Em 1946 as principais manchetes foram estas:

O bizarro edifício da Guerra Fria

Tribunal passa a guerra a limpo

Perseguições dão fôlego ao sionismo

Argentinos já tem o seu Getúlio
Século perde seu economista
Os contestadores estão chegando
Mil megatons de sensualidade

Frank Capra faz sua obra-prima

Nunca houve uma mulher como Rita
O Julio Verne do império britânico

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1946

O bizarro edifício da Guerra Fria

Nos escombros da Segunda Guerra Mundial, a vitória dos aliados (EUA, URSS, Inglaterra e França) sobre o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) desenhou no horizonte a futura geopolítica que marcaria meio século de relações internacionais. A nova aliança assentada sobre a derrota nazi-fascista pôs, lado a lado, potências ocidentais democráticas, lideradas pelos EUA, e o sistema comunista, sob o comando da URSS. E seria no próprio território da Europa destruída, em particular da Alemanha, onde se semearia o grande cisma ideológico, a partir da divisão em zonas "aliadas", oriental e ocidental, como símbolo do bizarro edifício da Guerra Fria e suas construções bastardas: a Cortina de Ferro e o Muro de Berlim, que separou a ex-capital em duas fortificações em conflito.

Em principio, a Guerra Fria foi operada por duas grandes estratégias confrontacionistas. A primeira, através da política de reconstrução econômica da Europa dividida: a financiada pelos EUA, via Plano Marshall, e pela União Soviética, via Conselho de Assistência Econômica Mutua (Comecom). Contudo, a prosperidade econômica não marcharia sozinha e teria, como contrapartida, a garantia das armas: o bilionário arsenal nuclear e o não menos grandioso arsenal de armas convencionais armazenados pelas duas superpotências. Para completar o enredo, aplicava-se todo o tipo de pressão política, de propaganda e de espionagem com o objetivo de ganhar aliados...

A política de confrontação conduziu EUA e URSS a lógica perversa dos meios: a cada esforço bélico para equiparar ou superar a força do inimigo, a corrida armamentista transformava-se em mecanismo permanente de sofisticação tecnológica com objetivo de emulação econômica. Para alcançar o planejamento estratégico, foram criadas doutrinas hard no campo da segurança internacional: contenção, dissuasão, primeiro ataque, retaliação maciça, resposta flexível, efeito dominó, etc. componentes de uma visão estratégica "mística" na luta entre o bem e o mal.

Para sustentar essa lógica ensandecida, foram construídas duas estruturas burocráticas multinacionais de guerra. Do lado americano, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), enquanto os soviéticos lançavam o Pacto de Varsóvia. O: mundo parecia estar seguro e salvo, graças a essas duas máquinas de guerra, caracterizadas pela "paz armada", dentro do espírito do equilíbrio do terror. Como co-autores do xadrez estratégico, juntaram-se Inglaterra, França e, mais tarde, China. Numa outra esfera, a Guerra Fria esquentou com a corrida espacial, iniciada no final dos anos 50 e alimentada: pelos lançamentos de satélites e foguetes de alta tecnologia, que funcionavam como emulação propagandista da competição militar hegemônica.

O armazenamento de milhares de ogivas nucleares, por parte das duas superpotências, suscitou a reflexão sobre a natureza da guerra "fria": a Terra tornou-se refém da tecnologia nuclear, capaz de aniquilar todos os seus habitantes, não uma só vez, mas dezenas de vezes. Além do mais, a preparação dessa guerra já era, em si mesma, uma forma aterrorizadora da própria guerra.

Se o foco da tensão da Guerra Fria centrava-se no palco europeu, zonas de influência na periferia do mundo não permaneceram neutras diante da acirrada disputa das superpotências, que buscavam otimizar ganhos e vitórias. Sob qualquer pretexto, cada lado oferecia armas, ajuda econômica e apoio político aos novos aliados. A lista e extensa. A guerra civil na Grécia transformou-se em palco de disputa e ofensiva diplomática, econômica e militar entre EUA e URSS. Em 1950, irrompia a Guerra da Coréia, com a divisão entre o norte e o sul, partilhados pelas superpolícias mundiais, agravada pela entrada da China ao lado da Coréia do Norte. Em 1956, na primeira tentativa de liberar-se do comando comunista, a Hungria e invadida e o poder soviético restabelecido. Os americanos não deixavam por menos e apoiavam golpes no Ira (1955) e no Líbano (1958). Dez anos mais tarde, a Tcheco-Eslováquia comovia a opinião publica internacional pela resistência contra os tanques soviéticos que sufocaram a rebelião de Dubcek.

Com a crise ideológica sino-soviética, abriu-se o período de relativa distensão entre EUA e URSS. Mas isso durou pouco. A iniciativa de Kruschev de atingir a zona de influência americana conduziu a Crise dos Mísseis em Cuba, que por pouco não deflagra a guerra atômica. A lição serviu para que os dois lados assinassem o Tratado de Proibição de Testes Nucleares, e a partir daí, caminhou-se para novo período conhecido como Détente. No entanto, a Détente serviu muito mais para congelar o poder mundial em mãos das superpotências nucleares.

Um novo ciclo de disputa política e ideológica ampliou-se para Ásia, África e América Latina. A intervenção americana no longínquo sudeste da Ásia transformou o Vietnã numa guerra de libertação com reflexos decisivos na política interna dos EUA, reforçando movimentos de paz e de resistência contra a conscrição militar do Governo americano. Enquanto isso, uma série de golpes militares apoiados pelos EUA, com sua famigerada doutrina de segurança nacional, sacudiu a América Latina dos anos 60 aos 80. Em relação ao processo de descolonizarão africana, ele foi praticamente estigmatizado por intervenções e guerras provocadas pelos interesses geopolíticos americanos e soviéticos.

A partir dos anos 70 houve nova percepção sobre a estupidez da Guerra Fria, com os acordos de limitação de armamentos estratégicos. Mas a inércia armamentista continuou e novas armas foram criadas: a bomba de neutro, os sistemas de ogivas nucleares múltiplas e mísseis intercontinentais, que desestabilizaram a paridade militar. A URSS invadiu o Afeganistão e os EUA a ilha de Granada. Todo esse gigantesco esforço militar acarretou a perda do fôlego dos soviéticos, agora chamados de Império do Mal pelo presidente Reagan. Este jogou sua cartada definitiva com a tresloucada Guerra das Estrelas (iniciativa de Defesa Estratégica). Era o final decretado pela superioridade tecnológica, ocasionando mudanças na correlação de forcas: a queda do Muro de Berlim e o colapso do bloco soviético em 1989 prenunciaram transformações internacionais que ainda estamos vivendo intensamente e perplexamente.

Embora o condomínio do poder nuclear tenha freado e violado direitos humanos e sociais e liberdades políticas, o período da Guerra Fria não eliminou de todo a contestação, a dissidência, os movimentos de liberação e de contracultura em todas as partes do mundo. No domínio do tempo histórico, a Guerra Fria foi dura, mas foi relativamente breve. Acima de tudo, deixou a Humanidade uma lição exemplar: a de que não volte a nos assombrar com seus demônios e vilões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Tribunal passa a guerra a limpo

No dia 20 de novembro de 1945, começou o ultimo ato da Segunda Guerra Mundial: o primeiro julgamento de todos os tempos por crimes contra a paz e a Humanidade, realizado no antigo Palácio de Justiça de Nuremberg, na Alemanha. Quando as sessões foram encerradas, em 1º de outubro de 1946, cem testemunhas tinham sido ouvidas e milhares de documentos examinados. Os vereditos: 12 homens foram condenados a forca, sete a penas de prisão - de 10 anos a reclusão perpétua - e três foram absolvidos. Das sete organizações acusadas, quatro foram consideradas culpadas, entre elas a SS e a Gestapo.

No Tribunal Internacional de Nuremberg, não havia júri e os juizes acumularam as funções de presidir o tribunal e julgar. Os oito membros da corte representavam as quatro potências aliadas vencedoras. Os advogados de defesa, quase todos alemães antinazistas, levavam de saída uma desvantagem: também se chocavam com o relato das brutalidades nazistas e muitos consideravam os réus responsáveis pelo que acontecera ao pais. Só o pesado clima antigermânico, e não somente antinazista, os aproximava dos clientes.

Os 24 acusados dividiam-se em quatro grupos: os comandantes militares (Dönitz, Keitel, Raeder e Jodl), os homens fiéis ao partido (Göring, que tomaria veneno antes de se cumprir sua sentença de morte, Rosenberg, Streicher e Hess, entre outros), os funcionários públicos e os encarregados da matança (Hans Frank). Martin Bormann foi julgado in absentia e Robert Ley cometeu suicídio no decorrer do processo. As acusações eram quatro: crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e conspiração.

Como Goring era o único grande líder nazista presente, pairava no ar a sensação de que apenas elementos secundários do Terceiro Reich estavam em julgamento. Alem disso, havia questões inquietantes: como podiam os réus serem acusados por crimes que não figuravam nos códigos de nenhum pais? Outra questão delicada se referia a decisão dos juizes de não permitir que os advogados de defesa apresentassem provas de atos brutais cometidos pelos aliados, quando se sabia, por exemplo, que o massacre de milhares de soldados poloneses na floresta de Katyn - atribuído aos nazistas - fora cometido pelos soviéticos, e que as bombas atômicas lançadas pelos EUA sobre o Japão eram, aquela altura, provavelmente um excesso.

Entretanto, o primeiro dos treze julgamentos de Nuremberg teve dois grandes méritos: denunciou ao mundo os horrores cometidos durante a guerra e deu tempo para que as cabeças estriassem, evitando o banho de sangue que certamente se teria seguido, tal o animo popular em relação a Alemanha. Apesar de apenas 199 homens terem sido julgados em Nuremberg, milhares de outros o seriam depois, por seus próprios povos e em antigos territórios ocupados Muitos, porem, se mataram ou fugiram para América do Sul.

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Perseguições dão fôlego ao sionismo

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, muitos dos judeus que conseguiram sobreviver aos horrores do Holocausto nazista se viram diante de um novo drama: tinham perdido absolutamente tudo, da fortuna pessoal 3 família, muitas vezes a própria cidade na qual viviam. Foi nesse contexto que ganhou renovado vigor o sionismo, movimento político que tinha como objetivo reconduzir o povo judaico a Terra Prometida. Para milhares de pessoas, a religião tornara-se o único vinculo com a realidade.

No entanto, essas vitimas do anti-semitismo europeu ainda tinham pela frente os interesses econômicos da Coroa inglesa, a qual a Liga das Nações concedera o Mandato Palestino em julho de 1922, e que, embora tenha sido a primeira nação ocidental a reconhecer o direito do povo judaico a se constituir como Estado, impôs uma serie de dificuldades para o seu retorno a Jerusalém. Foi preciso muita pressão da comunidade judaica radicada nos Estados Unidos para que se criasse a Comissão de Inquérito Anglo-Americana, que, em abril de 1946, revogou as restrições a compra de terra por parte dos judeus e determinou a admissão de 100 mil refugiados na Palestina.

Tratava-se de uma grande conquista: ate então só eram concedidos 18 mil vistos por ano aos judeus. Mas a demanda continuava reprimida: a Aliya Bet, organização subordinada ao movimento guerrilheiro Haganah, criada em 1939 com a finalidade de organizar a imigração ilegal para a Palestina, continuou a ser o único recurso de muita gente. Com uma extensa rede de emissários na Europa, América, África do Norte e Oriente Médio, a Aliya Bet conseguiu, ao longo de 65 viagens de navio, levar cerca de 80 mil judeus para a Palestina entre os anos de 1945 (fim da guerra) e 1948 (criação do Estado de Israel). A essa altura já havia 650 mil judeus na Palestina, dos quais 480 mil tinham entrado depois da guerra.

O Governo britânico combateu violentamente a imigração ilegal, levando para os campos de concentração que mantinha em Chipre os passageiros de navios interceptados. O caso mais famoso foi o do "Exodus", que zarpou da cidade de Site, na Franca. no dia 11 de julho de 1947, com 4.515 pessoas a bordo, das quais 655 eram crianças. O "Exodus" passou a ser seguido por destróieres ingleses tão logo deixou as águas territoriais francesas, mas só foi abordado no dia 18 de julho, já próximo a costa da Palestina. Morreram nessa ocasião dois imigrantes e um tripulante. Trinta pessoas se feriram. Levados de volta a Franca, os passageiros se recusaram a desembarcar, apesar da fome. Resistiram por 24 dias antes de serem removidos para Chipre. O episódio ganhou projeção na imprensa mundial e contribuiu para o desgaste britânico no Oriente Médio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Argentinos já tem o seu Getúlio

Em fevereiro de 1946, uma eficiente maquina eleitoral e a influencia que exercia sobre as massas falando-lhes numa linguagem que to cava diretamente seus estômagos conduziram o general Juan Domingo Perón a presidência da Argentina, com 56%, dos votos. Apoiado nos pequenos e médios proprietários, na burguesia industrial, nos trabalhadores e em "los descamisados", Perón derrotou o candidato da União Cívica Radical do Povo, Tamborini, por uma diferença de mais de 260.000 votos.

Maior representante do populismo carismático latino-americano ao lado de Getúlio Vargas, Perón começara a se projetar em 1941, ao voltar de um estagio de dois anos em unidades militares da Itália, onde se deixara fascinar pela ideologia fascista de Mussolini. Ajudou a fundar o Grupo dos Oficiais Unidos (GOU), que em 1943 protagonizou o bem-sucedido golpe de estado contra Ramón Castillo. Nomeado para o modesto posto de titular da Secretaria do Trabalho, logo transformada por ele num dinâmico ministério, tomou medidas populares, como o aumento dos salários, a redução das jornadas de trabalho e a instituição do 13º salário. Sua ascensão ganhou forca quando o general Edelmiro Julián Farrel assumiu a presidência, em fevereiro de 1944. Nessa época, já acumulando os cargos de Ministro do Trabalho e da Guerra, tornou-se também vice-presidente.

A medida que crescia sua popularidade junto a classe trabalhadora, aumentavam as resistências nas Forças Armadas. Em setembro de 1945, um golpe comandado pelo general Avalos exigiu a destituição de Perón No dia 9 de outubro, Perón foi preso e automaticamente elevado a categoria de mártir. Foi seu primeiro grande triunfo. Oito dias depois ocorreu a maior surpresa da história política argentina. De madrugada, uma maré humana invadiu a Praça de Maio, postando-se em frente a Casa Rosada. Meio milhão de pessoas gritavam em uníssono: "Perón! Perón!". No dia seguinte ele era reconduzido a vice-presidência, e quatro meses depois vencia nas urnas.

Aquele 17 de outubro solidificou o vinculo entre o líder e seu povo, ao mesmo tempo que indicava a falência dos partidos tradicionais. Alem disso, introduziu na cena uma mulher que logo se tornaria a mola propulsora da vida de Perón: Maria Eva Duarte, a Evita, amante de Perón, presidente da Associação dos Radialistas Argentinos e locutora da Radio Belgrano. Foi ela quem convocou os manifestantes pelo radio com sua voz rouca. Maria Eva se tornaria a lendária Evita Perón três meses depois.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Século perde seu economista

Em abril de 1946, morria de enfarte o economista mais importante e influente do século. John Maynard Keynes não foi apenas um construtor nada ortodoxo de teorias econômicas e critico feroz de antigas crenças. Foi também importante jornalista político, vitorioso investidor em bolsas de valores professor, funcionário publico e aplicado colecionador - adquiriu o acervo de Isaac Newton para torna-lo acessível a pesquisa.

Keynes nasceu em junho de 1883 (o ano em que morreu Karl Marx) em Cambridge Inglaterra, numa família de classe media alta. O pai, John Neville Keynes, era um reputado economista, e a mãe, Florence foi prefeita da cidade e uma das primeiras mulheres formadas na universidade local. Ainda adolescente, o futuro gênio da economia ganhava prêmios em matemática e em literatura clássica. Só ao ingressar na Universidade de Cambridge, em 1902 manifestou-se sua queda para os debates econômicos e políticos.

Depois de se graduar, Keynes trabalhou para o Governo na Índia. Em 1909 começou a lecionar em Cambridge. Apareceu aos olhos do mundo pela primeira vez em 1919: já funcionário do Tesouro e conselheiro do primeiro ministro Lloyd George na assinatura do Tratado de Versalhes, colocou-se contra as duras condições impostas a Alemanha. Derrotado. demitiu-se e publicou seu primeiro livro, o clarividente "As conseqüências econômicas da paz", que alertava para os riscos de uma m>va guerra. Em 1921 veio a luz "Tratado sobre a probabilidade", que Ihe ampliou a fama.

Mas foi em 1930, no inicio da Grande Depressão, que Keynes, já casado com a bailarina russa Lydia Lopokova, revelou-se finalmente rebelde contra as velhas teorias econ5micas. O "Tratado sobre a moeda"—cujas idéias foram aperfeiçoadas em 1936 na "Teoria geral do emprego, do juro e da moeda", sua obra-prima—já afirmava que a depressão resultava do fato de os empresários não investirem tudo o que podiam. O próprio governo, defendia, tinha de tomar a iniciativa, criando empregos, nem que fosse para "abrir e fechar buracos" ou "construir pirâmides". As propostas de Keynes davam suporte teórico ao New Deal de Franklin Roosevelt.

Durante a Segunda Guerra Mundial, no cargo de diretor do Banco da Inglaterra, o então lorde Keynes de Tilton desempenhou papel de ponta nas reuniões de 1944 em Bretton Woods de onde saíram o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Ele só não teve tempo para evitar, como desejava, que o dólar dominasse a economia de todo o planeta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Os contestadores estão chegando

Ganhou o nome de baby boom (explosão de bebes) a epidemia de nascimentos que varreu os Estados Unidos entre 1946 e 1964, na esteira da euforia e da prosperidade do pós-guerra: foram 77 milhões de partos, o dobro dos ocorridos na geração anterior. O fenômeno atingiu diversos países, mas foi a cultura americana que Ihe deu o tratamento sociológico mais atento. identificando ali o germe de mudanças profundas de comportamento que iriam explodir nos anos 60 e 70.

Com um pendor certamente excessivo para a generalização, os especialistas caracterizam os baby boomers como cultos, narcisistas e apegados a uma idéia de eterna juventude: foram eles que fizeram a fortuna cias indústrias de cosméticos, dietas e aparelhos de ginastica. Auto-confiantes. sem qualquer resquício da austeridade de seus pais, cresceram acreditando que compromissos e responsabilidades, como casamento e paternidade, deviam e podiam ser adiados ao máximo. Sua trilha sonora foi o rock'n'roll e muitos experimentaram drogas. Formam a geração que menos dificuldades materiais enfrentou na história dos Estados Unidos e, talvez por isso, têm, em geral, desempenho econômico inferior ao de seus pais.

Seriam exatamente os boomers, americanos ou não, os protagonistas das mudanças de comportamento destinadas a sacudir o mundo nas últimas décadas deste século. Um raciocínio simplista vê nos métodos do pediatra Benjamin Spock—o mais influente dos especialistas em educação de crianças do período e defensor de uma formação mais relaxada, em que o carinho supere a autoridade—o fator decisivo para que, nos anos 60, tantos rapazes e mocas se tornassem pacifistas, idealistas e adeptos do sexo livre.

O fato e que a explosão de bebes levou a profundas transformações na estrutura escolar, que não estava preparada para tantos novos alunos. Nos anos 70, o mercado de trabalho e que teria que se adaptar a novidade da disputa feminina. Na década de 80, os boomers chegaram a posições de destaque nos Estados Unidos. Entre seus ilustres representantes estão Bill Gates (nascido em 1955), proprietário da Microsoft, o cantor Michael Jackson (1958), o cineasta Steven Spielberg (1947), a estilista Dona Karan (1948) e o escritor Stephen King (1947). Em 1992, com a eleição de Bill Clinton (1946) para a presidência da Republica, chegaram enfim ao cume do poder.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Mil megatons de sensualidade

Foi uma invenção de efeito devastador. Lançado num desfile a beira da piscina em Paris, no dia 3 de julho de 1946, o biquíni escandalizou o mundo e arregalou os olhos de conservadores e liberais. Diante da recusa de diversas modelos profissionais quem ousou vestir o primeiro modelo foi Micheline Bernardini, uma dançarina do Cassino de Paris. Para batizar sua criação, o estilista francês Louis Reard inspirara-se no pequeno Atol de Bikini, no Pacifico Sul, onde os americanos tinham feito testes nucleares dias antes. Pelo menos em matéria de escândalo, o biquíni rivalizava com a bomba atômica. Finalmente as mulheres podiam mostrar mais do que era permitido ate então pelo bem-comportado maiô duas-pecas. Nunca simples pedaços de pano tinham causado tanto furor.

Os puritanos não conseguiram impedir o avanço, o do biquíni, que da Riviera Francesa espalhou-se para as praias do mundo inteiro. Nos anos 60, ganhou espaço definitivo no guarda-roupa das mulheres que começavam a descobrir, junto com a liberação sexual, o prazer de serem donas do próprio corpo. O cinema ajudou a transformar em cult o que era vulgar ao revelar o corpo de musas como Ava Gardner, Marilyn Monroe, Rita Hayworth e Ursula Andress. Em 1956, Brigitte Bardot tirou o fôlego dos homens ao mostrar seus dotes em "...E Deus criou a mulher". No âmbito interno, para citar escândalo semelhante, tivemos que esperar ate 1971, guando a atriz Leila Diniz expôs sua barriga de gravida num biquíni sem a tradicional cortininha.

A criação de Reard chegou a ser proibida no Brasil, no inicio dos anos 60, pelo presidente da Republica Jânio Quadros, que a considerava uma indecência. Também foi vetado em algumas praias dos Estados Unidos. Em Portugal, foi proibido em 1961 e liberado somente em 1970, sob o argumento de que isso serviria para "incrementar o turismo".

O biquíni acompanhou a evolução dos costumes. No Brasil, a tanga surgiu nos anos 70. Depois vieram o fio-dental e a asa-delta, ponto-limite do encolhimento do traje de banho. Nos anos 90, voltaram a moda os modelos mais bem-comportados.

O sucesso internacional não impediu que a Maison Reard, grife de alta costura em moda praia, fosse a falência no final dos anos 80. Detentora da marca biquíni, a casa nunca viu a cor do dinheiro referente aos direitos comerciais da marca, usada indiscriminadamente no mundo inteiro. Louis Reard morreu aos 87 anos de idade, quatro anos antes do fechamento da Maison.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Frank Capra faz sua obra-prima

"A felicidade não se compra" ("It's a wonderful life") e a obra-prima do diretor americano—de origem italiana—Frank Capra com todos os ingredientes que o tinham tornado um dos mais bem-sucedidos diretores de Hollywood antes da Segunda Guerra. Não foi essa, porem, a opinião do publico na época. O humanismo meloso de Capra, que seu senso de humor e sua habilidade narrativa tornavam inteiramente palatável, não caiu bem num momento em que estava fresca na memória de todos a maior tragédia coletiva da História. O filme foi um fiasco. Seria preciso esperar tempos menos duros para que "A felicidade não se compra" fosse visto como o que e: uma deliciosa fabula de Natal.

O filme conta a história de George Bailey (interpretado por James Stewart o ator-simbolo de Capra), herdeiro de um banco numa cidadezinha do interior. Na juventude, Bailey abrira mão de conhecer o mundo e aproveitar a vida para se dedicar ao trabalho e a filantropia, concedendo empréstimos a juros desprezíveis a toda a população. Agora, as vésperas do Natal, esta a beira da falência e. convencido de que sua vida foi um equivoco, decide se matar. E ai que surge um anjo torto, Clarence, para demove-lo da idéia e mostrar que, sem ele, sua mulher seria infeliz e sua cidade, um antro de corrupção, miséria e maldade.

Capra nasceu em maio de 1897 na Sicília, e aos 6 anos mudou-se com a família para Los Angeles. Estudou matemática e química antes de se lançar no cinema como roteirista da dupla "O Gordo e o Magro". Em 1923 dirigiu seu primeiro filme, "Fultah Fisher's Boarding House". Mas foi depois de contratado pela Columbia que Frank Capra cristalizou seu inconfundível estilo. O primeiro grande sucesso veio com "Aconteceu naquela noite", de 1934, premiado com o Oscar nas categorias de melhores filme, diretor, ator (Clark Gable), atriz (Claudete Colbert) e roteiro adaptado.

Capra recebeu ainda o Oscar pelos filmes "O galante Mr. Deeds" (1936) e "Do mundo nada se leva" (1938). No período da Segunda Guerra Mundial, realizou diversos documentários oficiais, usados como propaganda antinazista. Sua despedida do cinema aconteceu em 1961, com "Dama por um dia". Disse que estava abandonando a carreira porque havia perdido a liberdade para criar. Frank Capra morreu em 1991, aos 94 anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

Nunca houve uma mulher como Rita

Poucos filmes marcaram tão profundamente o imaginário de uma geração como o insinuante "Gilda". do diretor húngaro Charles Vidor, cuja estreia mundial ocorreu na primavera de 1946, nos Estados Unidos. Era, no entanto, um típico filme B. com orçamento reduzido e um elenco pouco conhecido, cuias carreiras tiveram como ápice essa produção. A critica da época não conseguiu captar a grandeza por trás daquela trama perversa, quase toda ela circunscrita a um obscuro cassino em Buenos Aires no período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial.

Coube apenas ao publico consagrá-lo. Apesar da inventividade da direção de Charles Vidor e da precisão quase matemática do envolvente roteiro de Virgínia Van Upp, o filme esta indissoluvelmente associado a personagem titulo: "Nunca houve uma mulher como Gilda", dizia o apelativo slogan usado em todos os países em que o filme foi exibido. Rita Hayworth (nascida Margarita Carmen Cansino, em 1918), no papel-título, tornou-se símbolo sexual de uma geração, embora pouco mostrasse de seu corpo. Na cena mais provocante do filme, ao fazer um strip-tease para que todos enfim saibam de seu passado pecaminoso, tudo o que Gilda tira e uma das luvas pretas que esta usando. Bastou para que Rita despertasse as mais loucas fantasias nos homens, a ponto de batizar uma bomba atômica lançada nos testes de Bikini, em 1946.

A própria Rita Hayworth teve problemas com a forca da personagem que interpretou. chegando a desabafar ao final do casamento com o príncipe paquistanês Ali Khan, o terceiro de sua atribulada vida emocional: "Os homens sempre vão para a cama sonhando com Gilda e se decepcionam ao acordar ao lado de Rita Hayworth". Tudo a ver com o filme, em que os personagens centrais, que vivem um triângulo amoroso no mínimo bizarro, tem em comum um comportamento voyeurista, preferindo contemplar o mundo a participar dele.

Nada em "Gilda" e exatamente o que parece ser. Não por acaso, a frase mais repetida pelos personagens ao longo do filme e: "Quem você pensa que esta enganando?". Trata-se de um festival de engodos bem ao gosto do cínico publico do pós-guerra. "Gilda passou esse tempo todo representando, e você foi um ótimo espectador", diz o detetive do filme a certa altura. O espectador, no caso, era o jogador Johnny Farrel (Glenn Ford), que abandonou Gilda em Nova York e a reencontrou em Buenos Aires casada com o aristocrático Ballin Mundson (George McReady).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1946

O Julio Verne do império britânico

Quando o escritor inglês Herbert George Wells morreu, aos 80 anos incompletos, no dia 13 de agosto de 1946, era um homem triste, solitário e decepcionado com a Humanidade, cujo potencial exaltara ao longo de uma obra profética e prolífica: cerca de cem títulos nos mais variados campos do conhecimento. Tinha renunciado a confiança num futuro radiante no ano anterior, com a publicação de "O fim de um cérebro", no qual anunciava o fim da vida como a conhecemos.

H.G. Wells começou sua carreira literária em 1895, com a publicação de "A máquina do tempo", um inventivo romance de ficção cientifica. O sucesso foi imediato. Vieram em seguida "O bacilo roubado e outras histórias", "A ilha do Doutor Moreau", "O homem invisível", "A guerra dos mundos" e "Os primeiros homens na Lua", com os quais impôs-se, ao lado do francês Júlio Verne, como o grande no me da primeira fase da sci-fi. Tinha, no entanto, uma formação cientifica mais sólida do que a de Verne a serviço de uma imaginação não menos delirante, o que Ihe permitiu prever com décadas de antecedência o surgimento do fonógrafo, do radio, dos tanques, do raio laser, da propulsão eletromagnética, da guerra química e ate da bomba atômica.

Vale lembrar que sua desenvoltura no campo das idéias não era correspondida quando se tratava de buscar a palavra exata, tarefa em que se mostrava "como um hipopótamo tentando pegar uma pulga", segundo o romancista Henry James, com quem polemizou por 15 anos sobre a função da arte.

Filho de comerciantes falidos que se tornaram criados da aristocracia londrina para subsistir, Wells foi também um apaixonado animal político. Uma das primeiras causas que advogou foi o socialismo, que conheceu em 1905 na Sociedade Fabiana, um grupo de eminentes intelectuais de esquerda, entre eles George Bernard Shaw. Também entusiasmou-se com o feminismo a ponto de escrever o romance "Anna Veronica", pondo em pauta, entre outros assuntos polêmicos, a necessidade de um controle de natalidade. O ultimo sonho pelo qual se deixou embalar foi o da Liga das Nações, para a qual redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos que serviu de base para a declaração posteriormente adotada pela ONU.

Fonte: O Globo - Texto integral