Em 1985 as principais manchetes foram estas:

Gorbatchov muda a URSS. E logo depois, o mundo

Bombas contra o barco dos verdes

O fim de um longo mistério do mar

'Hooligans' tomam banho de sangue

A Terra se agita e mata 30 mil

Palestinos criam turismo de risco

Australiano vive o sonho americano

O cidadão que mudou o cinema

Um mito derruba os preconceitos

Por essa o Brasil não esperava

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1985

Gorbatchov muda a URSS. E logo depois, o mundo

As portas do Pavilhão de São Jorge— uma espetacular construção de mármore e ouro erguida pelos czares no meio do Kremlin—foram abertas no dia 14 de marco de 1985 para que o novo secretario geral do Partido Comunista da União Soviética fosse apresentado aos convidados estrangeiros. Foram necessários apenas alguns minutos para que os presentes percebessem que havia alguma coisa diferente em Mikhail Sergueyevich Gorbatchov, de 54 anos. O substituto de Konstantin Tchernenko era mais jovem que seus antecessores, muito mais simpático—ele sorria, coisa rara num pais de lideres carrancudos e decrépitos— olhava nos olhos do interlocutor e falava de improviso. A mudança de estilo no comando do Kremlin era óbvia. Mas nenhum convidado poderia sequer sonhar com o terremoto que aquele homem com uma estranha mancha na testa provocaria nos anos que se seguiram. Muito menos o próprio Gorbatchov.

O filho de camponeses, nascido na aldeia de Privolnoye, na Rússia meridional, era um comunista dedicado a revolução e apaixonado pelos ensinamentos de Lenin. A perseguição de seus avós—considerados contra-revolucionários pela policia de Stálin—e a fome que tornou conta das zonas rurais por causa da campanha forcada de coletivização da terra não abalaram a fé socialista de Gorbatchov. Ele entrou para o Partido Comunista aos 21 anos e foi subindo, um a um, todos os degraus da intricada hierarquia soviética. Ao ser eleito secretário-geral pelos membros do Politburo no dia 11 de marco de 1985—um dia depois da morte de Tchernenko—sua intenção era salvar o regime, reestruturando o para curar os sintomas da doença terminal que já afetava a União Soviética, um império gigantesco, com 280 milhões de pessoas, 11 fusos horários e 35 mil mísseis nucleares.

A obsessão pela idéia de modernização produziu duas palavras essenciais no vocabulário da segunda metade do século XX: perestroika (algo como reconstrução ou reestruturação) e glasnost (transparência). Gorbatchov não esperou 1985 terminar para mostrar o potencial revolucionário desses vocábulos. No dia 19 de novembro encontrou-se pela primeira vez com o homem que, como ele, também poderia destruir o mundo se resolvesse apertar determinado botão: Ronald Reagan, o presidente dos Estados Unidos. Foi um encontro histórico. Nem o frio que fazia em Genebra foi capaz de impedir o clima de degelo da Guerra Fria que começou a ser sentido naquela manha.

Desde a invasão soviética do Afeganistão, em 1979, os encontros de cúpula entre os lideres do Kremlin e da Casa Branca estavam suspensos. Reagan, um anticomunista ferrenho em seu segundo mandato já se encontrara com Yuri Andropov e Konstantin Tchernenko e não ficara nem um pouco impressionado. "Os lideres soviéticos ficam todos morrendo em cima de mim" dissera ele, numa referencia a idade avançada e as doenças dos secretários-gerais. Mas Misha—apelido que Gorbatchov ganhara dos pais—era diferente. A aproximação com os EUA era uma de suas prioridades. Ele estava disposto a substituir a ideologia pelo pragmatismo na politica externa. Alem disso, achava que a Rússia precisava se preocupar menos com o perigo nuclear para tentar resolver outros problemas que minavam o império comunista, como a queda vertiginosa da produc3O interna. Os dois homens saíram de Genebra com uma declaração conjunta afirmando que uma guerra nuclear jamais teria um vencedor e, portanto, nunca poderia ser deflagrada. A morte da Guerra Fria seria decretada apenas quatro anos depois desse encontro, em 1989, por Gorbatchov e o sucessor de Reagan, George Bush.

Mas o encontro de Genebra já fora suficiente para tornar o líder soviético uma celebridade. Os últimos anos da década de 80 foram marcados pela "Gorbamania". Fora de seu pais, Gorbatchov era saudado como um herói, que estava ajudando a tornar o mundo um lugar mais seguro e a URSS, um império menos sombrio. Sua mulher, a elegante Raisa, que ele conheceu quando era estudante de direito na Universidade de Moscou, era perfeita para o papel de primeira dama de um pais que queria melhorar sua imagem aos olhos do Ocidente. Para os americanos, segundo as palavras da influente revista "Time"—que elegeu Gorbatchov o homem da década de 80—o líder soviético era "o patrono da mudança, o gêmeo bonzinho do Grande Irmão".

Mas como reformar o comunismo, sem deixar de ser comunista? As transformações pro movidas por Gorbatchov tiveram o efeito de uma revolução na sociedade soviética. Sempre lutando para se equilibrar entre os reformistas radicais—que ameaçavam implodir o império com sua ânsia por mudanças—e os comunistas linha-dura—que tinham horror a glasnost e a perestroika—o secretario geral mudou a História do pais permitindo discussões abertas entre os membros do Partido Comunista; autorizando a publicação de informações até então confidenciais sobre os horrores e as falhas do regime iniciado com a revolução socialista de 1917; promovendo as primeiras eleições diretas da União Soviética e soltando prisioneiros políticos entre uma serie de outras medidas. Um terremoto dessa magnitude num pais que permanecera fechado durante 70 anos foi suficiente para ser sentido não apenas nas republicas soviéticas, mas em todos os países que viviam a sombra de Moscou. Sem querer, Gorbatchov foi perdendo o controle de sua própria revolução.

O herói comunista dos ocidentais não era tao popular assim entre os soviéticos. As reformas econômicas não conseguiram acompanhar o ritmo das mudanças políticas e a Rússia mergulhou numa crise de desabastecimento que marcou a época. A procura por produtos básicos, como uma caixa de fósforo, podia se transformar numa epopéia. A diferença agora era que a população estava começando a aprender a protestar. Só uma repressão sangrenta poderia cala-la novamente.

Ao decidir retirar as tropas do Afeganistão —em fevereiro de 1989—encerrando uma campanha militar desastrosa Gorbatchov acabou permitindo também que movimentos separatistas se espalhassem pelas republicas soviéticas. Os ventos da liberdade, que já vinham provocando estragos na rebelde Polônia, chegaram a Tcheco Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Alemanha Oriental Gorbatchov comprometeu-se a respeitar a liberdade de escolha desses povos—embora tenha reprimido os gritos de independência em lugares como a Geórgia—e, um a um, todos os muros erguidos em torno da Europa Oriental foram desabando, numa avalanche que deixou o mundo sem fôlego e sepultou uma era.

Como prêmio por ter permitido que a Cortina de Ferro caísse sem banho de sangue. Gorbatchov levou o Nobel da Paz, em 1990. Como castigo, viu sua permanência no Kremlin tornar-se insustentável. Ele havia aberto as comportas de um regime que se sustentara durante décadas a base da forca. A desintegração da URSS era uma questão de tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985

Bombas contra o barco dos verdes

Em 10 de julho de 1985, o navio "Rainbow Warrior" ("Guerreiro do Arco-íris"), pertencente a organização ambientalistas Greenpeace, se preparava para mais uma missão estaria à frente de uma frota de embarcações que juntas fariam um protesto contra testes nucleares franceses no Atol de Mururoa, Pacífico Sul. Mas duas bombas, coladas no seu casco explodiram quando ainda estava ancorado em Auckland, na Nova Zelândia, de onde partiria para a manifestação marítima. O navio afundou. Seis tripulantes se salvaram, mas o fotógrafo português Fernando Pereira, de 33 anos, que estava a bordo, morreu na explosão, imediatamente atribuída a agentes do serviço secreto francês.

O atentado gerou uma crise na França, quando, dois meses e meio depois, em 22 de setembro, o então primeiro-ministro, Laurent Fabius, admitiu que realmente o serviço secreto de seu país estava envolvido no caso. (os dois agentes foram julgados em novembro e condenados à dez anos de prisão). Em conseqüência, o ministro da Defesa, Charles Hernu, renunciou ao cargo. Gerou-se, também uma incidente diplomático envolvendo a Austrália e a Nova Zelândia, países que tradicionalmente se opunham as experiências com bombas atômicas no Pacifico Sul. O presidente Francois Mitterrand foi a Mururoa, reafirmar que a França não abriria mão de seu programa de testes nucleares. E mais uma bomba foi detonada.

A França não era o único país com motivos para não gostar do Greenpeace. Os governos dos Estados Unidos, da União Soviética, do Japão e da Grã-Bretanha, assim como muitas empresas multinacionais ou de grande porte, já tinham sido incomodados pelo combativo grupo de militantes ecológicos e contrariados em alguns de seus importantes interesses políticos e econômicos.

Criado em 1971, no Canadá, o Greenpeace tornou-se famoso em todo o mundo por lutar contra a exploração comercial de baleias, os massacres de filhotes de focas, o despejo de resíduos radioativos nos mares e os testes nucleares franceses. Em 1971, a organização tinha apenas 12 membros; em 1985, já eram 80 mil, em 12 países. Por causa desse crescimento e da repercussão de suas manifestações, o Greenpeace chegou a ser acusado de espionagem, tanto pelos Estados Unidos quanto pela antiga União Soviética.

O nome do navio afundado em 1985 havia se inspirado em uma lenda indígena americana, segundo a qual, quando o homem, por causa de sua cobiça, houvesse destruído o mundo, os "guerreiros do arco-íris" surgiriam para salvá-lo. Assim, em 10 de julho de 1989, quatro anos depois do atentado na Nova Zelândia, o Greenpeace lançava ao mar outro navio de sua frota. Seu nome: "Rainbow Warrior".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985

O fim de um longo mistério do mar

Um dos maiores mistérios da história da navegação, o naufrago do "Titanic", que a companhia de navegação inglesa White Star Line apregoava como insubmergível, somente chegou ao fim 73 anos depois. A equipe do navio oceanográfico "Knorr", com especialistas americanos e franceses chefiados pelo cientista Robert Ballard, localizou os restos mortais do "Titanic" em 2 setembro de 1985, após uma busca minuciosa na área do naufrágio.

O mais luxuoso transatlântico de seu tempo afundou a 900 quilômetros ao sul da costa da Ilha Terra Nova, no Canadá. Fazia a sua viagem inaugural, entre Southampton e Nova York, em 14 de abril de 1912, transportando um total de 2.228 pessoas, entre passageiros e tripulantes. O "Titanic" levou, para o fundo do Atlântico Norte, 1.523 vitimas e uma fortuna em ouro, pedras preciosas, obras de arte e dinheiro, num total estimado entre US$ 1 milhão e US$ 300 milhões. Ao longo de sete décadas, a tragédia rendeu livros, canções e filmes—entre eles, a superprodução "Titanic", de James Cameron, lançada em 1997, um estrondoso sucesso que renovou o culto ao transatlântico.

A missão de Ballard, biólogo e mergulhador de 41 anos, foi batizada de White Star, e financiada pelo Instituto Francês de Pesquisas para a Exploração do Mar (Ifremer), o Instituto oceanográfico Woods Hole e pela Sociedade Geográfica e a Marinha americanas. Com a ajuda de câmaras instaladas no robô submarino "Argo", capaz de descer a 3.965 metros de profundidade, e munido de um sornar submarino, eles vasculharam o fundo do mar, captando imagens inéditas e tirando 12 mil fotos.

Câmaras instaladas em outro robô, "Jason Jr.", permitiram a Ballard e a outros dois cientistas "visitar" o interior dos destroços, pela primeira vez, em 1986. No ano seguinte, a missão recolheu objetos do local do acidente: um cofre e uma mala de couro. Neste mesmo ano o submarino francês "Nautile" resgatou uma escultura em forma de anjo e mais três mil objetos, seguidos, mais tarde, de outras mil peças. Em agosto de 1996, o ''Nautile'' içou um pedaço de 20 toneladas do casco do transatlântico, numa operação da RMS Titanic, empresa que detém os direitos de resgate.

Estudos de oceanógrafos e peritos esclareceram o naufrágio do século: o alto teor de enxofre nas chapas de aço do navio provocou a chamada "fratura frágil", tornando o aço quebradiço quando exposto a baixas temperaturas (tanto a Água quanto o ar estavam em 0° C). Antes da descoberta dos destroços do navio falava-se num rombo de 100 metros no casco. No entanto, foram os rebites os responsáveis pela entrada da Água. Descobriu-se que, com o choque, as pecas se soltaram, abrindo orifícios e, a partir deles, fendas ao longo de apenas 3,3 metros. Acreditava-se, ainda, que o "Titanic" fora sepultado inteiro no mar. A descoberta de Ballard mostrou que a proa e a popa estavam separadas por 720 metros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985

'Hooligans' tomam banho de sangue

No dia 29 de maio de 1985, o Juventus de Turim, Itália, ganhou pela primeira vez a Copa Européia de Clubes Campeões, ao derrotar o Liverpool, da Inglaterra, por 1 x 0, gol de pênalti do francês Michel Platini. Aquela noite de quarta-feira, porém, no estádio de Heysel, em Bruxelas, não será lembrada pelo titulo inédito do tradicional clube italiano. E sim pela atuação dos hooligans, violentos torcedores ingleses que se excederam até em sua tradicional brutalidade: antes de a partida começar, provocaram um conflito que durou uma hora e 15 minutos e causou a morte de 41 pessoas. O número de feridos ficou em 450.

Havia no estádio 65 mil pessoas, a sua capacidade máxima. Apesar disso, ingleses e italianos estavam separados apenas pela grade de ferro. Nenhum policial vigiava a frágil barreira. Meia hora antes da partida, ingleses atiraram pedaços de pau, garrafas e pedras nos italianos. Estes devolveram os projeteis, mas, em minoria, foram acuados. As portas do estádio estavam fechadas e, quando a policia interveio, piorou a situação. Os ingleses, atacados a cassetetes pelos policiais, empurraram os que estavam mais próximos da cerca que separava as torcidas. A grade caiu e os ingleses avançaram em direção aos italianos. Sob o peso da multidão, muros desabaram. Várias pessoas morreram esmagadas, e outras, pisoteadas. Entre os primeiros 38 mortos identificados havia 31 italianos, quatro belgas, dois franceses e apenas um inglês.

O jogo, iniciado com atraso de uma hora, seria televisionado para 77 países, com público estimado em 300 milhões de espectadores .

Diante das cenas chocantes, a TV alemã cancelou a transmissão, emitindo um editorial de protesto contra a decisão de se realizar a partida. A justificativa dos organizadores foi bastante discutível: alegaram que aquela era a única maneira de acalmar os ingleses.

Dois dias depois da tragédia, após um encontro com a então primeira-ministra Margaret Thatcher, o presidente da Associação de Futebol da Inglaterra, Bert Millichpi, anunciou que nenhum clube de seu país participaria de qualquer campeonato europeu na temporada seguinte. Em 4 de junho, jovens de Turim depredaram lojas inglesas e instalações da British Airways. O Liverpool acabou suspenso por três anos, pela União Européia de Futebol. Na Bélgica, o vice primeiro-ministro e titular da pasta da Justiça, ironicamente chamado Jean Gol renunciou diante da recusa do ministro do Interior de assumir a responsabilidade pelos distúrbios. Três ministros e dois secretários seguiram seu gesto. Em 1989, um tribunal de Bruxelas condenou 14 hooligans a três anos de prisão. O chefe do policiamento do estádio recebeu pena de nove meses.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985

A Terra se agita e mata 30 mil

Duas catástrofes provocadas pela natureza abalaram dois países latino-americanos, no segundo semestre de 1985. No México, a tragédia foi provocada por terremotos; na Colômbia, a erupção de um vulcão adormecido há 140 anos fez sumir uma cidade do mapa.

Os abalos sísmicos que golpearam o México ocorreram na manhã do dia 19 e no início da noite de 20 de setembro; o primeiro com uma intensidade de 8,1 pontos na escala Richter, e o segundo, com 7,5. Os estados de Guerrero, Michoacán e Jalisco foram atingidos, mas nada que se comparasse ao que sofreu a capital do país. Em minutos, edifícios públicos, prédios comerciais, hotéis, hospitais e escolas viraram um monte de escombros, soterrando milhares de pessoas.

Se "o México foi atingido por um poderoso soco do diabo", como disse um comentarista da TV mexicana, tudo indica que outra entidade, mais benfazeja, estava atenta: no dia 22, os já desanimados voluntários, que atuavam no resgate , encontraram 58 recém-nascidos vivos, num grande buraco entre as ruínas de uma maternidade. Muitos bebês não resistiram e morreram, mas a descoberta estimulou a continuação das buscas. Na contagem final, foram sete mil mortes na Cidade do México, mais algumas centenas do interior, milhares de desabrigados e 500 prédios destruídos.

Situado no Noroeste da Colômbia, a 5.432 metros de altura, o vulcão Nevado Del Ruiz não dava sinais de vida desde 1845. Em 1984, alguns tremores indicavam que algo acontecia. Foi decretado estado de alerta e se prepararam planos de emergência, mas, com calma, pois um estudo feito por colombianos, americanos e japoneses concluía que o vulcão não apresentava perigo. Estavam enganados.

Pouco antes da meia-noite de 13 de novembro, o Nevado Del Ruiz despertou. Duas tremendas explosões lançaram colunas de fogo e cinzas a até oito mil metros de altura, liberando um calor tal que derreteu a neve eterna. Os pequenos rios, que nascem no sopé do monte, foram engrossados por uma inacreditável quantidade de lodo, árvores, pedras e pedaços de casas que a avalanche ia arrastando. A lama soterrou Armero, a 48 quilômetros do vulcão. Conhecida como a "cidade branca", por suas plantações de algodão e arroz, Armero perdeu cerca de 22 mil de seus 50 mil habitantes (mais gente morreu nas localidades de Líbano, Chinchina Fresno e Lerida). O único lugar praticamente não atingido pelo aluvião de lodo foi o cemitério.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985

Palestinos criam turismo de risco

Sem ter como partir para uma guerra convencional contra Israel, os palestinos viram no terrorismo uma forma eficiente de intimidar o poderoso vizinho e, principalmente, ganhar a atenção da mídia. O ano de 1985 foi rico em manchetes de impacto na imprensa, com dez aviões desviados da rota, atentados em aeroportos e embaixadas e o caso do "Achille Lauro", o transatlântico italiano seqüestrado por palestinos, num episódio que teve como principal conseqüência a queda do gabinete do primeiro-ministro Bettino Craxi.

O "Achille Lauro" havia partido de Gênova, em outubro, quando teve sua rota alterada por quatros palestinos na costa do Egito. Após matarem o americano Leon Klinghoffer, um judeu paralítico de 69 anos, tentaram levar o navio, com 510 passageiros, para a Síria, mas não foram recebidos. Após uma série de negociações, se renderam as autoridades egípcias. Quando um avião egípcio os conduzia para a Tunísia, sede do comando da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), foi interceptado por caças F-14 americanos e escoltado até a Itália, onde os terroristas seriam condenados. O líder palestino Abu Abbas, que conduziu a rendição, foi liberado pelo Governo italiano. Depois, soube-se que Abbas fora idealizador do seqüestro. Duramente criticado em seu país e no exterior, principalmente pelos EUA, Bettino Craxi renunciou.

Em junho, um Boeing 737 da TWA já havia ficado 16 dias preso em Beirute, com 39 americanos. Os seqüestradores, extremistas xiitas, devolveram os reféns—não sem antes matarem um fuzileiro naval americano—depois que suas exigências foram atendidas: 735 xiitas presos por Israel foram liberados Os seqüestradores conseguiram fugir. No mesmo mês, uma bomba destruiu um avião indiano na costa irlandesa, provocando a morte de 329 passageiros Ninguém assumiu a autoria do atentado. Em novembro, depois do caso "Achille Lauro", palestinos seqüestraram um avião no Egito. No confronto com soldados, morreram 60 pessoas. Também nos aeroportos de Viena e Roma houve atentados, com 19 mortos e 12 feridos no total.

Outros casos que serviram para aumentar a temperatura política no Oriente Médio. Quatro funcionários da embaixada soviética foram seqüestrados no Líbano, em setembro. Um foi assassinado. No mesmo mês, três israelenses foram mortos num iate, em Chipre. Em outubro, um soldado egípcio matou sete turistas israelenses no Sinai. Os Estados Unidos também foram atingidos. Até aquele momento, em cinco anos de mandato de Ronald Reagan, 300 americanos já tinham perdido a vida para o terrorismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985 

Australiano vive o sonho americano

Uma das mais importantes e tradicionais produtoras de cinema dos Estados Unidos mudou de mãos em 1985. E mãos para lá de ambiciosas. Depois de adquirir 50% da holding que controlava a 20th Century-Fox, em 21 de março, pagando US$ 250 milhões ao magnata do petróleo Marvin Davis, o empresário australiano Rupert Murdoch concluiu a compra, ao adquirir os outros 50% em 24 de setembro, por mais US$ 325 milhões.

Em maio, ele e Davis já tinham comprado seis canais de televisão, montando a estrutura para a formação da quarta rede de TV americana e assustando as grandes ABC, NBC e CBS. Para esta última empreitada, Murdoch, que tinha 54 anos e vivia nos Estados Unidos desde 1973, naturalizou-se americano no dia 4 de setembro, já que estrangeiro não pode ser proprietário de estação de TV americana.

Com mais de 80 jornais e revistas espalhados em quatro continentes, o império de Murdoch—com investimentos, no ano anterior, da ordem de US$ 1,2 bilhão—teve início em 1954. Foi quando ele assumiu um jornal quase falido do sul da Austrália, o "Adelaide News". um dos poucos que sobraram da herança de seu pai, um ex-correspondente durante Primeira Guerra Mundial. Murdoch começou a utilizar a tática que seria repetida muitas vezes depois: manchetes sensacionalistas e uma agressiva política de vendas, que o fez reunir, na mesma corporação, publicações como o centenário "The Times" e o sensacionalistas "The Sun". ambos os jornais ingleses. Uma de suas mais famosas manchetes na imprensa americana parecia um alerta a nação: "Ferozes enxames de abelhas estão zumbindo em direção a América do Norte".

Além do mercado de comunicação, Murdoch já tinha na época editoras de livros, uma empresa de transporte aéreo, companhias de gás e petróleo e uma gravadora de discos. Casado pela segunda vez e com três filhos, o empresário australiano assumiria, após a compra da Fox, um papel cada vez mais agressivo no mercado mais dinâmico do mundo. Nos anos .seguintes, Murdoch iria investir na distribuição de programas de TV em escala global, um negócio lucrativo como poucos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985

O cidadão que mudou o cinema

Quando Orson Welles morreu, vítima de um infarto, em 10 de outubro, para muita gente não havia dúvida: o mundo perdera em 1985 o mais genial diretor de cinema, autor do melhor filme de todos os tempos: "Cidadão Kane". Possíveis exageros à parte, com certeza Welles foi um dos principais artistas do século, uma daquelas pessoas especiais em quem os qualificativos de "gênio" ou "prodígio" com freqüência parecem ser bem adequados.

Nascido em Kenoscha, no estado americano de Wisconsin, em 6 de maio de 1915, o garoto George Orson Welles se expressava com desenvoltura antes de fazer 2 anos; aos 7, interpretava Ravel e Stravinsky no violino; aos 10, era ator de teatro; aos 16, diretor premiado, com especialização em Shakespeare, já fumava charutos e corria atrás das mulheres, quase sempre com sucesso.

Na década de 30, fez algum nome com sua companhia de rádio-teatro Mercury. E ficou definitivamente famoso com a adaptação radiofônica de "A guerra dos mundos", de H.G. Wells, em 1938, que, de tão verossímil ao anunciar uma invasão da Terra pelos marcianos, causou uma onda de pânico, correrias e suicídios na costa leste americana.

Graças a ela, o irreverente e perfeccionista Welles ganhou um processo judicial e um convite para fazer cinema. "Em qualquer outro pais, eu iria para a cadeia. Como estava na América, fui para Hollywood", diria. Em 1941, ficou pronto "Cidadão Kane". Alem da cobrança que o perseguiria por toda a vida, por acharem que nunca mais fez algo sequer parecido em inovação técnica e de narrativa, o filme deixava mal o poderoso magnata de imprensa William Randolph Hearst. Este usou seu prestigio na industria cinematográfica, e Welles passou a ser um diretor maldito, sob o pretexto de que fazia trabalhos "difíceis".

O cineasta veio ao Brasil, em 1942, para fazer o tumultuado "É tudo verdade" (o que restou do material só viria a ser lançado em 1993, como documentário). Deixara quase pronto, nos Estados Unidos, outro filme excepcional, "Soberba". Vieram, entre outros, "Jornada do pavor", "A dama de Shangai" (a atriz era Rita Hayworth com quem se casaria); "Macbeth", "Otelo", "A marca da maldade", "Dom Quixote", "O processo" e "Verdades e mentiras". Só reconhecia, como seus mesmos, "Cidadão Kane". "Otelo" e "Dom Quixote", pois nos outros, queixava-se, os produtores interferiram. Como ator, Orson Welles participou de mais de 50 filmes—seu melhor papel foi o memorável Harry Lime de "O terceiro homem", de Carol Reed, em 1949

Quando morreu—obeso. solitário. cardíaco, diabético e já meio esquecido pelo grande publico—Welles procurava, sem muito êxito, patrocínio para roclar "Rei Lear', de Shakespeare, um projeto velho de décadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985 

Um mito derruba os preconceitos

Ele fez plástica nas orelhas de abano, corrigiu os defeitos de seis dentes, tomou aulas de impostação de voz e se submeteu a um rigoroso condicionamento físico para modelar os músculos. O belo rosto aliado a altura de 1,93m e a um inegável talento para interpretar o bom moco fizeram de Rock Hudson um símbolo de virilidade em Hollywood, nos anos 40 e 50. Por isso, foi um choque quando o másculo gala morreu de complicações decorrentes da Aids, em outubro de 1985, três meses depois de um assessor do ator anunciar sua homossexualidade e o fato de ser portador do vírus HIV. A atitude de Hudson contribuiu para desfazer estereótipos do homossexualismo e atraiu a atenção de autoridades americanas para a doença e possibilidades de cura.

Nascido em Winnetka perto de Chicago. em novembro de 1925, numa família pobre, Roy Harold Scherer Jr. sempre sonhou em ser ator. Abandonado pelo pai, adotou o nome do padrasto, Fitzgerald, mas um produtor dos estúdios Universal rebatizou o. O ex-caminhoneiro estreou em 1948, em "Esquadrão das águias", de Raoul Walsh, seu descobridor. Em seguida, fez uma ponta em "Sangue, suor e lagrimas".

A parceria cômica com a eterna virgem Doris Day, em "Confidencias a meia-noite" e "Não me mandem flores", foi motivo de chacota da critica. A beira dos 30, sua condição de celibatário era malvista pelos produtores, e ele se casou, por conveniência, com Phyllis Gates, sua secretaria. O arranjo durou três anos.

As limitações dramáticas de Hudson, que fez 65 filmes e seis telesséries, entre elas "Dinastia", não o impediram de trabalhar com grandes diretores. O auge da carreira aconteceu entre 1958 e 1963. Trabalhou com a amiga Elizabeth Taylor em "Assim caminha a humanidade" (sua única indicação ao Oscar), de George Stevens, e, entre outros títulos, atuou em "O esporte favorito dos homens", de Howard Hawks. Sob a direção de John Frankenheimer, faria, em 1965, o seu melhor trabalho, "O segundo rosto", com um desempenho dramático até então inimaginável.

Com a idade e o declínio físico, Hudson ingressou, contrariado, na TV. Caiu em depressão. aplacada com. fartes doses de álcool e tabaco. Embora conservasse um companheiro constante, teria mantido um comportamento promiscuo nos últimos anos de vida. Em 1984 a Aids se manifestou. Desenganado pelos médicos, Hudson doou US$ 250 mil a uma instituição para estudos da Síndrome e lançou a biografia "Rock Hudson, história de sua vida". Aos 59 anos, foi o primeiro astro vitima da Aids. E, de ícone da masculinidade, passou a símbolo da luta contra a doença.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1985 

Por essa o Brasil não esperava

Em 22 de abril de 1985, o Brasil assistiu a posse de seu primeiro presidente civil depois de mais de duas décadas de regime militar. Mas quem jurava diante do Congresso e da população não era aquele que aglutinara o pais em torno de seu nome. O mineiro Tancredo Neves, presidente que a população exigiu e o Colégio Eleitoral escolheu, morrera um dia antes, depois de lenta agonia, sem nem ao menos ter tido tempo de tomar posse. Quem iria governar o pais pelos próximos anos era seu vice, o maranhense Jose Sarney, um oposicionista de última hora que só estava ali por conta das engrenagens nem sempre coerentes que movimentam a maquina politica.

Um dos chefes da politica do Maranhão desde os anos 60, Sarney foi um dos principais interlocutores civis do governo militar (tanto que João Figueiredo, último presidente com farda, o incumbiu de coordenar sua sucessão). Quando seu partido, o PDS, indicou Paulo Maluf para disputar a eleição indireta, ele se juntou a outros descontentes na Frente Liberal, que se aliou as forças de oposição. Dai surgiu a Aliança Democrática, com a improvável dobradinha Tancredo-Sarney—para a esquerda, mal necessário que, com a morte do político mineiro, ela teria que amargar por cinco anos (os quatro constitucionais e mais um negociado por Sarney com o Congresso).

Foi no Governo Sarney que se elaborou uma nova Constituição, dando fim ao que se chamava na época de "entulho autoritário", e se decretou a moratória unilateral da divida externa brasileira. A baixa legitimidade de seu mandato perturbou, no inicio, a autoridade do Sarney presidente. Mas ao lançar o Plano Cruzado, que substituiu a moeda ao mesmo tempo em que congelava os preços, ele devolveu o poder de compra a população, que, agradecida, transformou-se em "fiscal do Sarney" no combate aos aumentos proibidos, dando ao presidente uma popularidade com a qual ele dificilmente sonhara. Esta só se manteve enquanto o plano deu certo. Nos anos seguintes, o Governo tentou controlar a economia a custa de outros três programas de estabilização, mas sem êxito. A inflação estava em mais de 50% ao mês quando os brasileiros foram as urnas, em 1989, para eleger, finalmente por voto direto, o novo presidente. Fernando Collor.

Fonte: O Globo - Texto integral