Em 1980 as principais manchetes foram estas:

Culto ao corpo, mania mundial

Uma fronteira muito delicada

Trabalhadores da Polônia, uni-vos!

Fidel deixa sair os descontentes

Um canastrão na Casa Branca

A febre do ouro contagia o Brasil

Um general de carreira no poder

Geração do sonho vive seu pesadelo

Scorsese inventa o soco espiritual

A política em primeiro lugar

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1980

Culto ao corpo, mania mundial

Depois de uma década de vida sedentária, personificada por franzinos hippies e ídolos da cultura pop, chega a febre do bem estar físico. A década de 80 e o inicio do culto ao corpo, que levou ao boom das academias de ginastica e musculação. E a atriz Jane Fonda foi uma das maiores responsáveis por essa necessidade quase incontrolável de suar. Ao lançar o seu primeiro vídeo da serie "Workout", um programa de boa forma adaptado da dança e que passou a ser conhecido como ginastica aeróbica, a atriz criou um habito que se incorporou ao cotidiano dos americanos e, em pouco tempo, dos brasileiros. Em 1982, o vídeo era um dos mais vendidos e alugados do mundo, transformando-se na bíblia da ginastica. A militante politica, conhecida por seus protestos contra a guerra do Vietnã e defensora das feministas e dos índios, voltava a exibir, aos 44 anos, o mesmo corpo que excitou muita gente na década de 60, em filmes como "Barbarella". Desta vez, Jane trocou o vestido curto e as botas de couro por roupas de malha e tênis.

A serie de vídeos da atriz não foi o único responsável pela preocupação com a boa forma e a proliferação de academias em todo o mundo. Já no fim da década de 60, Kenneth Cooper, médico e coronel da Força Aérea do Estados Unidos, havia revolucionado os métodos de avaliação do condicionamento físico, a partir de uma pesquisa com militares.

Certamente, Cooper não imaginava que seu estudo mudaria os hábitos de exercícios dos americanos e que o jogging seria adotado em vários países como a melhor alternativa para se manter em forma e prevenir o infarto. O medico e o pioneiro no incentivo aos exercícios moderados, com o objetivo de melhorar a oxigenação e fortalecer o coração. E, em 1971, a professora Jack Sorensen começa a mudar os conceitos da ginastica ao criar a dança aeróbica, na qual aplicava exercícios simples ao som de musicas, enfatizando a continuidade do movimento. Mas a modalidade ainda era restrita a uma minoria de aficionados por atividade física.

Até o fim dos anos 70, praticamente a única atividade praticada pela maioria da população era a ginastica localizada, uma variação da calistenia desenvolvida a partir de meados do século XIX. Predominavam nos clubes e academias formas leves de exercício e dança, que tinham no cinema um dos seus melhores divulgadores. Os filmes "Os embalos de sábado a noite" e "Flashdance" provocavam filas nas bilheterias e muita gente saia do cinema com a idéia fixa de se matricular numa academia. Ao mesmo tempo, a silhueta hipertrofiada se tornava uma obsessão para homens, incentivados pelos filmes de Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. Era o retorno ao fisiculturismo, pratica comum nos anos 50.

Enquanto a musculação em aparelhos se desenvolvia lentamente, pistas, parques e praias eram invadidos pelos adeptos da "coopermania". As recomendações do medico americano conquistaram milhares de atletas de fim de semana. O exercício gratuito e acessível a maioria, antes praticado apenas como obrigação por jogadores de futebol e alguns atletas olímpicos, tornou-se uma atividade essencial para a saúde.

O numero da academias crescia no mesmo ritmo dos corredores de todas as idades, mas as aulas de ginastica aeróbica ainda atraiam mais mulheres do que homens. Quem não tinha tempo e disposição para se exercitar, se sentia culpado. Esse sentimento aumentava na mesma proporção que livros de dietas milagrosas para perder peso chegavam as livrarias. Em 1985 e lançado no Brasil o livro "A dança aeróbica", da professora americana Barbie Allen, cujo programa prometia a perda de ate 500 calorias por hora.

No Rio, a professora Lígia Azevedo foi a pioneira na aeróbica e sua academia se tornou uma referencia da nova modalidade. Primeiramente, ela adaptou o método de Jane Fonda e acrescentou os exercícios de saltitamento. Na maior parte do tempo, os alunos corriam e pulavam continuamente sem sair do lugar ou apenas pulavam cordas.

A ginastica leve, de movimentos lentos e cadenciados e que se preocupava com as formas corporais e a higiene mental, perdeu espaço rapidamente. Logo, a aeróbica se transformaria na melhor alternativa para deixar o corpo bonito e saudável. Para acompanhar essa mudança, o vestuário evoluiu. Saíram os tênis de sola fina e lona e entraram os de design arrojado, com palmilhas e amortecedores para aliviar o impacto dos saltos e evitar lesões nos deslocamentos. Foi a época também das malhas de ginastica, mais leves e aderentes ao corpo, que deixavam a mostra os resultados de tanto esforço.

O interesse das pessoas pela nova maneira de se exercitar cresceu tanto que inspirou humoristas como Jô Soares a criar um personagem que passava boa parte do seu tempo numa academia. Na época, Jô contracenava com a atriz Claudia Raia, que deixava os homens excitados com seu corpo esculpido pela dança. O ideal de beleza feminina dos anos 50, com formas arredondas e cintura de vespa, foi esquecido. Nas academias e nos clubes, as mulheres suavam para ter um corpo longilíneo, magro e com seios pequenos.

O que parecia mais um modismo persistem até hoje. No fim dos anos 80, a aeróbica foi adaptada aos novos ritmos de musica e as aulas ganharam diferentes coreografias. Os professores inventavam passos e os ensinavam num ritmo frenético. O excesso de saltos diminuiu, para alivio das articulações, e aos poucos a aeróbica recebeu outros nomes, de acordo com o ritmo musical, como lambaeróbica, aerolodum, aeroboxe e street-dance, atraindo um numero maior de alunos.

No inicio dos anos 90, sempre seguindo a tendência americana, surgiram outras variantes da aeróbica, como o step training, que consiste em subir e descer de uma plataforma, seguindo a coreografia comandada pelo professor. Inicialmente, o step servia para testar a capacidade aeróbica. Como explica o professor de educação física Jefferson da Silva Novaes, no livro "Ginastica em academia no Rio de Janeiro", esta atividade começou a chamar a atenção quando a professora de educação física Gim Miller passou a aplicar a técnica para se recuperar de uma lesão no joelho, por ironia decorrente do alto impacto nas aulas de aeróbica. Quando subia e descia da plataforma, Gim observou que fortalecia a musculatura da região. E verificou também que, apesar de monótono, o treinamento no step causava menos impacto nas articulações. Esta foi a primeira vez que se começou a ver a ginastica de forma mais cientifica. A Reebok, entusiasmada com os resultados do treinamento com o step, decidiu pesquisar o método.

Hoje, tanto a musculação quanto a ginastica continuam evoluindo, em grande parte devido ao melhor conhecimento das funções dos músculos e das articulações. Os equipamentos de musculação e condicionamento cardiovascular se sofisticaram. Alguns simulam atividades que antes só podiam ser praticadas ao ar livre, como esqui, patinação, remo, corrida e ciclismo. Por outro lado ha uma tendência a se associar exercícios orientais ao ritmo ocidental de fazer ginastica. O sofrimento para hipertrofiar os músculos esta sendo compensado por aulas de alongamento, power-ioga e bioginástica, que enfatizam a flexibilidade e o aumento do tônus muscular, princípios valorizados pela ginástica no inicio do século. Ate Cooper repensou o seu conceito de que a corrida e excelente para o coração. E caminhar voltou a ser o melhor programa para se manter saudável.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980

Uma fronteira muito delicada

A rivalidade que durante séculos pautou a convivência entre persas e árabes nunca permitiu que a fronteira entre o Ira e o Iraque fosse um território tranqüilo. Mas, em 1980, a animosidade entre os dois países se transformou numa guerra de grandes proporções: no dia 22 de setembro, movido por uma serie de disputas políticas e territoriais, o Iraque invadiu o pais vizinho. O governo de Saddam Hussein queria se precaver contra a "exportação da revolução islâmica" pregada pelo Aiatolá Khomeini, líder do movimento fundamentalista que derrubara, em 1979, o governo pró-ocidental do Ira. Saddam temia que os fundamentalistas iranianos instigassem, não só com palavras, mas também com armas, uma revolta da maioria xiita da população iraquiana. No campo territorial, Saddam desejava reafirmar a soberania iraquiana sobre o canal de Shatt al-Arab, via crucial de acesso ao Golfo Pérsico, e cobiçava o Cuzistao, província iraniana rica em petróleo.

O Iraque atacou aproveitando-se da aparente confusão politica provocada pela mudança de governo no Ira, mas não atingiu seu principal alvo no Cuzistao, a refinaria de Abada. Militarmente menos preparado, o Ira se organizou em pouco tempo, contando com uma motivação difícil de ser mensurada em números: o fanatismo da população, inflada pelos argumentos de que aquela não era uma guerra comum, mas uma guerra santa, do Islã, contra o "infiel Hussein". Com a ajuda da guarda revolucionária do regime fundamentalista, o Exército iraniano retomaria, em 1982, as posições perdidas. A partir dai, foi o impasse— militar e político. Saddam tentou um acordo, mas Khomeini, imbuído da missão de derrubar o regime iraquiano, insistia no confronto.

Os dois continuaram a atacar, esporadicamente, cidades inimigas e navios-tanque estacionados no Golfo Pérsico. Finalmente, em 1988, quando o conflito contabilizava um milhão de mortos e 1,7 milhão de feridos, o Ira concordaria com um cessar-fogo mediado pela ONU. Em 1990, uma década depois do inicio da guerra, Irã e Iraque reataram relações. Saddam retirou-se do território vizinho e dividiu com Teerã a soberania sobre Shatt al-Arab.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980

Trabalhadores da Polônia, uni-vos!

Um súbito aumento do preço da carne na Polônia desencadeou, em julho e agosto de 1980, um movimento espontâneo até então sem similar no bloco comunista. Greves espetaculares ganharam o tom de campanha por melhores salários e se transformaram numa luta aparentemente utópica pela instauração de um regime com amplas liberdades sindicais, religiosas e políticas. Tudo levava a crer que se tratava de mais uma causa impossível pela qual se batiam os indomáveis homens do Báltico, acostumados a pagarem com o próprio sangue pelo sonho de um pais livre da opressão (então soviética, como já fora a alemã). No dia 31 de agosto, no entanto, lideres grevistas e dirigentes comunistas assinaram o chamado Acordo de Gdansk, garantindo aos trabalhadores uma serie de conquistas sem precedentes na história do comunismo, entre as quais a mais significativa foi a criação da federação de sindicatos Solidariedade.

O epicentro do movimento foi a cidade de Gdansk, cujos estaleiros já tinham sido palco de batalhas sangrentas entre operários e a policia stalinista em 1970 e 1976, com o saldo de centenas de mortos. Além da experiência adquirida com essas lutas, os trabalhadores tinham agora um poderoso aliado: o ex-cardeal Karol Wojtyla, já então Papa João Paulo II, que emprestou o prestigio da Igreja Católica a causa polonesa, abortando uma futura ação repressiva do regime com a visita que fez ao pais natal em junho de 1979.

Com esse respaldo, ficou mais fácil o trabalho de articulação do eletricista Lech Walesa que saiu de um período de oito meses desempregado para negociar, em nome de uma massa de 500 mil trabalhadores em greve, uma pauta com 21 reivindicações com o Governo de Edward Gierek.

Começava ai uma carreira politica que Ihe valeria o titulo de Homem do Ano da revista "Time" em 1982, o Prêmio Nobel da Paz em 1983 e a Presidencia da Polônia em 1990. No entanto, o momento mais fulgurante da história desse sindicalista foi quando conseguiu organizar o Solidariedade (Solidarnosc, em polonês), em setembro de 1980. Chegou a liderar 10 milhões de operários, quase 25% da população do pais. O sucesso parece ter tirado a noção de limite do movimento, que, após uma serie de conquistas, partiu para uma empreitada suicida: pregar o fim do Estado comunista. Era o pretexto que a URSS esperava para intervir. Em dezembro de 1981, o Solidariedade foi posto na ilegalidade pelo Governo polonês do general Wojciech Jaruzelski. Mas o caminho das mudanças estava aberto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980 

Fidel deixa sair os descontentes

No episódio da Baia dos Porcos, em 1961, exilados cubanos haviam tentado invadir Cuba, financiados pelos Estados Unidos, loucos para derrubar o regime de Fidel Castro. Em 1980, quase vinte anos depois, a situação se inverteu. Uma legião de cubanos descontentes com os rumos do regime comunista na ilha seguiu para o porto de Mariel, a 48 quilômetros de Havana para uma viagem sem volta com destino a F1órida, nos Estados Unidos. Dessa vez, no entanto, os passageiros receberam o sinal verde do líder revolucionário cubano e a promessa de asilo do presidente americano Jimmy Carter.

A abertura do porto de Mariel, a partir de abril encerrou um impasse político iniciado quando 10 mil pessoas invadiram a embaixada peruana, no centro de Havana. Os dissidentes reivindicavam uma chance de obter asilo nos EUA ou na América Latina, mas foram impedidos pelo Governo, que se negava a dar-lhes o salvo-conduto. Inicialmente, o tratamento reservado aos dissidentes era francamente hostil. Chamados de "delinqüentes, vagabundos e homossexuais" pelo jornal "Granma", órgão oficial do Governo cubano, eles ainda eram hostilizados por grupos pró-Fidel que os consideravam traidores do regime. Em seguida, no entanto, o Governo passou a incentivar os que quisessem ir. A mudança de estratégia tinha uma razão. Fidel acreditava que, livre de seus opositores, seria mais fácil aplicar o programa de disciplina social e combater a crise causada pela queda do preço do açúcar no mercado internacional.

A nova postura de Fidel provocou uma fuga em massa. Cerca de 700 barcos começaram a atravessar num constante vaivém o Estreito da F1órida, apinhados de cubanos. Para recebe-los, o Governo americano destinou US$ 10 milhões a construção de dois acampamentos, na F1órida e em Arkansas. Em seguida, passou a dar preferencia aos presos políticos ou aqueles que tivessem família radicada nos EUA. As medidas foram tomadas devido as denuncias de que Fidel teria aproveitado o êxodo geral para esvaziar suas penitenciarias.

Apesar da precaução, os Estados Unidos mostraram que não estavam preparados para a debandada de cubanos, perdendo o controle dos que ingressaram em seu território. Em meados de maio, 30 mil exilados já tinham chegado aos EUA. Em cinco meses, tempo de duração da ponte marítima, seriam 125 mil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980

Um canastrão na Casa Branca

Em 4 de novembro de 1980, o ex-ator Ronald Reagan foi escolhido para o mais importante papel de sua carreira: o de presidente dos Estados Unidos. Com 43,9 milhões de votos, contra 35,4 milhões dados a Jimmy Carter, que tentava a reeleição, o ex-ator e ex-governador da Califórnia (exerceu dois mandatos) levava os republicanos novamente ao mais alto posto da politica americana.

Reagan, que começou a vida profissional como locutor esportivo, foi um ator bem-sucedido, que fez cerca de 50 filmes em 27 anos, embora a maioria dos críticos o considerasse medíocre. Nos anos imediatamente posteriores a Segunda Guerra Mundial, defendeu causas liberais. Mas, como presidente do sindicato dos artistas de cinema (de 1947 a 1952 e, novamente, em 1959-60), cooperou com a caca as bruxas desencadeada pelo senador Joseph McCarthy e apoiou o Comitê de Atividades Anti-americanas do Congresso.

Outras acusações pesavam contra ele, como a de ter se furtado ao serviço militar durante a Segunda Guerra—logo ele, o mocinho de tantos filmes de faroeste. Ha versões, porém, de que tinha uma deficiência de visão. Apesar de seu conservadorismo, aprovou, como governador da Califórnia, uma das mais liberais legislações sobre o aborto de todos os Estados Unidos e reformou o seguro social. Ao mesmo tempo defendia a Guerra do Vietnã e tentava justificar o comportamento de Richard Nixon no caso Watergate.

Acima de tudo, porem, Reagan era um político persistente. Ele já tentara obter a indicação do partido em 1976, mas os republicanos escolheram Gerald Ford, que acabaria perdendo as eleições para Jimmy Carter. Em 1980, Reagan conquistou os eleitores com uma plataforma conservadora, de exaltação dos valores tradicionais americanos, e tornou-se o 40° presidente dos Estados Unidos.

Nos oito anos em que ocupou o cargo (seria reeleito em 1984), Ronald Reagan tomou varias medidas que promoveram a recuperação econômica do pais—o que Ihe trouxe enorme popularidade, apesar da contrapartida de aumentar a divida publica.

Em seu Governo os Estados Unidos realizaram a maior escalada armamentista de sua História em tempos de paz. O pais se envolveu militarmente em Granada (onde derrubou um governo marxista), na Líbia e no Líbano. Mas, ao mesmo tempo, Reagan, um anticomunista que formou com a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher um sólido bloco conservador, iniciou negociações com os soviéticos para controle de armas, uma das etapas do processo diplomático que poria fim a Guerra Fria. Seu primeiro encontro com o líder soviético Mikhail Gorbatchov, em Genebra, em 1985, ficou na História como marco da distensão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980

A febre do ouro contagia o Brasil

Em abril de 1980, 15 mil homens se aglomeravam no interior do Pari, a 115 quilômetros do município de Marabá, tentando arrancar da terra um futuro tranqüilo. Tinham sido contagiados pela febre do ouro de Serra Pelada, descoberto dois meses antes. Dos mais diferentes pontos do pais, partia gente para o Eldorado amazônico com que sonhara, no século XVI, o espanhol Gonçalo Pizarro.

Poucos ficaram de fato ricos. Mas, enquanto a febre durou, dinheiro não foi problema em Serra Pelada e gastavam-se quantias exorbitantes apenas por diversão. O Governo também foi contaminado pela enfermidade e anunciou que o ouro de Serra Pelada, o maior garimpo do mundo, poderia ser usado para amortizar parte da divida externa brasileira.

Havia, no entanto, outras doenças grassando entre os garimpeiros, como malária e meningite, e o meio ambiente sofria danos irreversíveis por causa do mercúrio utilizado na extração do ouro. O Eldorado era um ajuntamento desordenado, e, ate a intervenção do Governo, não contava com nenhuma infra-estrutura. Só começou a existir algo parecido com organização após a chegada do major Marco Antonio Lucchini, o Curió, que, na verdade, era tenente coronel, chamava-se Sebastião Rodrigues de Moura e atuara no combate a guerrilha do Araguaia.

Em pouco tempo, o major Curió tornou-se o benfeitor dos garimpeiros, ordenou o garimpo e instituiu regras como o hasteamento da bandeira brasileira, ao som do Hino Nacional. Com o passar dos anos, mais e mais pessoas chegaram a região, e estima-se que, no auge da produção de ouro (88 toneladas anuais), eram 85 mil os garimpeiros no enorme buraco que se formou. Finalmente, em 1986, o Governo anunciou que a lavra manual cessaria, no ano seguinte, e empresas passariam a explorar mecanicamente a jazida. Os dirigentes da Cooperativa dos Garimpeiros, fundada por Curió, resistiram. Não queriam perder um importante reduto político, que fora capaz de eleger Curió deputado federal.

A interdição oficial só veio em 1990, mas alguns teimosos insistiram em permanecer no "garimpinho", uma área próxima ao buraco de 500 metros de comprimento por 200 de largura, que se enchera de água após os garimpeiros terem atingido um lençol freático. Estima-se que o buraco—tombado como patrimônio cultural no Governo Collor—ainda guarde 400 toneladas de ouro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980 

Um general de carreira no poder

Em 155 anos, este seria o golpe de numero 208—ou algo em torno disso—na Bolívia. Sobre o numero não ha consenso, mas sabe-se que o movimento de 17 de julho de 1980 foi um dos mais violentos. Liderados pelo general Luis Garcia Meza, os golpistas derrubaram Lydia Gueiler, primeira mulher a governar a Bolívia, impediram a posse do presidente eleito, Hernán Siles Zuazo, prenderam alguns opositores, assassinaram outros e fecharam o Congresso. Na lista de mortos estavam Simón Reyes, vice-presidente da Central Obrera Boliviana, e o líder socialista Marcelo Quiroga Santa Cruz. Os homens que os assassinaram, entretanto, não usavam fardas.

Inicialmente, o poder foi assumido por uma junta de oficiais, mas logo Garcia Meza tratou de tomar conta da situação. Se golpes militares não eram novidade na Bolívia, o discurso de Garcia Meza também nada tinha de original, e falava em "extirpar o câncer marxista" com um governo de "reconstrução nacional". Era mais convincente quem o rotulava de "golpe da cocaína", um negócio que rendia anualmente ao pais US$ 1 bilhão. A impressão seria reforçada em 1981, quando Garcia Meza anunciasse que as Forcas Armadas estavam abandonando o combate ao tráfico, pois o seu esforço "não foi reconhecido" e não teve "o apoio esperado dos países consumidores'.

Do exterior, partiam manifestações de protesto e retaliações. A mais forte delas veio dos Estados Unidos, na época governado por Jimmy Carter, que acusou Garcia Meza de colaborar com o tráfico e suspendeu uma ajuda de US$ 200 milhões que seria concedida a Bolívia. Condenado por outros países latino-americanos, Garcia Meza ficava isolado dentro e fora de seu pais. A essa altura, as divergências no interior do Exercito boliviano, surgidas logo após o golpe, eram evidentes. Oficiais mostravam-se descontentes com a acuo de um grupo paramilitar formado por 700 bandidos comuns, autores de seqüestros e assassinatos.

No ano em que o general anunciou o fim do combate ao tráfico, suas tropas tinham prendido 180 pessoas e apreendido cocaína no irrisório valor de US$ 320 mil. Especula-se que ele estava apenas tirando os pequenos concorrentes do caminho dos "barões da coca". Em agosto de 1981, um novo golpe militar derrubou Garcia Meza.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980 

Geração do sonho vive seu pesadelo

Passavam sete minutos das 22h de dia 8 de dezembro de 1980, o vento soprava em direção a Rua 72 e fazia frio na porta do Dakota, edifício construído no século XIX em frente ao Central Park, que ficou famoso pelas celebridades que moraram la. Mas uma tragédia de proporções planetárias viria reforçar o aspecto macabro do lugar, também conhecido como casa do diabo desde que serviu de cenário para o filme de terror "O bebe de Rosemary", de Roman Polanski.

Ao voltar do estúdio onde John Lennon acabara de gravar "Walking on thin ice", uma canção de sua mulher Yoko Ono, a limusine do casal estacionou em frente ao Dakota. O cantor e compositor, o mais polêmico dos Beatles, banda a qual ele imprimiu seu estilo rebelde e iconoclasta, caminhou em direção ao pátio interno. Antes de alcancá-lo, porém, foi alvejado, pelas costas, por cinco tiros de calibre 38, que atingiram braço, peito, ombro e cabeça (uma das balas alojou-se em seu casaco). Lennon caiu com o rosto voltado para o chão.

Os disparos a queima-roupa foram feitos por Mark David Chapman, 25 anos, que horas antes havia pedido um autógrafo do ídolo na capa do álbum "Double fantasy". O ato de distribuir assinaturas aos fãs era normal para Lennon, que chegou a ser fotografado, pelo fã Paul Coresh, com o homem que viria a matá-lo. Aos 40, Lennon estava feliz por lançar o primeiro disco depois de cinco anos sem gravar, e esperava atingir o primeiro lugar nas paradas. Desejo concretizado, mas nunca testemunhado por ele. O sonho de toda uma geração, a dos anos 60, da paz e do amor, acabara para seu porta-voz e sonhador mais constante.

Chapman jogou a arma no chão e não ofereceu resistência quando a policia o prendeu, minutos depois, com o livro "O apanhador no campo de centeio" de J.D. Salinger e US$ 2.500 no bolso. Mais tarde, revelaria que matara o ídolo de adolescência obedecendo a vozes que Ihe ordenavam o crime. A própria polícia socorreu o cantor, cujas últimas palavras teriam sido: "Eu sou John Lennon". Apesar dos esforços do médico que o atendeu, Lennon já chegou morto ao Roosevelt Hospital.

O que se seguiu, em Nova York e no mundo, foram cenas de histeria tao comuns quanto aquelas que as apresentações dos Beatles provocavam no auge da carreira. Notícias de suicídio fizeram com que Yoko Ono fosse a imprensa pedir calma aos fãs. Dos antigos companheiros, apenas Ringo Starr foi a Nova York prestar sua última homenagem.

Embora fosse considerado pelos psiquiatras uma vitima de graves distúrbios mentais, o assassino de Lennon foi condenado a 20 anos de confinamento, posteriormente transformados em prisão perpetua. Na prisão de Attica, estado de Nova York, e mantido em solitária, menos por sua periculosidade do que pelo risco de atentados a sua vida. Em dezembro de 1982, Chapman pediu perdão a Yoko Ono pelo assassinato de John Lennon.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980 

Scorsese inventa o soco espiritual

Só o católico Martin Scorsese, descendente de italianos nascido no estado de Nova York em 1942, e que chegou a passar um ano no seminário, seria capaz de fazer uma parábola crista a partir da autobiografia do ex-campeão mundial dos pesos-médios Jake La Motta, que começa nas violentas ruas do Brooklyn, tem o seu apogeu nas antológicas lutas que travou com Sugar Ray Robinson e termina no palco de um nigthclub, onde, bêbado e gordo, La Motta tenta se redimir dos excessos de fúria trabalhando como entertainer. Scorsese, já famoso por "Taxi driver" (1976), teve dificuldade para convencer os produtores a topar a empreitada. O filme foi mal recebido pela critica, e o público ignorou-o. Poucos anos depois, no entanto, "Touro indomável" era considerado um dos melhores filmes de todos os tempos.

Parte significativa desse feito se deve ao ator Robert de Niro, que teve um desempenho poucas vezes visto na história do cinema. A composição do personagem exigiu dele 14 meses de treinamento com o antigo técnico de La Motta e mais quatro empanturrando-se, ate engordar os 30 quilos que acreditava necessários para interpretar a segunda fase do pugilista. Ganhou, com isso, um merecido Oscar, um prêmio também para o perfeccionismo de toda a produção, que, alem dos quatro meses que passou parada, esperando a engorda de De Niro, dedicou um ano inteiro aos processos de sonorização e montagem. Apresentando a trajetória de La Motta como uma via crúcis por meio da qual ele poderia expiar a dor em que mergulhara com o fim do casamento, Scorsese transformou "Touro indomável" em um dos seus filmes mais pessoais.

A fotografia de Michael Chapman e outra marca do filme, feita em preto e branco para traduzir com mais precisão o espirito da década de 1950 e com base em uma passagem do livro que deu origem ao roteiro, na qual o pugilista diz lembrar-se do passado como se estivesse "assistindo a um velho filme em preto e branco". As cenas de ringue, embora tomem apenas um decimo dos 128 minutos do filme, são de uma violência extrema: os golpes são captados em quadros que vão do expressionismo para o abstracionismo e chegam a doer nos estômagos mais sensíveis. A estilização dos socos que deformam a cara de La Motta materializam a dificuldade para se criar uma identidade própria num mundo de "padrões". Foi assim também que o diretor de "New York New York", do polemico "A última tentação de Cristo" e de "Os bons companheiros" conquistou um lugar único no cinema, fazendo grandes filmes, sempre pessoais e fora da estrutura industrial de Hollywood.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1980

A política em primeiro lugar

A invasão do Afeganistão, um ano antes pela União Soviética, continuava fazendo vitimas. Dessa vez, foram os Jogos Olímpicos de Moscou, que sofreram um boicote por parte dos Estados Unidos e de outros 62 países. O protesto foi parte de um pacote de represálias imposto pelo presidente Jimmy Carter, que estava de olho na reeleição, mas andava sem fôlego nas pesquisas.

Com falta de atletas, e para tapar buracos, Moscou precisou convidar alguns países sem tradição em alguns esportes: Cuba e Tanzânia acabaram disputando—e perdendo de goleada—o campeonato de hóquei, por exemplo. Se faltavam atletas, sobrava dinheiro dos patrocinadores americanos, que não quiseram saber de boicote. Com isso, os soviéticos puderam se esmerar na organização e fizeram espetaculares festas de abertura e de encerramento. Tendo como astro o panda Misha, símbolo dos Jogos de Moscou, os organizadores emocionaram o mundo com a lagrima escorrendo no rosto do ursinho, em sua despedida. A excessiva preocupação com a segurança, entretanto, comprometeu a espontaneidade, tanto dentro de campo quanto nas arquibancadas, e os jornalistas estrangeiros eram vistos com desconfiança Sem grandes concorrências, os russos bateram vários recordes e ganharam quase tudo, conquistando 80 medalhas de ouro, 69 de prata e 46 de bronze, com destaque para ginastas e nadadores.

Favorecido pelo boicote, o Brasil enviou 109 atletas, mas não soube tirar proveito da ausência de tradicionais adversários, como os Estados Unidos, em esportes como o vôlei. Ao final, os brasileiros trouxeram apenas quatro medalhas: duas de bronze (salto triplo e natação), e duas de ouro no iatismo, que se firmava assim como um dos grandes destaques olímpicos do pais.

Fonte: O Globo - Texto integral