Em 1987 as principais manchetes foram estas:

A arte do século ao alcance do homem comum

Um incômodo herói americano

Alemão solitário ridiculariza URSS

‘Açougueiro’ paga por seus crimes

Justiça encurrala a Cosa Nostra

Em Wall Street, 87 é o dobro de 29

Sarney rompe com os credores

O Rei inconteste do cinema dançado

Aventura até o fim, na tela e na vida

Recorde e fraude na Sotheby’s

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1987

A arte do século ao alcance do homem comum

Em fevereiro de 1987, como se estivesse num desastrado hospital do Terceiro Mundo, morria em Nova York, aos 58 anos uma vedete do Primeiro: o artista Plástico americano Andy Warhol, após uma banal operação de vesícula. Era um domingo. Um jornal popular ainda teve tempo de estampar na primeira página a seguinte manchete: "Morreu o Rei da Pop Arte". Foi tratado como se fosse Elvis Presley ou John Lennon.

Os amigos, chocados com a possível negligência médica, procuraram processar o New York Hospital, o suposto matadouro que tirara a vida do artista. Brandiram uma escrupulosa estatística que indicava o seguinte: em todo o Estado de Nova York, apenas 12% de pessoas com menos de 60 anos entregavam a alma a Deus quando deixavam suas vesículas ao vago destino dos bisturis dos doutores. Infelizmente, Andy Warhol fez parte dessa pequena porcentagem.

Na missa de sétimo dia. na Catedral de Saint Patrick, mais de 200 pessoas prestaram a última homenagem ao artista que agitara as noites de Nova York. Para ele, elas foram um cintilante coquetel de champanhe, cocaína e heroína nas veias. E muita fotografia. Warhol usava uma polaróide para flagrar ricaças e rapazes bonitos. Muitas pessoas dessas fotos viraram obras, com preço alto.

Participaram da missa, além dos chefões dos museus e galerias, curadores todo poderosos, com seus uniformes em que combinam calças de cor abóbora com paletós verde-amazônico socialites ornadas em ondas de diamantes, drag queens, historiadores de arte e drogados, alguns em recuperação. Estrelas, Liza Minnelli entre elas, acompanharam o serviço religioso. Yoko Ono discursou, lembrando a infância pobre do filho de imigrantes tchecos, nascido em Pittsburgh. O subsolo e o andar mais alto de Nova York uniram-se num padre nosso. O cortejo, mistura de glamour e underground, que acompanhara a vida do artista estava bem representado no templo católico de mármore e pedra, arquitetura que imita o estilo gótico. Depois da querela da falha médica, abriu-se o testamento para descobrir, sem espanto, que o célebre defunto deixara cerca de US$ 100 milhões. Com esse dinheiro, em 1994, um museu dedicado a ele foi inaugurado em sua cidade natal. Depois da glória mundana, um guia para a peregrinação.

A pop arte, movimento em que Andy Warhol exerceu o seu inquestionável reinado, da qual participava o britânico Richard Hamilton, apresentou obras usando fotomontagens e peças publicitárias. Em 1956, chegaram a realizar uma exposição, cujo tema era a atriz Marilyn Monroe, transformada em ícone máximo da pintura de Warhoi. Quem deu batismo à expressão pop arte foi o crítico inglês Lawrence Alloway, em 1955, mas a ilha não tinha nem pulso nem economia para sustentar o poder de uma arte que deglutia o consumismo e exibia a mitologia de Hollywood como Fra Angelico, o pintor dominicano do Renascimento, lera apaixonadamente a Bíblia.

Também não tinha história. Com a Segunda Guerra Mundial, uma legião estrangeira de artistas europeus emigrou para os Estados Unidos, a maioria deles estabelecendo-se em Nova York caso por exemplo, de Mondrian. Marcel Duchamp morava na cidade desde 1915, elevado a condição de guru espiritual da geração pop americana, embora toda a sua arte estivesse impregnada pelo início do modernismo. A cornucópia jorrou nos museus. O MoMA, aberto em 1939, não só fez as principais exposições do período como expediu para Paris o seu diretor, Alfred H. Barr, para adquirir "Les demoiselles d'Avignon", de Picasso, pintura seminal do modernismo, feita em 1907.

Nos Estados Unidos, a pop também é uma arte de reação ao domínio do expressionismo abstrato—considerado o primeiro movimento artístico originalmente americano. Embora essa tese esteja sempre em discussão, não é possível negar que grandes artistas como Jackson Poliock, o criador da pintura feita com respingamento, Willem de Kooning, com suas mulheres devoradoras, e Barnett Newman, com seus espirituais campos de cor, rompidos por franjas trêmulas, bebericavam no Village, um bairro boêmio de Nova York, um pouco perplexos com suas descobertas. A tela em grande dimensão apontava para a vastidão da paisagem americana, a integridade moral do sujeito em relação à pintura e, em alguns casos, como diria Harold Rosemberg, um crítico a favor do movimento, levava a se ficar diante dela como numa arena.

O grupo pop achava-os, porém, muito chatos, mergulhados no oceano sem fundo do existencialismo, filosofia que ganhava adeptos e suicidas. Da turma do expressionismo abstrato dois, Arshile Gorky e Mark Rothko, deram cabo da vida. Outro, Pollock, tal um James Dean dos ateliês, morreu em 1956, ao espatifar o seu carro numa estrada de Long Island. depois de ser o primeiro .superstar da pintura americana. Contra a profundeza, os artistas pop reagiram pela superfície. "Alvo", de 1954, tela do mais sofisticado artista do movimento, Jaspers Johns, e simplesmente a representação do que indica o título. Escultura? Johns solucionou de forma faceira: a bandeira americana pintada e disposta uma atrás da outra. Rauschenberg organizou uma montagem, em 1955, na qual um galináceo empalhado se empoleirava no cimo da tela. Warhol disse que tudo era mais simples ainda.

Designer de vitrines de extremo sucesso, que em 1956 arrecadava US$ 100 mil por ano, Warhol tinha um talento inato para se comunicar. Usando a técnica industrial da serigrafia e a concepção ética de trabalho americano, tanto que seu ateliê chamava-se "fábrica", fazia imagens em série, radicalizando o processo lançado por Monet. Por meio de fotos retratou Marilyn Monroe, Elvis Presley, Liz Taylor, Jackie Kennedy, no momento de luto, após o assassinato de seu marido, o presidente John Kennedy, o líder comunista Mao (apenas uma imagem), Coca-Cola, o dólar, criminosos procurados pela Justiça, desastres de automóveis, cadeiras elétricas, a sopa Campbell, vaquinhas. Madonas e naturezas-mortas. Dondocas também. Aquelas que assinavam cheques de alto valor com a mesma indiferença com que entravam no hotel Cipriani, de Veneza, como se chegassem a uma festa de caridade.

Warhol realizou filmes, alguns tediosos como "Sleep", em que um amigo dorme por seis horas, e outros meio pornográficos. Lançou uma revista e cantores populares. Ele, com sua peruca dourada e seus trejeitos, a ponto do excêntrico Salvador Dali acha-lo excêntrico demais, foi cabeceira nas festas da Nova York frívola e endinheirada, cidade que via também sua arte entrar em declínio.

O crítico Robert Hughes definiu, talvez com precisão, o processo: "Os Estados Unidos não viram a arte moderna nascer, mas viram sua decadência". Warhol pode não ter sido um gênio, mas com ele a arte do nosso século chegou ao homem comum. Isso é muito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Um incômodo herói americano

A transmissão por rede nacional de TV dos depoimentos tomados pela comissão do Congresso americano que investigava o escândalo Irã-Contras—a venda clandestina de armas ao Irã do aiatolá Khomeini e o desvio dos lucros para financiar a atividade de grupos contra-revolucionários na Nicarágua sandinista, ambos atos criminosos, denunciados no ano anterior—transformou, em meados de 1987, o principal acusado pela falcatrua, o tenente-coronel Oliver (Ollie) North, num herói popular americano.

A Northmania—cujas principais manifestações eram atos públicos de apoio ao tenente-coronel e o uso de camisetas com inscrições como "Ollie para presidente" e 'O nosso herói"—fez crescer o constrangimento do presidente Ronald Reagan em relação ao episódio. Sua popularidade, até então estratosférica, nunca mais seria a mesma. Enquanto Reagan e seus principais auxiliares, temendo um processo de impeachment, tentavam se eximir de qualquer responsabilidade no caso —"a verdade simples é que não me lembro", afirmou o presidente em 1987, quando Ihe perguntaram se autorizara as operações ilegais —Oliver North, demitido logo após a revelação das falcatruas, assumiu tudo. Ao longo dos trabalhos da comissão, que duraram um ano, teve uma tribuna privilegiada para se vender ao público como um homem, corajoso. Uniformizado e cheio de condecorações, o tenente-coronel aparecia como um cumpridor de ordens e, acima de tudo, um patriota.

North admitiu que desprezara a Constituição em defesa da "liberdade' na América Central e de reféns americanos nas mãos de extremistas islâmicos. Declarando que supunha serem do conhecimento do presidente Reagan as atividades ilegais, e que cumpria ordens superiores, North defendeu sua atuação como paladino da democracia e afirmou que faria tudo de novo. Ele era assessor do conselheiro de Reagan para a Segurança Nacional, o contra-almirante John Poindexter, que pedira demissão após a eclosão do escândalo.

Em julho de 1987, quando começaram a surgir indícios de que autoridades mais graúdas poderiam ter ligação com o caso—entre elas o vice-presidente George Bush—Poindexter acabou assumindo toda a responsabilidade perante o Congresso. "A coisa para em mim", garantiu.

O apoio popular a North não o impediu de, em 1989 ser condenado. Mas talvez tenha contribuído para que sua pena fosse anulada por uma instância superior, com base em sutilezas técnicas. Reagan nunca foi acusado de nada. Em 1992, antes de serem julgados, outros seis funcionários envolvidos na trapalhada seriam perdoados pelo novo presidente— aquele mesmo George Bush que surgira como possível implicado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Alemão solitário ridiculariza URSS

O marechal soviético Serguei Sokolov era um herói da Segunda Guerra, que lutara contra as divisões blindadas de Adolf Hitler em 1941. Em maio de 1987 porém, um alemão solitário e desarmado, de apenas 19 anos, o derrubou de seu posto como ministro da Defesa. No dia 28 daquele mês, Mathias Rust pousou em plena Praça Vermelha a poucos metros do Kremlin, com um inofensivo Cessna que alugara em Hamburgo. Ou nem tão inofensivo assim: iludindo as defesas da superpotência, Rust decolara de Helsinque, capital da Finlândia, e voara 600 quilômetros antes de sobrevoar o Mausoléu de Lenin, tirar um fino do telhado de uma loja e aterrissar, diante de moscovitas surpresos e divertidos, que Ihe pediram autógrafos. Era demais. Passados poucos dias, a façanha de Rust abatia do posto outro militar graduado, o comandante-chefe da Defesa Aérea, marechal Alexander Koldunov.

O alemão pediu desculpas pelo que fez. Alegou que estava em missão de paz e que seu objetivo era se encontrar com Mikhail Gorbachov, pois estava frustrado com as negociações realizadas, em 1986, entre o líder soviético e o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em Reykjavik, Islândia. Seus argumentos podiam ser interessantes, mas não convenceram a Justiça soviética. que o condenou a quatro anos de trabalhos forcados, sem possibilidade de apelação. "Lei é lei, na União Soviética ou na Alemanha", disse o promotor Vladimir Andreyev que indagou ainda: "Quem é Mathias Rust? Um idealista ou um aventureiro político? Ele chegou em busca de falsas glórias e de publicidade frívola."

Rust repetira, de certa forma, a façanha realizada por um piloto inglês em1938. Apaixonado por uma russa Brian Grover chegou num velho bimotor à aldeia de Glukhovo, perto de Moscou. Foi preso, mas Josef Stálin perdoou o casal, que se mudou para a Grã-Bretanha. O episódio foi contado pelo escritor russo Lev SheinhT em suas memórias, de 1959. Rust teve sua chance: cumpriu 14 meses da pena e foi anistiado. Soube-se depois que sua aventura poderia ter acabado mal: o Cessna só não fora abatido porque a URSS temia pressões internacionais como as que sofrera quatro anos antes, por derrubar um avião civil sul coreano.

Rust ganhou US$ 550 mil com a venda dos direitos da história para uma revista alemã. Em 1989, tentou beijar à força uma enfermeira. no hospital em que cumpria serviço militar alternativo. A moca reagiu, ele atacou-a com uma faca e foi condenado a dois anos e meio de prisão. Desta vez, não pôde alegar qualquer nobreza de intenções.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

‘Açougueiro’ paga por seus crimes

Para a população de Lyon, na França, a Segunda Guerra Mundial só terminou em 3 de julho de 1987, quando, ao fim de 37 dias de julgamento, o nazista Klaus Barbie, ex chefe da Gestapo e conhecido como o "Açougueiro de Lyon", foi condenado à prisão perpétua por crimes contra a Humanidade cometidos naquela cidade entre 1942 e 1944.

Barbie, nome de guerra de Klaus Altmann Hansen, já havia sido condenado à morte à revelia em 1952 e 1954, mas refugiado na Bolívia com a ajuda do serviço secreto americano, viu suas penas prescreveram 20 anos depois. O ex-tenente da SS era acusado de cometer 4.342 assassinatos, deportar 7.591 judeus para a Alemanha e prender 14.311 franceses ligados à Resistência. E também de comandar a captura, tortura e morte do advogado e pintor Jean Moulin, chefe do Conselho Nacional de Resistência. Moulin, segundo seus captores, cometeu suicídio, atirando-se de cabeça contra uma parede e morrendo 21 dias depois.

Entre os judeus que Barbie era acusado de deportar, estavam as 44 crianças de um orfanato no vilarejo de Isieu, que seguiram para o campo de extermínio de Auschwitz. O espetacular julgamento só ocorreu graças ao empenho do casal de caçadores de nazistas Serge e Beate Klarsfeld—que o localizou na Bolívia em 1972, dando início às tentativas de extradição—e reabriu velhas feridas na França, onde grande parte da população fez vista grossa ou mesmo colaborou com o inimigo.

Filho de professores, Barbie cresceu num ambiente de forte ressentimento contra a França—exacerbado pelo pai, que lutara na Primeira Guerra. Ingressou na Juventude Nazista e em seguida na SS, em 1935. Filiado ao Partido Nacional Socialista Alemão em 1937, fez uma carreira militar meteórica. Serviu na Holanda em 1940 e, dois anos depois, já promovido a tenente, foi destacado para Lyon. Na cidade francesa, tornou-se responsável pelas seções Seis (coleta de informações) e Quatro (repressão).

Com o fim da guerra, Barbie colaborou com os serviços de inteligência do Exército americano. denunciando comunistas na Alemanha em troca de novos documentos (os Estados Unidos chegariam a pedir desculpas formais a França por não tê-lo deportado). Libertado, passou por Gênova e Buenos Aires, estabelecendo-se em seguida na Bolívia, em 1951. Naturalizado boliviano, manteve estreitos contatos com ditadores e narcotraficantes. Foi deportado durante o Governo do presidente civil Siles Zuazo, em 1983. Klaus Barbie—que declarou não ter motivos para se arrepender de nada—morreria quatro anos depois de confinado num hospital penitenciário, vítima de leucemia, aos 77 anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Justiça encurrala a Cosa Nostra

Terminou em dezembro de 1987, em Palermo, um julgamento histórico para a justiça italiana. Durante 22 meses, 474 membros da Máfia siciliana, o maior sindicato do crime no mundo, responderam por extorsão, tráfico de drogas. assassinatos e outras acusações. A várias vezes centenária organização—Cosa Nostra para os seus filiados—jamais sofrera combate tão acirrado das autoridades do país. Desde o final dos anos 70, quando o tráfico de drogas passou a pesar mais em sua "carteira" de negócios, o número de crimes ligados a Máfia vinha crescendo. O lance de maior repercussão, e que ajudara a criar o clima necessário para o julgamento, fora o assassinato do general Carlo Alberto dalla Chiesa, governador da província de Palermo que combatia o crime organizado, e sua mulher, numa explosão em 1982.

O julgamento teve início em 10 de fevereiro de 1986. Dos réus, 119 estavam foragidos e foram julgados a revelia. Foram nomeados os juizes Alfonso Giordano para presidir o processo e Pietro Grasso como seu assistente, além de dois substitutos para o caso de incapacitação por doença ou atentado. Ninguém queria ser jurado. Para se reunir o mínimo de 16, seis titulares e dez suplentes, convocaram-se mais de cem pessoas.

A própria instalação física do tribunal especial era uma superprodução. Foram gastos US$ 18 milhões para erguer no centro de Palermo uma fortaleza. Um sistema de túneis a ligava à prisão vizinha de Ucciardone, onde se trancafiavam os acusados, e todo o conjunto era vigiado dia e noite por 3.000 policiais e soldados do Exército. As principais testemunhas entre as mais de 400—inclusive dois ministros de estado—prestavam depoimento protegidas por uma redoma a prova de bala. Os prisioneiros ficavam em jaulas de ferro.

Os mafiosos contavam com o tradicional respeito à omertà, a lei do silêncio, por parte dos companheiros. Mas alguns deles decidiram abrir a boca. O mais importante dos chamados "arrependidos" foi Tommaso Buscetta, o don Masino velho conhecido da polícia brasileira, que o prendera duas vezes, em 1972 e 1982. Buscetta tinha sido extraditado do Brasil para a Itália em 1984.

Ao fim do julgamento, 117 réus foram absolvidos, 338 condenados a penas que somavam 2,665 anos de cadeia e 19, à prisão perpétua— entre estes os chefões Luciano Liggio, Pippo Calo e Michele Greco, que de tão importante era cognominado "Papa". Naturalmente, a Máfia siciliana continuou tão atuante quanto antes. Ainda em dezembro, jornais de Palermo noticiavam que a "Comissão", o órgão máximo da organização criminosa, já tinha escolhido novos chefes para substituir os presos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Em Wall Street, 87 é o dobro de 29

Em 1987, a palavra "globalização" ainda não estava na moda. Mas o furacão que derrubou a Bolsa de Valores de Nova York em 16 de outubro daquele ano, a "Segunda-feira Negra" deu a volta ao mundo a partir de Wall Street. Foi a maior queda do século em Nova York, de 22%, quase o dobro da registrada em 1929, que dera início a pior crise econômica da história americana, a Grande Recessão. Na seqüência dos eventos de 1987 em Wall Street, caíram drasticamente as bolsas de Londres (12%), Tóquio (15%), Hong Kong (11%,) e, é claro, as do Rio de Janeiro (12,1%) e São Paulo (16,1%). O jornal "New York Post" publicou uma edição extra com a manchete: "Wall Street enlouquece".

O desespero tomou conta de muita gente. Um homem invadiu os escritórios da corretora Merill Lynch, fuzilou um gerente, feriu um corretor com um tiro na espinha e suicidou-se. Tinha perdido US$ 10 milhões. As explicações para a crise apontavam, quase unanimemente, para a política econômica do presidente Ronald Reagan, que gerava imensos déficits orçamentários, da ordem de US$ 220 bilhões. Para cobrir a diferença, o Governo aumentou as taxas de juros, numa tentativa de atrair capitais. Outro problema era o déficit na balança comercial, próximo de US$ 190 bilhões. Assim, os EUA eram forçados a emitir papéis, comprados, por exemplo, por investidores do Japão e da Alemanha, países que conciliavam produtividade com moedas valorizadas.

Havia também um consenso entre vários analistas de que os preços das ações estavam inflados: desde 1982. as cotações só subiam.

Muitas empresas, em vez de investir na produção, adquiriam o controle de outras, obtendo grandes lucros sem qualquer contrapartida de crescimento da economia. O tombo foi feio: US$ 870 bilhões desapareceram do mercado naquela segunda-feira. Foi também o fim da política econômica de Reagan, a "Reaganomics". Poucos dias depois da crise, o presidente negociava, com o Congresso, cortes severos nos gastos públicos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Sarney rompe com os credores

Em fevereiro de 1987, o Brasil deu um grande susto no mercado financeiro internacional. No dia 20 daquele mês, o presidente José Sarney anunciou a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa por tempo indeterminado—o montante principal já não era pago há anos—além do corte da emissão de moeda e da adoção de um plano de austeridade. A declaração—na prática, uma moratória, embora os governantes brasileiros evitassem a palavra— caiu como uma bomba junto aos países e bancos credores: temia-se que a decisão do Brasil, o maior devedor do mundo entre os países em desenvolvimento (na época, US$ 107 bilhões), fosse copiada. Somente os grandes devedores da América Latina (México, Argentina e Venezuela, além do Brasil) somavam aquela altura débitos no valor de US$ 285 bilhões.

Defendida pragmaticamente pelo ministro da Fazenda de Sarney, Dilson Funaro, a moratória surgia num momento em que o país não tinha muita escolha: desde o espetacular fracasso do Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986, os superávits comerciais do país vinham minguando. Em janeiro de 1987, o saldo da balança comercial foi de apenas US$ 129 milhões, o pior desde 1983. Desse modo. não havia como fazer frente ao pagamento dos juros da dívida—que tinham consumido US$ 55,8 bilhões nos últimos cinco anos. As reservas brasileiras estavam se aproximando perigosamente da raspa do tacho: eram então US$ 3,9 bilhões, segundo dados oficiais, embora muitos acreditassem que o número real fosse ainda mais magro. O Brasil estava quebrado. "Nós não podemos pagar a dívida com a fome do povo", discursou Sarney.

A moratória e o repúdio à tutela econômica do Fundo Monetário Internacional, velhas bandeiras da esquerda nacionalista brasileira, não sofreram de falta de apoio político interno. Até setores da oposição aplaudiram a decisão de Sarney. O problema é que tocar a máquina da economia brasileira dentro da nova realidade mostrou-se inviável. Enquanto se temia o esgotamento das linhas de credito internacional de curto prazo, que financiavam boa parte da produção e da exportação brasileiras, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, James Baker, condenava os "gestos dramáticos" dos países devedores do Terceiro Mundo e classificava de lamentável a moratória de Sarney.

Em março, a recessão já dava seus primeiros sinais, com os indicadores de salários e empregos em queda e a inflação em alta. A tensão só terminou em novembro de 1987, quando se chegou a um acordo para a retomada do pagamento. Na véspera do Ano Novo, o Brasil pagou US$ 1,1 bilhão de dólares e recebeu dos bancos credores um empréstimo-ponte (de curto prazo) no valor de US$ 3 bilhões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

O Rei inconteste do cinema dançado

Em seu primeiro teste para o cinema, em 1928, quando já fazia sucesso na Broadway, Fred Astaire recebeu o seguinte veredicto de um observador do estúdio RKO: "Não sabe representar. Não sabe cantar. Está ficando careca. Dança um pouco". Ninguém se lembra do nome de quem fez a furada avaliação. Já Astaire, ao morrer de pneumonia no dia 22 de junho de 1987, em Los Angeles, tinha garantido seu lugar na História como o maior dançarino do cinema, um dos maiores astros de Hollywood em sua fase de ouro, a dos musicais, e um parâmetro de elegância na tela, qualidade que exibia dançando com partners de carne e osso ou com um cabide. De 1933 a 1939, entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, Astaire e sua principal parceira, Ginger Rogers, fizeram gente no mundo inteiro sonhar com dias melhores.

Filho de um cervejeiro e uma dona-de-casa, Frederick Austerlitz Jr. nasceu no dia 10 de maio de 1899, em Omaha, no estado americano de Nebraska. Até estrear no cinema num papel secundário, em 1933—na própria RKO, apesar de tudo—ele se apresentava no palco com sua irmã, Adele, com quem dançava desde a infância. Os dois chegaram à Broadway em 1911. Quando Adele se casou, em 1933, a dupla se desfez e Astaire partiu para o cinema.

Depois da estréia—o filme era "Amor de dançarina" e ele contracenava com Joan Crawford—Astaire chegou ao estrelato enfileirando dez filmes com Ginger Rogers. No mais famoso de todos, "O picolino", canta sucessos de Irving Berlin e mostra por que, apesar da voz miúda, era o intérprete preferido da maioria dos grandes compositores americanos, como Cole Porter e os irmãos Gershwin.

A dupla com Ginger Rogers foi desfeita em 1939 (um ano depois, o astro se casou com Phillys Poter, com quem teria dois filhos) e recomposta para um único filme, "Ciúme, sinal de amor", em 1949—o mesmo ano em que ele ganhou um Oscar pelo conjunto da obra. Nos anos 40, Astaire contracenou ainda com Rita Hayworth, Judy Garland e Cyd Charisse. O último de seus filmes foi "Histórias de fantasmas", de 1981.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Aventura até o fim, na tela e na vida

O nome do filme baseado num conto do irlandês James Joyce, era significativo: "The dead" (no Brasil, "Os vivos e os mortos"). Aos 81 anos o diretor John Huston mal teve tempo de terminá-lo: sofrendo há anos com um enfisema pulmonar, teve uma pneumonia e morreu logo após o fim das filmagens. Hollywood perdia o último sobrevivente de seus tempos de glória a se manter em plena atividade e um dos mais vigorosos—em todos os sentidos— diretores de sua história.

Com 40 longas assinados em 46 anos de carreira—desde "The Maltese Falcon" ("Relíquia macabra"), de 1941, considerado por muitos críticos o melhor filme de detetive jamais feito —Huston construíra uma reputação de profissional sério, talentoso e independente, habituado a lutar contra as pressões dos estúdios na tentativa de realizar a obra que queria. De "O tesouro de Sierra Madre" (1948) a "O homem que queria ser Rei" (1975), cada um de seus filmes é uma prova de ecletismo estético, mas mesmo assim a personalidade do cineasta está sempre lá: cínico, amargo e "adulto", Huston odiava as doses extras de açúcar que os produtores gostavam de acrescentar as receitas hollywoodianas.

Fora dos sets, sua fama não era menos turbulenta. Nascido em 1906 na cidade de Nevada, no estado do Missouri—que, segundo uma lenda familiar, seu avô havia ganhado no carteado—Huston granjeou uma reputação de aventureiro, jogador compulsivo, amante insaciável e bom bebedor. Foi boxeador, oficial de cavalaria do Exército mexicano e um pobretão pintor de retratos em Paris, antes de iniciar sua carreira em Hollywood como roteirista, ajudado pelos laços de amizade do pai, o ator Walter Huston. Alto, corpulento, parecia um personagem de Ernest Hemingway—com quem chegou a trabalhar. Em 1951, tendo no elenco a diva Katharine Hepburn, foi capaz de abandonar toda a equipe de "The African Queen" ("Uma aventura na África") no coração do continente para se dedicar a um safari.

Casou-se cinco vezes. Fumava acendendo um cigarro no outro. Quando não estava dirigindo, de preferencia em algum cenário natural com cheiro de aventura e bem longe do conforto dos estúdios, gostava de atuar como ator convidado—sua participação em "Chinatown" de Roman Polanski (1974), e uma entre as dezenas que fez. "Vivi vidas diferentes", disse ele numa entrevista, aos 75 anos. "Tenho inveja de um homem que tenha passado toda a sua vida com uma única mulher, num único país, sob um só Deus," Uma prova de que o ser humano nunca esta satisfeito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1987

Recorde e fraude na Sotheby’s

Em novembro de 1987, o quadro "Os Íris", do pintor holandês Vincent Van Gogh, pintado em 1889, tornou-se o símbolo da pujança do mercado internacional de arte dos anos 80: a famosa casa de leilão Sotheby's, de Nova York, vendeu a tela por US$ 53,9 milhões ao magnata australiano (Já então arruinado, mas isso só se saberia depois) Alan Bond, do ramo de cervejas. A transação estabelecia um novo recorde para obras de arte.

Pouco mais de dois anos depois, porém, estouraria o escândalo. Bond só conseguira sustentar seu lance porque tomara US$ 27 milhões emprestados da própria Sotheby's, dando o quadro como garantia. Sem condições de saldar a divida, acabou devolvendo a tela. A Sotheby's intermediou então sua discreta revenda—por algo em torno de US$ 40 milhões —ao museu J. Paul Getty, na Califórnia. A casa de leilões se comprometeu a nunca mais emprestar dinheiro a um comprador, mas não escapou da acusação de manipular o mercado.

O escândalo de "Os Íris", em 1990, coincidiu com a última grande temporada para a arte antes de uma recessão de cinco anos em que os preços só cairiam. Dois quadros negociados em maio de 1990 ultrapassaram o recorde de 1987: "Retrato do doutor Gachet", do mesmo Van Gogh, vendido por US$ 82,5 milhões, e "Au moulin de la Galette", de Pierre Auguste Renoir, por US$ 78,1 milhões. Ambos foram adquiridos pelo milionário japonês Ryoei Saito, fabricante de papel. Dessa vez, não houve qualquer notícia de fraude.

Foi o auge da festa. Em seguida, devido sobretudo a retração dos investidores japoneses, viriam anos de vacas magras. Em meados dos anos 90, o mercado voltou a dar sinais de euforia—um deles foi a venda do "Abaporu", de Tarsila do Amaral, por US$ 1,3 milhão, o maior preço já alcançado por uma obra de arte brasileira. Em 1998, por fim, cifras realmente estratosféricas voltaram ao noticiário: o "Retrato do artista sem barba" (mais uma vez. Van Gogh) foi comprado por um colecionador não-revelado por US$ 71,5 milhões.

Fonte: O Globo - Texto integral