores ficou do seu lado: mexer com a Chisso ameaçaria a economia local, pois a empresa pagava 90% dos impostos municipais e gerava empregos.

Apenas em 1968 foi reconhecido que o poluente era o metilmercúrio, uma forma que o mercúrio toma guando em contato com ar ou água. E só em 1970 a Chisso interrompeu seu uso na produção de cloreto de vinila. Calcula-se que morreram ate hoje 887 pessoas. Ainda existem 2.209 vitimas do mal de Minamata. O trabalho de despoluição da baia começou em 1977 e só terminou em 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Vingança árabe no 'Dia do Perdão'

O Yom Kippur, "Dia do Perdão", a data mais sagrada do calendário judaico, deve ser passado em silencio, seja nas sinagogas ou em casa, com os fiéis refletindo sobre o perdão e o pecado, rendidos a profundas meditações sobre suas vidas. Mas tudo o que o dia 6 de outubro de 1973 não teve foi isso, silencio e contrição. O "Dia do Perdão" mal começava guando milhares de soldados egípcios e sírios, apoiados por um forte bombardeio aéreo, invadiram o território de Israel. A vingança demorara seis anos para se consumar. O que a humilhante derrota árabe na Guerra dos Seis Dias, em 1967, produzira de ódio e rancor nos vizinhos agora se manifestava num violento conflito, que surpreendeu os israelenses e mudou o panorama político na complicada região do Oriente Médio.

O principal objetivo dos árabes era a retomada dos territórios conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias: a Cisjordania, o setor oriental de Jerusalém, as colinas de Gola e a península do Sinai. O fator surpresa fez com que, pela primeira vez, obtivessem supremacia—ainda que temporária—num conflito com Israel. Nas colinas de Gola, 180 tanques israelenses tiveram que enfrentar milhares de tanques sírios, enquanto no Canal de Suez 500 soldados israelenses se depararam com 80 mil egípcios. Alem da União Soviética, mais nove Estados, nem todos do Oriente Médio, ajudaram Síria e Egito, como Arábia Saudita, Líbia, Tunísia e Argélia, com o envio de tropas ou de armamentos.

Enquanto tentativas de contra-ataque eram repudiadas com o uso de antitanques e mísseis aéreos, os egípcios atravessavam o Canal de Suez e as tropas sírias penetravam em Israel através das colinas de Golã. Contudo, quando as forcas de reserva foram acionadas, os israelenses conseguiram atravessar o Canal de Suez e encurralar o Terceiro Exercito egípcio no dia 20.

O Exercito de Israel, que recebeu o apoio dos Estados Unidos na provisão de armas, também chegou a 32 quilômetros de Damasco, capital da Síria. No entanto, por pressão das superpotências—já que o embargo de petróleo pelos árabes tinha começado no dia 16 —houve um cessar-fogo no dia 22. Apesar de terem perdido a guerra, os árabes provocaram em Israel a disposição de participar de negociações de paz, já que sua supremacia militar fora abalada. Contribuíram para isso os 2.288 soldados israelenses mortos, o maior numero de perdas registrado no pais em um conflito com os árabes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Opep desequilibra economia mundial

No dia 16 de outubro de 1973, em plena Guerra do Yom Kippur, os países árabes descobriram um modo menos violento de atingir seus objetivos. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), controlada por Arábia Saudita, Ira, Iraque e Kuwait, aumentou o preço do barril de US$ 3 para US$ 5. Logo em seguida, os países árabes decretaram boicote aos Estados Unidos e Holanda, aliados de Israel. No começo de novembro, os produtores da região cortaram sua produção em 25% e na véspera do Natal, a Opep fixou um novo preço para o barril: US$ 11,60. Era o começo de uma crise que iria provocar recessão de alcance mundial, entre países ricos e pobres, com direito a inflação galopante e elevação absurda dos déficits públicos.

A polemica decisão era uma pressão para que Israel abandonasse os territórios conquistados aos árabes e reconhecesse os direitos do povo palestino. Os países árabes estabeleciam cotas de produção de petróleo e vendiam apenas para quem não apoiasse a política israelense no Oriente Médio. Deu certo. Nos Estados Unidos, o maior alvo do embargo, o racionamento foi rigoroso. Os postos vendiam gasolina em quantidades limitadas sob a estrita vigilância do Governo. Para o cidadão americano, acostumado a poucas restrições no lazer cortar as viagens de fim-de-semana. com toda a família, foi um sufoco. Países como o Japão, cuja demanda por combustível dependia em 80% dos árabes, passaram a fazer acordos bilaterais, nada vantajosos e muito criticados.

Sem exagero, o mundo tornou-se, de um momento para o outro, refém da Opep. O único lado bom da crise foi o aperfeiçoamento das pesquisas de fontes alternativas de energia, como a solar e a nuclear. No Brasil, o maior efeito dessa confusão internacional foi a criação do programa Proálcool, que inventava o álcool como opção de combustível.

Quando a crise acabou, contudo, em marco de 1974, sem que os objetivos políticos dos árabes fossem alcançados, o déficit comercial de US$ 11 bilhões dos países desenvolvidos e de US$ 40 bilhões dos subdesenvolvidos deixou claro para todo o mundo o perigo da situação política e religiosa no Oriente Médio. Uma nova prova foi a crise do petróleo ocorrida em t979, após a instalação da Republica islâmica no Ira, o segundo maior exportador da Opep. A década de 80 se iniciaria com a sombria perspectiva de mais recessão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Terrorismo contra o franquismo

O general Francisco Franco achava que, ao nomear Luis Carrero Blanco para o cargo de primeiro-ministro da Espanha, em junho de 1973, estava garantindo a ditadura no pais. Mas o grupo separatista basco ETA radicalizou, assassinando Blanco seis meses depois e mostrando que o terrorismo era antídoto rápido e eficaz contra o franquismo. Carrero Blanco era o melhor amigo do "Generalíssimo" Franco e vinha aplicando a linha dura do ditador, ate que o atentado a bomba explodiu seu carro e o matou, aos 70 anos.

Carrero Blanco seguia havia décadas a lógica muito particular e repressiva de Franco, desde que fora um dos lideres dos nacionalistas na Guerra Civil Espanhola, Durante o breve período no cargo de primeiro-ministro, pertencia a ele todo o poder na Espanha—ainda não vingara a monarquia sugerida pelo príncipe Juan Carlos de Bourbon.

Os anos 60 já haviam anunciado a crise econômica e política que se estabeleceria no pais na década seguinte. O surto de industrialização e turismo havia dobrado os impostos e, nos anos 70, um relâmpago "milagre econômico" não se sustentara por muito tempo, abrindo a brecha para uma recessão sem precedente na história do pais.

Quando Carrero Blanco foi assassinado, o general Franco escolheu seu ministro do Interior, Carlos Arias Navarro, para substitui-lo. A decisão dividiu ainda mais o Governo entre os franquistas convictos e a turma de tecnocratas que, na tentativa de modernizar o pais, favorecia uma lenta democratização em lugar de uma ditadura. Navarro resolveu o impasse demitindo os tecnocratas e perpetuando a linha dura de Franco.

Essa e outras medidas repressivas de Navarro contribuíram para agravar o estado de descontentamento da população. Para completar, o primeiro-ministro mostrou-se pouco hábil em suas relações com a Igreja Católica que, se sempre estivera ao lado de Franco, já não concordava com o arbítrio. A pressão dos grupos terroristas cresceu e as greves proliferaram em diversos setores da economia.

Nesse clima caótico o pais só conheceria um certo alivio com a morte do General Francisco Franco, em novembro de 1975. O Príncipe Juan Carlos tornou-se Rei da Espanha e passou a ocupar o cargo de chefe de Estado. No inicio, apesar de estar, na maioria, descontente com os 36 anos de violência e abuso de poder do "Generalíssimo", a população resistiu a Juan Carlos, duvidando de sua capacidade para arrumar a casa, saneando o caos político e econômico. O rei agiu devagar, soltando presos políticos, legalizando partidos clandestinos e derrubando Navarro do poder. Só então a Espanha pode vislumbrar o regime democrático de que estava privada desde a década de 30.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Dois crimes, nenhum culpado

Durante anos, dois escabrosos casos policiais ocorridos em 1973 povoaram o imaginário da assustada classe media brasileira e detonaram sensacionalistas manchetes na imprensa: a morte de Aracelli e o seqüestro de Carlinhos. Ambos denunciavam a ineficiência da policia, o olhar tendencioso da Justiça, um perverso componente infanticida e a migração da violência urbana dos subúrbios miseráveis para os bairros privilegiados. O escândalo mobilizou a sociedade, que fez campanha para levantar fundos para pagar o resgate de Carlinhos e sustentar a mãe de Aracelli.

O primeiro desses casos ocorreu em maio, em Vitória, Espirito Santo. quando a menina Aracelli Cabrera Crespo, 8 anos, saiu da escola para entregar um envelope a uma pessoa jamais identificada, a mando da mãe. Seu corpo, semidescarnado por um banho de acido e em estado de decomposição, foi encontrado seis dias depois num matagal. Ela tinha sido drogada e estuprada. Era o começo de um rumoroso processo, ao longo do qual um livro ("Aracelli, meu amor", de Jose Louzeiro) seria proibido pela Justiça e uma CPI falharia na apuração dos fatos. Estavam envolvidas poderosas famílias locais, mas o crime prescreveu sem que os três principais implicados—Paulo Helal, Dante Michelini e seu filho Dante Michelini Jr.—fossem condenados.

Testemunhas capitais sumiram, investigadores foram assassinados e juizes afastados. No entanto, nada pareceu mais chocante do que a conduta da mãe da vitima, Lola Cabrera, que por dois anos não reconheceu Aracelli, cujo corpo permaneceu na geladeira do IML ate que ela se "recuperasse". Soube-se depois que Lola, alem de ter usado a filha para levar cocaína para seus carrascos, tinha sido amante de Jorge Michelini, tio de Dante Jr., e apenas o protegia com seu silencio.

Em agosto de 1973, foi a vez de a classe media carioca acompanhar atônita o caso do garoto Carlos Ramirez da Costa, o Carlinhos, seqüestrado aos 10 anos, em casa, em Laranjeiras. A investigação foi igualmente desastrosa e nunca se desvendou a identidade da pessoa que desligou o disjuntor da casa e andou com a desenvoltura de quem conhecia seus cômodos ate chegar ao quarto da TV, onde estavam Maria da Conceição e cinco dos sete filhos que tinha com o industrial João Melo. "Quero o menor deles", disse o bandido, deixando cair no chão um papel com um pedido de resgate.

Exames grafotécnicos levaram a condenação de Silvio Azevedo Pereira, funcionário da fabrica de cosméticos do pai de Carlinhos, mas ele recorreu e foi absolvido em novo julgamento. O comportamento de João Melo, que pareceu atrapalhar o trabalho da policia, levantou suspeitas, especialmente quando se soube que usou o dinheiro do resgate, recolhido através de uma campanha de doações, para pagar dividas de sua empresa. Carlinhos nunca foi encontrado, mas, em varias ocasiões, jovens com traços semelhantes apareceram, tentando se passar por ele.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Um laboratório no espaço

As missões a Lua já tinham mostrado que os astronautas não voltavam contaminados com desconhecidos micróbios cósmicos. Mas a curta permanência em órbita não era suficiente para se responder a outra questão: quais os efeitos da falta de gravidade no corpo humano? No dia 14 de maio de 1973, os EUA lançaram o Skylab (ou Sky Laboratory, Laboratório do Céu) uma estação espacial capaz de abrigar seres humanos por longas temporadas.

O Skylab não era a primeira estação a ser lançada. Desde 1971, a URSS enviava ao espaço a serie Salyut. Mas o Skylab era maior e mais ambiciosamente equipada para experimentos científicos. Tratava-se realmente de um laboratório. A 432 quilômetros de altitude, cobriu 75% da superfície terrestre, fazendo mapas das fontes minerais da Terra, suas florestas e plantações. Ate 1974, quando foi desativada, três equipes de astronautas ocuparam a estação, conduzindo 46 experimentos nas áreas de tecnologia espacial, astronomia, medicina e geociências.

O tempo de permanência no espaço subiu gradualmente. A primeira tripulação ficou 28 dias em órbita; a terceira, 84. Ritmo cardíaco, pulso, temperatura, pressão arterial, respiração, fala, ondas cerebrais e acuidade mental dos astronautas eram monitorados permanentemente. Começaram a aparecer os primeiros efeitos da falta de gravidade: perda de massa muscular e redução do numero de glóbulos sangüíneos.

Nos anos 80, quando os americanos optaram por investir nos ônibus espaciais, coube aos russos manter a pesquisa em estações. Foram lançadas sete naves da serie Salyut ate 1986, quando elas foram substituídas pela Mir. A experiência russa mostrou que, a longo prazo a gravidade zero causa perda de massa óssea, atrofia do músculo cardíaco e redução das taxas de hormônio. Agora se sabe que os astronautas tem que fazer exercícios regulares e as tripulações devem ser trocadas periodicamente—problemas a serem resolvidos antes do provável próximo passo da exploração espacial: a viagem do homem a Marte, que levara mais de 200 dias só de ida.

Quanto a Skylab, pregou um susto no planeta em 1979: abandonada, reentrou na atmosfera e, durante semanas, não se soube exatamente onde iria cair. Felizmente, não sobrou muita coisa da nave após o choque de reentrada, e fragmentos foram cair no Oceano Indico e numa região deserta da Austrália.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

A ciência abre uma caixa preta

Dois cientistas americanos sentaram-se para almoçar num hotel do Havaí e, cada um com seu sanduíche na mão, começaram a descrever um para o outro o que faziam. Stanley Cohen, bioquímico da Universidade de Stanford, explicou que estudava plasmídeos, pequenas unidades de DNA que podiam carregar informações genéticas de uma bactéria para outra. Ele sabia como introduzir o plasmídeo de uma bactéria em outra, mudando o desenho genético da segunda mas não sabia como alterar a informação genética do plasmídeo. Herbert Boyer, bioquímico da Universidade da Califórnia, a pouco mais de 50 quilômetros de Stanford, contou que trabalhava com enzima de restrição, uma proteína que permite cortar pedaços de DNA (os genes) e cola-los para formar um novo DNA, mas não sabia como multiplica-lo nas células vivas. Ao fim dos sanduíches, já tinham decidido trabalhar juntos

Foi só no ano seguinte, em 1973. que o resultado do esforço combinado de Cohen e Boyer saiu do laboratório: os genes que conferiam a certa variedade de bactérias resistência aos antibióticos reproduziram-se dentro de outra, que também passou a ser resistente aos antibióticos. Inaugurava-se, com a tecnologia do DNA recombinado, a era da engenharia genética—um conjunto de técnicas que permite alterar as informações genéticas de um organismo pela introdução de genes originalmente pertencentes a outro.

A engenharia genética abriu a porta para a produção de novos medicamentos, a criação de vegetais resistentes a pragas, geadas e inseticidas, e, sobretudo, para a possibilidade de manipulação do código genético humano. Embora aponte para a cura de doenças genéticas, cria o risco de intervenção na própria evolução da espécie humana. Por isso, temerosos quanto as implicações morais e éticas, já no ano seguinte ao experimento de Cohen e Boyer cientistas estabeleceram num congresso uma moratória para as experiências. Em 1975, um novo congresso instituiu normas rígidas para a continuação das pesquisas, mais tarde atenuadas. Em 1982, o laboratório Eli LilIy lançou no mercado a insulina humana, produzida em grandes quantidades por bactérias recombinadas. Três anos depois, bactérias alteradas para evitar o congelamento de plantas foram aspergidas em plantações de morango nos EUA. Nos anos 90, cientistas britânicos anunciaram a clonagem de um organismo superior, a ovelha Dolly. Enquanto os experimentos avançam, seus aspectos éticos, morais e religiosos continuam em discussão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1973

Pink Floyd deixa o 'underground'

Foi no dia 20 de marco de 1973 que o Pink Floyd distanciou-se de vez do seu passado, um período "tao underground que ate as minhocas tinham que olhar para baixo para nos ver", como disse então, com humor, o baixista da banda inglesa, Roger Waters. Era lançado "Dark side of the moon", disco que venderia mais de 30 milhoes de cópias e ficaria por 700 semanas (mais de 13 anos) entre os "200 mais" da Billboard, a prestigiada parada de sucessos americana. Não foi a toa que Waters (baixo) David Gilmour (guitarra), Rick Wright (teclados) e Nick Mason (bateria) se assustaram quando os shows do grupo transformaram-se em megaespetáculos, com toda a histeria a que tem direito as estrelas da musica pop.

"Money", uma debochada critica ao capitalismo, foi o primeiro single do disco, que reúne ainda "Time", "Breathe", "Us and them" e outras seis musicas que tornaram-se clássicos de um rock baseado em letras inteligentes, freqüentemente opressivas, e som atmosférico, com arranjos elaborados. O chamado rock progressivo nunca chegaria tao longe.

O tema recorrente da loucura, que acompanhou a banda desde o inicio—seu primeiro líder, Syd Barrett, enlouqueceu literalmente— também esta la, sugerida no titulo, que significa "O lado escuro da lua". Apesar do sucesso estrondoso, o disco não passou do segundo lugar na Billboard. O topo da lista só seria alcançado pelo Pink Floyd com o álbum seguinte, "Wish you were here", de 1975, que também presta homenagem a Barrett.

A famosa capa de "Dark side of the moon", com a simplicidade do prisma contra o fundo negro, revelava o apuro visual que o grupo cultivaria cada vez mais, inclusive nos shows, com a utilização de laser e efeitos pirotécnicos. O disco confirmou a liderança de Waters —nada tranqüila, alias. Nas gravações, os quatro chegaram perto de trocar sopapos, prenunciando a batalha judicial pela marca Pink Floyd que travariam nos anos 80.

Fonte: O Globo - Texto integral